Terceirização das Casas de Cultura: Público e agentes culturais resistem à proposta da Prefeitura de SP

Terceirização das Casas de Cultura: Público e agentes culturais resistem à proposta da Prefeitura de SP

Secretária Aline Torres almeja “democratizar” acesso cultural nas periferias, mas pessoas entrevistadas temem afastamento maior da população

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Tempo de leitura: 8 minutos

Por André Santos (texto e fotos). Edição: Thiago Borges

Na periferia da zona Norte de São Paulo, uma jovem monitora cultural mapeia agentes culturais locais e atua para que as manifestações artísticas impactem o maior número de pessoas. Ela trabalha em uma das 20 Casas de Cultura administradas pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC) que podem passar para as mãos de uma organização terceirizada, caso a Prefeitura de São Paulo consiga avançar com o projeto.

“A gente procura fazer uma curadoria da forma mais horizontal possível, respeitando todos os todos os requisitos e burocracias da Prefeitura, mas tentando encontrar a melhor forma de trazer artistas da quebrada que nunca se apresentaram e dar essa primeira oportunidade para para que consigam ter um portfólio, um clipe ou um release. E também aprenderem como podem ser contratados por outras instituições”, explica ela, que preferiu não se identificar.

Vinculada ao programa municipal Jovem Monitor Cultural, que promove a formação prática e teórica de jovens na área cultural com atuação direta em equipamentos da Prefeitura, a aprendiz diz que há um clima de incerteza sobre o funcionamento desses espaços.

“A gente pretende dar o nosso melhor trabalho esse ano para deixar o nosso legado, porque a grande injustiça deste edital de gestão compartilhada é o apagamento de tudo que foi feito até aqui”, avalia a jovem monitora.

A treta sobre a terceirização das casas de cultura vem desde o início do ano passado. Desde então, agentes culturais e diversas coletividades se organizaram no movimento SOS Casas de Cultura para defender que a gestão seja feita diretamente pelo poder público. Nesta terca-feira (14/2), às 19h, movimento realiza uma nova reunião de mobilização na sede do Sindsep – rua Quitaúna, 101, no centro da cidade.

Em dezembro de 2022, a SMC apresentou um edital para “gestão compartilhada” das Casas de Cultura. Na proposta, a administração dos equipamentos sairia das mãos do poder público e seria feita por organizações da sociedade civil (OSCs), como já acontece nas áreas de saúde, assistência social e especificamente com as creches municipais. Segundo a secretária Aline Torres, o intuito é aumentar a oferta de programação cultural nas periferias.

A medida desagrada agentes culturais das periferias, que afirmam que tanto a secretária quanto o prefeito Ricardo Nunes (MDB) faltaram a 9 audiências públicas e reuniões da Subcomissão de Cultura da Câmara Municipal para discutir o assunto.

Além da impugnação do edital, o movimento reivindica a abertura de novos processos seletivos para contratação de pessoal na SMC, investimentos em programação e estrutura, além da abertura de mais Casas de Cultura na cidade.

O SOS Casas de Cultura também reclama da arbitrariedade do poder público na condução desse processo. Segundo agentes culturais, Ricardo Nunes e Aline Torres propagam “desinformação” em suas redes sociais, inclusive apagando comentários contrários à reforma, além de promoverem ataques pessoais e ameaças a quem se opõe à proposta.

Cidadania cultural

Criadas durante a gestão da ex-prefeita Luiza Erundina e implementadas pela então secretária da cultura Marilena Chauí no início dos anos 1990, as Casas de Cultura se consolidaram e espalharam-se pela cidade nos últimos 30 anos. Atualmente, São Paulo tem 20 unidades distribuídas por todas as regiões da capital, onde acontecem oficinas, apresentações musicais, teatrais e performances de forma gratuita.

“O sentido da casa de cultura é justamente sair dessa estrutura de dominação, porque quem vem está vindo aqui para produzir cultura”, acredita Matheus Vinicius, 26, jovem monitor cultural na Casa de Cultura do Itaim Paulista (zona Leste de São Paulo).

“É possível derrubar essa estrutura a partir do momento que você dá à população o poder de construir a sua própria forma de expressão. Com isso você já tem um processo de emancipação, pelo menos no sentido intelectual”.

Para o agente cultural Emerson Alcalde, 40, que foi coordenador da Casa de Cultura do Itaim Paulista, a proposta de terceirização traz uma visão de mercado e que pode prejudicar o atendimento às demandas específicas de cada lugar.

“O maior prejuízo é a precarização do trabalho. Quando entra uma OSC, ela diminui os salários e contrata menos pessoas – e me refiro aqui aos funcionários do espaço. E em relação aos artistas e técnicos, ocorre algo parecido”, avalia Alcalde, que é escritor e slammaster.

Para promover de fato a cidadania cultural, é importante que esses espaços estabeleçam relações de afetividade e pertencimento com o bairro em que estão inseridos. Isso se dá principalmente a partir de 3 pilares: a realização de eventos, a oferta de cursos e oficinas e a cessão de espaço para artistas e coletividades da região. O trabalho é apontado como algo muito importante para fornecer estrutura, conhecimento técnico e experiência a quem utiliza o serviço.

“Com a entrada de OSCs, o acesso fica mais restrito, como se fossem espaços particulares, e consequentemente acaba afastando os coletivos que precisarão buscar outro lugar que possa acolhê-los”, explica Emerson.

O skatista Rodrigo Bené acredita que a terceirização pode afastar a população das Casas de Cultura, uma vez que eventuais burocracias podem se tornar obstáculos para que o público tenha acesso facilitado ao espaço, assim como acontece hoje.

“É um ambiente 100% positivo pra região, porque vem criança, vem adulto, vem idoso e todo mundo frequenta mesmo o local, ocupa a mente com uma coisa da hora. Todo mundo se mistura, né?”, comenta ele, que mora na zona Sul e frequenta diferentes Casas de Cultura. “Se for um local aberto, todo mundo vai querer frequentar. Agora, se for uma coisa mais restrita, muitas pessoas que ainda não conhecem sequer vão conhecer”.

Já o jovem monitor cultural Matheus Vinicius entende que defender o controle público sobre as Casas de Cultura é defender a própria identidade e autonomia do povo.

“O serviço público de cultura, em certo sentido, me formou como gente. É uma coisa que mexe comigo por onde talvez nem saiba explicar, porque sem isso não seria ninguém. [Vamos] Passar esse serviço para uma lógica mecanicista, de linha de produção? Isso não existe. Cultura não é isso, e sim um movimento de um povo na construção e manutenção desse espaço. As Casas de Cultura devem permanecer na mão do Estado, porque na medida em que elas estão na mão do Estado ainda estão na mão do povo”, finaliza.

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