Fotos e reportagem por Thiago Borges
“Tá tirando com nós”, desabafa Claudinho da Silva, de 40 anos. Desempregado, ele vive de bicos para conseguir alguma renda e conseguir se manter na casa em que vive sozinho no Jardim Castro Alves, bairro do Extremo Sul de São Paulo. Pra garantir o almoço desta sexta-feira (21/5), ele foi ao Bom Prato do Grajaú, próximo de sua residência, e ficou surpreso com a notícia que recebeu ali: o restaurante pode mudar para um endereço localizado a quase 5 quilômetros de distância.
“Aí fica ruim, porque nessa pandemia tem muita gente desempregada que depende [do serviço]. E vai comer o quê?”, questiona Claudinho.
Essa é a mesma pergunta feita por moradores e integrantes de coletivos, movimentos e organizações sociais da região, que é uma das com mais altos índices de vulnerabilidade social no município. Na manhã desta sexta-feira (21/5), centenas de pessoas protestaram pela permanência da unidade que funciona desde 2010 na avenida Belmira Marin. De acordo com comunicado do Governo do Estado de São Paulo, feito em fevereiro deste ano, a unidade do Grajaú deve migrar para a rua Aníbal dos Anjos Carvalho, que fica em outro distrito: Cidade Dutra.
“Não faz o menor sentido mudar a fome de endereço. A gente sabe o tamanho do absurdo que é”, aponta o cantor Gê de Lima, que soube e compareceu ao ato.
A justificativa da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social é a de oferecer um espaço com novo layout, ambiente climatizado e pavimento único. Em fevereiro, a obra foi vistoriada pela secretária Célia Parnes, que gravou o vídeo abaixo.
A promessa era fazer a mudança do serviço em maio, mas em contato com a reportagem da Periferia em Movimento a assessoria de imprensa da administração pública informou que ainda não há previsão para a alteração. Segundo a pasta, a equipe técnica da secretaria ainda avalia os impactos sociais da mudança e não confirma nem nega que o espaço localizado no Grajaú será fechado.
Ouvido pela reportagem, o gerente responsável do serviço também não sabe informar ao certo se e quando essa mudança pode acontecer. A unidade do Grajaú é administrada pela organização Indesc, que mantém um convênio com o Governo do Estado de São Paulo. Por dia, são servidas 2.100 refeições, sendo 300 cafés da manhã, 1.500 almoços e 300 jantas a preços que variam de R$ 0,50 a R$ 1.
Quem faz as 3 refeições no Bom Prato é Robinho, de 51 anos. Ele é desempregado e mora sozinho em uma favela da região. “Não pode mudar. Não é bom”.
Falta de coerência
O anúncio da mudança foi feito discretamente em fevereiro, mas a notícia correu entre grupos do Grajaú nesta semana a partir da manifestação do Pagode da 27.
Marcia Marci, integrante da coletiva Travas da Sul, foi uma das primeiras a chamar uma manifestação. “A gente tá há 1 ano distribuindo cestas básicas para a população e sabe o impacto que isso tem”, diz ela, que já foi usuária contínua do Bom Prato e ainda hoje acessa os restaurantes quando está em outros pontos da cidade. “E essa retirada não é feita de forma transparente. Eles anunciam como uma reforma, mas vai para outro bairro”, conta.
Para o aposentado Cassio da Silva, 59, a mudança representa a falta de coerência. Ele integra a Associação de Moradores do Recanto Cocaia, que também arrecada e distribui alimentos para amenizar impacto da pandemia. “A gente distribui e o governo tira? Tem que manter esse e abrir outros no ‘fundão’”, defende.
O azulejista autônomo Nourival Cardoso Santana, 66, observa que não é justo propor isso num momento de desemprego, queda na renda e um auxílio emergencial que não dá pra comprar um gás. “Tem muita gente passando fome e isso aqui é a salvação”, diz ele, que faz parte da Rede Fundão do Grajaú.
Apesar da Secretaria de Desenvolvimento Social não confirmar a mudança ou negar o fechamento do espaço onde existe atualmente, diversos parlamentares pedem explicações. O deputado estadual Enio Tatto (PT) entrou com requerimento enquanto mandatos de vereadoras do município de São Paulo acompanham a questão, uma vez que a administração cabe ao Governo do Estado.
Ex-moradora do Jardim Reimberg, um bairro do distrito, a vereadora Luana Alves (PSOL) esteve na manifestação. “Apesar de ser política do estado, tem um impacto no município”, reforça. A co-vereadora Paula Nunes, da Bancada Feminista (PSOL) na Câmara de São Paulo, diz que a possível mudança vai prejudicar o combate à fome.
Paraisópolis: 7 meses sem Bom Prato
Em todo o Estado de São Paulo, existem 59 unidades do Bom Prato. E uma delas ficou 7 meses fechada para reforma em plena pandemia: Paraisópolis, uma das favelas mais populosas da capital. O serviço foi fechado em outubro do ano passado para uma reforma que custou R$ 718 mil. A reabertura aconteceu nesta quarta-feira (19/5), com oferta de 1.800 refeições por dia.
Segundo o Governo do Estado, o investimento visava garantir mais segurança dos usuários do local, além de implementar melhorias para o serviço e atendimento, como novo layout e nova cozinha, melhor iluminação, rede elétrica, hidráulica e equipamentos novos.
“A obra foi necessária e traz segurança e modernização, demonstrando o cuidado e compromisso do governador João Doria com a comida no prato, para os vulneráveis”, disse a secretária Célia Parnes, na reinauguração. “O programa Bom Prato tem sido essencial e efetivo no enfrentamento da pandemia covid-19”.
Porém, nesse período com atividades fechadas, a assessoria de imprensa reconhece que a população de Paraisópolis foi orientada a buscar a unidade do Bom Prato em Santo Amaro (a mais de 5 quilômetros de distância) ou contar com o apoio de ações voluntárias de igrejas e organizações sociais que atuam na favela.
Thiago Borges