Por Paula Sant’Ana. Edição: Thiago Borges. Artes: Rafael Cristiano
Francisco Nascimento tem apenas 11 anos, mas vive uma rotina agitada. O pré-adolescente de Itaquera (zona Leste de São Paulo) estuda pela manhã e, à tarde, treina natação no Corinthians. Além disso, faz inglês 2 vezes por semana. O jovem nadador do Timão ficou nacionalmente conhecido ao subir a rampa do Palácio do Planalto na cerimônia de posse do Presidente Lula (PT), e jogou luz na importância do investimento no esporte desde cedo para formar atletas de alto rendimento no futuro.
Antes de chegar ao clube alvinegro, Francisco treinou em uma escolinha no Patriarca, também na zona Leste. De início, a natação era uma forma de coordenar melhor a respiração.
“Nesse primeiro dia que eu comecei a nadar, eu já me apaixonei pela natação. É óbvio que quando eu comecei ainda não tinha esse sonho de ser nadador profissional tão grande assim. Mas eu entrei no Corinthians vai fazer 4 anos e tô gostando bastante”, diz o jovem atleta, em entrevista à Periferia em Movimento.
Super campeão nas categorias anteriores, o nadador diz que treina por vontade própria. “Eu, minha mãe e meu pai já conversamos bastante que eu não tô sendo obrigado a fazer tudo isso. Então, eu faço só o que eu gosto mesmo”, reforça.
A participação da família é importante para que esse desenvolvimento prossiga e, quem sabe, Francisco venha se tornar profissional.
“A rede de apoio tem que funcionar, porque senão não dá certo. Então, a gente conta muito com a minha mãe, né? A escola dele é muito próxima à casa da minha mãe. Ele sai da escola e vai para casa da minha mãe. E aí, ela leva para o Corinthians”, destaca Thelma Nascimento, assistente social e mãe de Francisco, que busca o filho no final da tarde.
Mas a rede de apoio não é formada apenas pela família. É necessário ter uma estrutura social para propiciar o avanço de crianças e adolescentes.
“A gente tem uma idealização do que é família, e nem sempre a família vai tá ajudando. Ela tem que estar junto. Mas depois a equipe de serviço social, pedagogia, psicologia, vai fazer a mediação”, aponta a assistente social Roberta Pereira, de 42 anos, que também é de Itaquera.
A criação e manutenção dessas estruturas depende de investimentos, especialmente estatais. Com a realização dos Jogos Olímpicos no Brasil, o governo federal investiu R$ 3,2 bilhões em esportes de alto rendimento entre 2013 e 2016. O valor caiu 47% no período anterior à Olimpíada de Tóquio, em 2021, chegando a R$ 2 bilhões, segundo o projeto Transparência no Esporte da Universidade de Brasília.
Sonhos escanteados
Virar atleta profissional ainda é um sonho de milhares, talvez milhões, de crianças no Brasil. No chamado “país do futebol”, a TV e os dispositivos eletrônicos exibem craques bem sucedidos que saíram das periferias em direção ao topo do mundo.
Neymar Jr. saiu de Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo, se tornou ídolo do Santos, teve atuação de gala no Barcelona da Espanha e hoje é um dos principais nomes do Paris Saint Germain, na França. Isso sem contar a camisa 10 da Seleção Brasileira.
Já o atacante Gabriel Jesus, atualmente no Arsenal (Inglaterra), cresceu no Jardim Peri (zona Norte paulistana), brilhou no Palmeiras e foi transferido para o também britânico Manchester City. A cria do Verdão chegou ao The Citizens a pedido de ninguém mais, ninguém menos que Pep Guardiola, um dos maiores treinadores do mundo.
Esses e outros exemplos de craques que ascenderam no esporte de maior adesão no Brasil trazem um fio de esperança a muitas crianças. Porém, Roberta Pereira destaca que a realidade não é tão bela assim. “O esporte de alto rendimento trata crianças e adolescentes como mercadoria”, diz.
Dados do Ministério do Trabalho apontados em reportagem do portal G1 de dezembro do ano passado indicam que há 11 mil atletas profissionais com carteira assinada no País. A média salarial chegava a R$ 8,4 mil por mês, porém os poucos salários elevados puxavam a média para cima. A matéria cita ainda que, segundo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em 2016 mais de 80% de atletas com salário recebiam até R$ 1 mil. Apenas 0,12% recebiam mais de R$ 200 mil por mês.
Essa desigualdade tira o glamour da profissão seguida por muita gente. O que a estatística deixa de fora é que nem todo mundo consegue passar pelo funil e chegar ao nível profissional. As dificuldades vão se avolumando desde as partidas disputadas nas ruas ao ingresso nas categorias de base, onde é complexo continuar.
É o caso de Adriano Rocha, atualmente com 37 anos. O morador do Campo Limpo (zona Sul) sonhava em jogar futebol e fazer disso sua fonte de renda. Mas problemas financeiros em casa aumentaram a distância para atingir o objetivo.
“Dos 16 anos pra cima, já não tinha tanta esperança de continuar com tentativa de ser jogador. Ainda jogava campeonatos, mas estava mais preocupado em trabalhar e ajudar a minha mãe nos custos de casa. Jogando apenas nos finais de semana, até os 18, ainda joguei no Clube de Regatas do Tietê, porém era muito longe, na zona Norte. Sem nenhuma ajuda pra custear transporte, alimentação ou material, foi ficando cada vez mais difícil”, relata Adriano.
Os esportes de alto rendimento, tendo como o mais visado o futebol, têm categorias que visam a formação de atletas profissionais. Mesmo morando em São Paulo, foi esse o caminho que Adriano tentou seguir, sem sucesso. Hoje, ele é gerente de restaurante e pai de 2 filhos, e entende as dificuldades que alteraram os planos.
“Gostaria de ter tido, sim, mais incentivo, principalmente dos meus pais, mas entendo a situação: somos de uma família de imigrantes nordestinos, morando de aluguel […] O maior incentivo vinha dos próprios técnicos, mas quando saía do clube pra voltar para casa a realidade era bem diferente”, diz Adriano.
Roberta destaca que é preciso trabalhar a mente de crianças e jovens para lidar com sentimentos ligados à desistência da prática esportiva de alto rendimento. “Esse é um desafio: lidar com a frustração e com o não-acesso desses adolescentes às categorias profissionais”, observa.
Felipe Soares lamenta a interrupção de um sonho. Felipinho, como é conhecido o jovem do Campo Limpo (zona Sul de São Paulo), chegou a treinar no São Caetano e no Corinthians, seu time do coração. Mas problemas familiares desanimaram o atleta em formação. Hoje, aos 26 anos, ele trabalha como entregador de aplicativo e diz que, se fosse possível, voltaria no tempo.
“Passar por isso foi duro, pois era a maior e talvez única expectativa de carreira que eu tinha. Se eu pudesse voltar atrás e seguir em frente mesmo sem apoio, eu iria. Toda vez que assisto aos jogos, me imagino seguindo um traçado diferente”, diz.
Paula Sant'Ana, Thiago Borges, Rafael Cristiano