No Taboão, espetáculo teatral se ampara no sagrado para denunciar massacres do passado e do presente

No Taboão, espetáculo teatral se ampara no sagrado para denunciar massacres do passado e do presente

Em “Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto”, o Grupo Clariô de Teatro se baseia na história do ataque a uma comunidade no interior do Ceará para abordar violência que atinge periferias urbanas e rurais

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Com informações da assessoria de imprensa. Fotos: Sérgio Fernandes

Com estreia ontem (1/12), o espetáculo “Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto” segue em cartaz com 12 apresentações gratuitas até 11 de dezembro, de quinta a domingo, sempre às 20h. O local é o Espaço Clariô, que fica na rua Santa Luzia, 96, no município de Taboão da Serra (região metropolitana de São Paulo).

A montagem é baseada na história do massacre da Irmandade Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, no Crato (CE). A comunidade autossustentável liderada pelo beato José Lourenço foi dizimada no primeiro bombardeamento aéreo das Forças Armadas Brasileiras, na primeira metade do século passado.

O início da irmandade tem marco em 1921, quando o industrial Delmiro Gouveia dá a Padre Cícero – de quem José Lourenço era discípulo – um boi de raça Zebu,  que diziam ser tratado como santo, tamanha era sua brandura. Mas o animal foi morto por inimizades do padre.

“O afeto da comunidade por esse boi, preto, tal qual o Beato Lourenço, instigou os poderosos de alpendre, farda e batina, a iniciarem ações explícitas de ataque à identidade simbólica daquele povo”, conta Cleydson Catarina, que dirige a montagem com Naruna Costa.

No espetáculo, o Grupo Clariô de Teatro faz um paralelo entre a perseguição à irmandade liderada por Zé Lourenço e a narrativa de uma fictícia comunidade de Boi Bumbá, formada na periferia de São Paulo dos tempos atuais por um dos últimos sobreviventes do Caldeirão, o Mestre Joaquim. Essa comunidade também é atacada pelo Estado e impedida de colocar o Boi na rua.

Em uma narrativa alegórica que segue a estrutura da “liturgia do Boi” (nascimento, batismo, morte e ressurreição), o espetáculo tece encontros entre o passado e o presente, com histórias de lutas que se repetem ao longo do tempo.

“Apesar de toda tragédia anunciada, a peça tem uma encenação recheada de profunda beleza: carrega cantorias, bonecos e muitas cores, inspiradas na riqueza da cultura popular de um povo plural e místico, amparado pelo sagrado e pela força do trabalho. Que ousou formar uma comunidade solidária e autônoma, inspiradora, como tantos outros quilombos Brasil afora”, explica Naruna.

O massacre de Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, com ecos vivos do massacre de Canudos, ainda repercute hoje sob alguns disfarces: autocracias, racismo religioso, disputa ideológica, intervenção militar, especulação imobiliária  e genocídio negro. A história não é linear: ela conta e se reconta o tempo todo. Com a peça, o grupo de Taboão da Serra quer desatar o nó sobre essa ferida brasileira e propõe pelo teatro o caminho curativo que vai dar no renascer desse povo.

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