Tecnologia do encontro: Quando a comunicação da quebrada aproxima passado e futuro no tempo presente

Tecnologia do encontro: Quando a comunicação da quebrada aproxima passado e futuro no tempo presente

No Extremo Sul de São Paulo, abertura da exposição “Gerações Periféricas Conectadas” reúne público de diferentes faixas etárias. Confira a cobertura!

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Tempo de leitura: 7 minutos

Por Thiago Borges. Fotos: Vitori Jumapili

Monóculos expandem horizontes ao resgatar imagens de luta nas quebradas: a favela pede paz, reivindica uma maternidade e declara o amor ao próprio território.

Olhar por aquele buraquinho causou nostalgia entre as pessoas mais velhas, enquanto crianças descobriam uma nova-velha forma de se comunicar.

Abertura da Exposição Gerações Periféricas Conectadas - Foto- Vitori Jumapili-9

Abertura da Exposição Gerações Periféricas Conectadas – Foto – Vitori Jumapili

Já as camisetas estendidas no varal carregam reflexões sobre mudanças que já estão acontecendo: é possível falar de longevidade sem direitos básicos garantidos, com uma crise climática à frente e transformações profundas que estamos vivendo, sem saber ao certo no que estamos nos tornando?

E as pipas, que sobrevoam as quebradas em férias escolares, trazem fotografias que retratam um chão de luta: as terras do Quilombo do Cafundó, em Salto de Pirapora (SP), que simbolizam como a comunicação também atravessa o tempo.

A comunidade quilombola aparece ainda em um vídeo em alta definição exibido numa TV de tubo de 14 polegadas. As cenas de uma fogueira iluminam o oratório: câmeras, gravadores, celular, fitas, máquina de escrever – meios disponíveis para escutar os pedidos da população.

Lambes, jornal impresso, faixas penduradas tornam física uma preocupação da era digital: vamos recuperar a confiança das pessoas no jornalismo.

As descrições são fragmentos do que o público pode vivenciar na exposição imersiva “Gerações Periféricas Conectadas”, com curadoria de Pedro Salvador e Rafael Cristiano e produzida pela equipe da Periferia em Movimento.

A abertura aconteceu no último domingo (6/7), no Centro Cultural Grajaú (Extremo Sul de São Paulo), por onde segue até 6 de agosto. A entrada é gratuita e as visitas podem ser feitas de terça a sábado, das 9h às 20h, e aos domingos até as 18h na rua Professor Oscar Barreto Filho, 252 – Parque América.

Clique nas fotos abaixo para conferir!

Vivências

Se a proposta da exposição é provocar o público a refletir sobre o papel da comunicação em suas trajetórias periféricas, a abertura trouxe uma roda de conversa que aprofundou esse debate.

Aos 38 anos, Ronaldo Matos recorda-se de cenas de três décadas atrás, quando frequentava e ajudava seu pai em uma banca de jornal no Jardim Ângela (Extremo Sul de São Paulo). Naquela época, as periferias paulistanas viviam uma “epidemia de violência”, que era estampada nos jornais.

“E eu via todos os dias, 10 ou 20 pessoas paradas em volta da banca de jornal discutindo quem tinha morrido e era capa do jornal”, lembra ele.

Com acesso à informação desde cedo e o senso crítico formado pelo hip hop nas ruas e as letras das músicas que tocavam no Espaço Rap da rádio 105 FM, Ronaldo ingressou na faculdade e, em 2013, fundou o próprio veículo jornalístico: o Desenrola e Não Me Enrola.

“Viver a periferia me deu a possibilidade de pensar. Ao longo desse tempo, eu descobri que nas periferias havia lugares para se produzir pensamento (…) Se eu não tivesse essa oportunidade, eu estaria aqui só trabalhando para pagar os boletos. Mas eu quero trabalhar para influenciar as próximas gerações a descobrirem um pouco do que eu descobri e formulando pensamento”, diz ele, que hoje é orquestrador do ecossistema de comunicação e jornalismo no Brasil e em todo o Sul global.

Essa descoberta do próprio território por quem nele vive é o que motiva a atuação de Luara Angélica, pedagoga, multiartista e participante do curso Repórter da Quebrada em 2025.

“É louco pensar que Parelheiros representa um quarto do território de São Paulo, é gigantesco, mas as pessoas saem do território pra acessar cultura. Isso é um projeto capitalista. É perigoso que a informação circule no nosso território, que é muito rico, com muita arte e com os povos originários”, destaca Luara, de 25 anos.

A jornalista Sanara Santos, de 26 anos, observa que distanciar a população periférica de seu próprio potencial atende a interesses do sistema – e a mídia convencional participa disso.

Ela cita a si própria como um exemplo das ações de comunicação que participou: da presença no futebol de várzea promovido pelo pai em Sapopemba (zona Leste) e nas aulas de teatro e saraus na divisa com Santo André até a descoberta do guia Prato Firmeza, da Énois.

Foi na iniciativa que Sanara teve contato com o jornalismo e hoje é a primeira mulher trans diretora de uma organização jornalística no Brasil. A partir dali, também se conectou com mais profissionais e fundou a Transmídia, primeira iniciativa de jornalismo brasileira liderada por pessoas trans.

“Hoje, eu vejo muitas possibilidades de existência de pessoas trans a partir da comunicação. Há 20 anos, as travestis das periferias eram mais estigmatizadas, o gênero e o nome social não eram respeitados no jornalismo”, diz ela. “Quando eu iniciei meu processo de transição de gênero, meu pai usou o áudio para procurar vídeos sobre isso no youtube e começou a assistir conteúdo sobre pessoas trans. Há 20 anos, isso não era assim”.

Novos ângulos

A exposição é resultado de um processo coletivo construído ao longo de um ano e meio, no âmbito do projeto “Repórter da Quebrada”, realizado pela Periferia em Movimento com apoio da 8ª edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia, da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa da Prefeitura de São Paulo.

Além da articulação e o mapeamento territorial, a realização de oficinas de comunicação, rodas de saberes e a produção de mais de 60 reportagens nesse período. A exposição marcou ainda o encerramento de um curso de jornalismo intergeracional, em que participantes produziram conteúdos e visitaram o Quilombo do Cafundó.

O público pode conferir por um novo ângulo as fotos, vídeos, áudios e textos jornalísticos produzidos por pessoas periféricas e que fazem um recorte da garantia de direitos numa perspectiva intergeracional.

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