O perigo tá on: Como o território digital ameaça, mas pode ser disputado para garantir uma vida mais saudável?

O perigo tá on: Como o território digital ameaça, mas pode ser disputado para garantir uma vida mais saudável?

No quarto e último episódio, podcast Cria Histórias aborda a presença on-line de crianças e adolescentes em uma fase fundamental do desenvolvimento

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Tempo de leitura: 7 minutos

Xuxa, Pikachu, Teletubbies ao Castelo Rá Tim Bum… A infância de muita gente foi marcada por programas televisivos voltados ao público infanto-juvenil.

Para quem cresceu nos anos 1990, nas periferias de São Paulo, a TV era a “babá” utilizada por pessoas adultas para entreter e evitar que as crianças fossem para as ruas, um perigo em tempos de forte violência na cidade. Já as aventuras eram vivenciadas no videogame.

Com o avanço digital, o acesso à internet, os jogos virtuais e o surgimento de redes sociais, popularizaram-se as lan houses e a banda larga se expandiu. Até chegarmos aos dias atuais, em que boa parte da informação está disponível ao alcance das mãos.

Hoje, um smartphone retém a atenção e é objeto de desejo entre crianças e adolescentes, muitas vezes atendido pela família. Mas se o comportamento muda, a ameaça também muda: ela está on-line, no território digital.

Esse cenário é discutido no último dos quatro episódios do podcast Cria Histórias, produzido pela Cria Coragem, iniciativa do Instituto Çarê que constrói novas narrativas sobre as infâncias, com foco na prevenção e erradicação ativa da violência sexual contra crianças e adolescentes.

E se quase todo mundo tem histórias de abuso e violência na infância, também é certo de que é nesta fase da vida em que todo mundo tem uma história de revolução. Ouça abaixo e confira todos os episódios e materiais de apoio aqui.

Ruas digitais

Em 2025, entrou em vigor uma lei federal que proíbe o uso de celular em sala de aula em todas as escolas do Brasil – o que gerou polêmicas e memes.

“É fácil, é um conteúdo rápido, você vai lá, senta, fica no seu conforto. Eu acho que é por isso que a galera mais jovem está tão presa na tela, que é algo muito fácil que gera muito entretenimento”, aponta João Juliete Rosa Andrade de Souza, estudante de 16 anos do ensino médio na ETEC, que diz preferir atividades presenciais com amigos.

João Juliete Rosa Andrade de Souza, estudante do ensino médio. Imagem de Alícia Peres.

João Juliete Rosa Andrade de Souza, estudante do ensino médio. Imagem de Alícia Peres.

O território digital, que ele também utiliza, é ocupado por muitos discursos que ele já presenciou com ataques a mulheres e outras minorias – e muitas dessas mensagens ajudam a espalhar o ódio e fortalecer a extrema-direita.

Redes sociais, plataformas e fóruns são utilizados para a prática de bullying, perseguição, “desafios” que colocam em risco a vida de quem pratica em risco e violência sexual.

“Como a gente não regula territórios digitais, a gente trata como se fossem um mundo que não existe. É um número absurdo de células neonazistas no Brasil e todas elas atuam nessas plataformas e nos territórios digitais com muita proficiência”, observa a jornalista e escritora Flávia Gasi.

Ela explica que a idade em que se inicia a radicalização por discursos da extrema-direita é aos 11 anos de idade, por meio de plataformas como Roblox ou Minecraft.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para que as empresas de tecnologia sejam responsabilizadas por crimes que acontecem em suas plataformas. Na prática, isso significa se comprometer a retirar conteúdos criminosos do ar sem a necessidade da ordem judicial. Hoje em dia, isso só acontece com ordem judicial, o que torna o processo lento e o estrago, grande.

A regulação protege diretamente dos abusos, mas também ajuda a combater discursos extremistas que são crimes no Brasil, como o racismo e a apologia a violências.

“O que eu tenho feito é trabalhar muito com a conversa, a gente tem que conversar muito, e não só com os jovens, cmas om os pais, com a família, tentar se fazer entender que mesmo sua casa não é um território seguro. O que acontece dentro do quarto, com a sua filha, com o celular na mão? Quem está falando com ela? Se você não sabe essas coisas, é a mesma coisa de você deixar a criança na rua”, ressalta o entrevistado Rafael Braga, designer de jogos e arte-educador.

Quando adolescente, ele quase foi cooptado por uma celula nazista em um grupo que jogava Counter Strike.

Diversidade

O ambiente digital, com os games e redes, valoriza o indivíduo em sua “jornada do herói” e menospreza a coletividade. Nesse sentido, o que é possível fazer para enfrentar discursos individualistas?

“Existe um monte de grupos de pessoas trans, de pessoas racializadas, de pessoas periféricas, em todos esses jogos, onde elas criam conexões de verdade (…) Então, é um momento de troca que é valiosíssimo, que era para isso que a internet deveria ser feita. Você tem revoluções o tempo todo”, destaca Flávia Gasi.

Juliana Gonçalves sob o registro sonoro de Luiza Akimoto, diretora de sonoplastias do podcast. Imagem de Alícia Peres.

Juliana Gonçalves sob o registro sonoro de Luiza Akimoto, diretora de sonoplastias do podcast. Imagem de Alícia Peres.

Nesse sentido, a diversidade é vista como ferramenta de luta para construção desse novo imaginário, que tem na tecnologia uma aliada.

“Como essas sociedades [que foram colonizadas] entendem que a diversidade é algo positivo, que nos ajuda a caminhar melhor e não ao contrário. Eu não tenho necessidade de te catequizar ou de fazer você pensar como eu penso ou de impor a minha cultura para você”, aponta Juliana Gonçalves, jornalista e pesquisadora do Bem Viver, que conheceu na Marcha das Mulheres Negras de 2015.

Como jornalista, Juliana se aprofundou nesse conceito ensinado por mulheres andinas e juntou a escuta e a interpretação de mulheres negras e indígenas brasileiras.

“Eu acredito sim que, ancorado no Bem Viver, a gente pode falar de infâncias mais saudáveis, infâncias onde esse número de abusos que existe seja realmente diminuído em muito, a partir de uma emancipação, que não é só daquela criança, mas de todo um sistema em torno dela. Então, essas crianças precisam também de adultos saudáveis para poder fazer esse papel de fato de proteção e para alimentar essas crianças de ferramentas de autoproteção e autopreservação”, completa Juliana.

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