Foto em destaque: Bloco do Beco / Maloka Filmes
Segunda-feira de carnaval. Há 2 anos, numa hora dessas, o bloco afro É Di Santo já estava nos preparativos para desfilar pelas ruas do Piraporinha, na região do M’Boi Mirim (zona Sul de São Paulo). Ao som dos tambores ecoando ritmos inspirados na umbanda, no candomblé e nos grupos afro da Bahia, uma multidão seguia o carro de som e mais de 60 integrantes, entre percussão, cantoras e corpo de dança. Mas aí veio a pandemia de coronavírus e a folia teve que se recolher.
“Apesar de não ser um bloco somente para o Carnaval, é o Carnaval a nossa principal ação. É o ápice da nossa aparição na comunidade”, explica Andreia Tenório, co-fundadora, percussionista e gestora do É Di Santo.
A paralisação imposta pela crise sanitária impactou na própria sustentabilidade dos projetos, uma vez que o bloco depende de acesso a leis de incentivo para se manter. Mas a maior perda se dá nos laços comunitários.
“A gente gosta de estar junto, gosta de sentar em roda, gosta de conversar. E com a pandemia isso foi impossível de fazer. Então, além desse prejuízo econômico, houve esse esse prejuízo nas nossas relações”
Andreia Tenório, co-fundadora e percussionista do É Di Santo
Com a vacinação contra a covid-19, a Prefeitura de São Paulo cogitou a realização da festa este ano. No final do ano passado, mais de 600 blocos tinham se cadastrado para ter autorização para desfilar.
Porém, com a chegada da variante ômicron e o aumento do número de casos e óbitos, a administração recuou e cancelou os festejos. As escolas de samba vão sair no Anhembi em abril, enquanto a Secretaria Municipal de Cultura (SMC) ficou na promessa de que estudaria meios para apoiar os blocos de rua.
Apesar do receio, o É Di Santo se preparava para o cortejo desde outubro. O grupo estudava formas de desfilar mantendo o distanciamento e preparava máscaras customizadas para retomar o contato com a comunidade. Mesmo com o cancelamento, o bloco continua ensaiando para realizar uma live em breve.
“Muitas vezes, nós estamos num ensaio de domingo [na Casa de Cultura do M’Boi Mirim], que é quando tem feira livre. E é muito comum as pessoas pararem lá com as suas compras, assistirem nossos ensaios, tirarem foto, filmarem (…) Então a gente entende que o nosso impacto está para além das nossas oficinas, das nossas ações que a gente faz no território. Ele também é afetivo”, destaca Andreia.
Lugar de pertencimento
Próximo do M’Boi Mirim, no Jardim São Luís, a ausência das ruas já era fato consumado no Bloco do Beco. Antes mesmo da decisão da Prefeitura, o grupo já havia decidido não desfilar no Carnaval de 2022 por conta do risco sanitário. Seria um cortejo histórico, afinal o grupo está completando duas décadas de atuação.
O primeiro Carnaval do Bloco do Beco foi feito por sambistas e pessoas do Jardim Ibirapuera, em 2002. O impacto foi tão forte que a folia desembocou em outros projetos, como biblioteca comunitária e laboratório de audiovisual, por exemplo. Em 2003, o Bloco do Beco se constituiu como uma associação e hoje atua com educação integrada e atividades voltadas especialmente a crianças, adolescentes e jovens da comunidade.
Presidente da associação, a socióloga Anabela Gonçalves diz observa que a catarse de fevereiro é uma releitura do ano que se passou. Uma celebração. Afinal, a festa proporciona alegria, abre a possibilidade de acessar a subjetividade e reelaborar um imaginário coletivo, para além dos perrengues cotidianos que a gente vive nas periferias. É a potencialidade de ir além do que sugerem os dados sobre violência e vulnerabilidade.
“O carnaval tem um impacto na economia criativa, na difusão do nosso nome e das atividades, do trabalho na comunidade (…) Muita gente tem contato com a cultura pela primeira vez através do bloco”
Anabela Gonçalves, socióloga e presidente do Bloco do Beco
“É um lugar onde a gente consegue junto olhar pra cultura da periferia, das pessoas se abraçarem (…) Os desfiles são um lugar de encontro das famílias, dos moradores, de fortalecer os laços comunitários”, aponta Anabela, que lembra ainda que em territórios que sofrem com a especulação imobiliária a festa tem sentido de preservar a memória das pessoas mais antigas.
O último desfile foi puxado por mais de 50 ritmistas e arrastou mais de 5 mil pessoas com samba enredo próprio, marchinhas e músicas do gosto popular. A pandemia trouxe um baque, mas a associação precisou pensar outras formas de difusão cultural junto à comunidade. Uma delas ocorreu recentemente, com a derrubada do muro da organização para dar maior integração com a população local.
Afinal, mesmo longe das ruas, o samba tem que continuar.
Thiago Borges
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