Benedito Guerra, de preso político a escritor

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Por Aline Rodrigues (texto e fotos)

Benedito Guerra, 74 anos, mora há 12 na Casa Madre Teodora dos Idosos, localizada no Jardim São Luís, zona Sul de São Paulo. Quando se mudou para lá, estava casado com Antonia. Eles viveram juntos por 44 anos, até que em 2007 ela faleceu com 93.

Como ele mesmo faz questão de dizer: “Foi uma vida deliciosa com ela. Nós nunca brigamos. Só tinha algumas discussões quando eu chegava em casa tarde. Ela ficava preocupada porque a rua era perigosa.” O casal, que morou junto a maior parte do relacionamento, oficializou a relação em um casamento religioso somente em 2001. “Ela tinha 20 anos a mais do que eu e não quis ter filhos. Eu até queria, mas respeitei a vontade dela”.

O idoso, que não vê o menor problema em ser chamado assim, diz ter poucos amigos – dentro e fora da casa. A única pessoa que costuma visita-lo é seu amigo Nicanor, jornalista com quem, em outra época, teve um grupo de teatro no centro da cidade chamado de “Amigos do Minhocão, retrato da cidade”. Esse grupo também possibilitou a ele uma participação na novela da Globo “Vila Madalena”, de 1999, quando fez o papel de um barbeiro.

Dentro da casa, “nem todo mundo aqui gosta de conversar. Alguns não conseguem mais por estar com a memória ou a fala comprometida”. Ele acaba preferindo ficar um bom tempo em seu espaço. A Casa Madre Teodora é um lugar grande, com ampla área construída e ao ar livre e os moradores podem colocar sua identidade em diversos cantinhos da residência.

Benedito, por exemplo, tem uma mesa e pequenas estantes em um lugar coberto no quintal. Lá, lê seus livros e revistas, tem aulas de inglês e diz agora começar a aprender o espanhol. Mas o que mais dá orgulho para ele é afirmar que também é escritor e que aquele é o cenário em que escreveu todos seus livros, dois deles já publicados: “Memórias de um Sem-teto & a Luz do Céu Profundo”, sua autobiografia, e “Os burros são raros”, uma reflexão sobre a educação no Brasil e os vários tipos de inteligências e sabedorias que as pessoas podem ter. “Para mim não existe pessoa burra”, diz ele.

O simpático escritor garante que já tem outros dois no forno. Um inclusive que fala sobre as crianças.

Como foi chegar até aqui
O senhor Guerra, como muitos em sua vida já o chamaram, reconhece o valor de sua trajetória. Nasceu e morou em Botucatu, interior de São Paulo, até concluir o ensino médio. Depois foi para Itu, onde serviu o Exército.

Veio para cidade de São Paulo em 1960 para trabalhar e foi morar com a tia, no bairro de Santa Cecília. Seu primeiro emprego foi em uma padaria, mas logo um cliente que era bancário o indicou para trabalhar no banco Noroeste. Lá, conheceu um político influente que tornou-se seu amigo. Ele era advogado e dava aula na Pontifícia Universidade Católica (PUC), onde o estimulou a fazer faculdade. “Fiz só até o terceiro ano de Letras com a licença para estudo dada pelo banco. Mas com a dificuldade de pagar o aluguel parei o curso e voltei a trabalhar lá”.

Por muito tempo, se envolveu com movimentos populares e foi coordenador do Projeto Moradia, no centro, em plena época da ditadura. Eram comuns ações conjuntas com o Lula em encontros desses movimentos. Também pelo projeto teve a oportunidade de viajar para Paris com o ex-presidente, na época do sindicato dos metalúrgicos, para apresentar todo o trabalho feito na luta por moradia na cidade.

Com a opressão militar, por participar dos movimentos, chegou a ser preso e passar 15 dias sob tortura. Em um evento, onde estavam vários políticos e intelectuais da época, anunciaram Benedito: “estamos convidando o coordenador do movimento de moradia, senhor Benedito Guerra, para subir ao palco”. Ele acredita que essa situação de exposição pública contribuiu com a sua prisão.

Passado pouco tempo desse evento, os militares estavam procurando quem eram “os cabeças” dos movimentos e ele estava na Praça da República quando foi abordado e levado com outros colegas. Disse não ter sofrido tortura física, mas psicológica. “Fizeram com a gente roleta russa, conhece? Ficavam xingando a gente e apertando o gatilho só com uma bala na agulha. A gente ficava naquela adrenalina”.

Anos depois, por conta de seu trabalho com moradia, encontrou um apartamento na zona sul, no bairro São Luis, e decidiu mudar com sua esposa para lá. Mas ficou pouco tempo. Já com problemas de saúde, teve dois derrames e um enfarto. Ele e a esposa acabaram não conseguindo se manter e resolveram morar na Casa Madre Teodora dos Idosos, em 2002. “Na casa só tinha a televisão e mais nada para fazer, então eu resolvi escrever sobre minha vida. Assim me tornei escritor”.

Benedito conta animado sobre o que ainda fará. “Quero publicar os outros dois livros ainda este ano e tenho muita curiosidade de estudar sobre a Cabala”.

 

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