Assistência Social: Trabalhadores agem pra conter fome e manter vínculos com população

Assistência Social: Trabalhadores agem pra conter fome e manter vínculos com população

Compartilhe!

Tempo de leitura: 9 minutos

Reportagem de Laís Diogo e Thiago Borges. Fotos por Matheus Oliveira / TEU Mídia

Mais de 180 famílias da Chácara Santo Amaro têm recebido uma ajuda importante para passar pelo período de quarentena sem perrengue: semana sim, semana não, elas recebem cestas básicas com alimentos orgânicos, além de kits de higiene pessoal e limpeza. Muitos itens foram doados, enquanto os orgânicos foram comprados de agricultores locais com o dinheiro arrecadado numa vaquinha virtual.

A ação é realizada pelo Centro de Convivência de Crianças e Adolescentes (CCA) do bairro localizado no Extremo Sul de São Paulo, que é administrado pela organização social Auriverde.

“Assim que o atendimento presencial fechou no dia 23 de março, a gente sentiu necessidade de articular e conseguiu entrar com esses itens para as famílias em alta vulnerabilidade social”

Jaison Pongiluppi Lara, gerente do CCA Auriverde (foto: Matheus Oliveira / TEU Mídia)

O CCA é um dos diversos serviços públicos que fazem parte da política de Assistência Social na cidade de São Paulo. Porém, enquanto o poder público demora para agir e executar a política pública, o equipamento socorre a população assim como tem acontecido em outras periferias: muitas das ações emergenciais para quem está em risco social têm sido bancadas pelas próprias organizações sociais que administram cada espaço ou são fruto da boa vontade de voluntários.

“A situação está caótica”, alarma a assistente social Francilene Gomes, que faz parte do Coletivo de Servidores em Defesa do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e integra o Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), que denunciou a morte de trabalhadores da área por coronavírus e a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs).

Em toda a cidade, a rede socioassistencial paulistana tem 1.262 serviços que ofertam mais de 200 mil vagas, segundo dados de março de 2020 do Centro de Monitoramento e Avaliação. Mais de 90% da rede é atendida por meio de convênios com organizações sociais. Há menos de 1.000 servidores diretos na área, sendo que um quinto foi afastado do trabalho por ter maior risco em caso de contágio por coronavírus.

Parte do atendimento nos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) tem sido feito à distância. Os usuários se cadastram pelo site 156 e um funcionário entra em contato para fazer o atendimento. Entretanto, nem todos os usuários têm celular com acesso à internet. Por outro lado, como o SUAS é responsável pela atualização do Cadastro Único, muitos trabalhadores têm feito filas em busca de informações sobre benefícios.

“As pessoas não estão tendo acesso ao auxílio emergencial do governo. Os CRAS, por sua vez, não podem ter incidência sobre uma concessão feita pelo governo federal através da Caixa, em que quem cruza os dados é o Dataprev”, observa Francilene.

Papel fundamental contra a covid-19

A Assistência Social é um direito assegurado à população pela Constituição Federal de 1988 como um passo para garantir a cidadania universal, superando a pobreza e as situações de violência.

“É uma das poucas políticas públicas que têm acessado à população que tem necessidade especial, o que não é exclusividade da pandemia, mas que nesse momento tem essa vulnerabilidade ampliada”, diz Carlos Alberto de Souza Junior, morador do Jardim Ângela e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de São Paulo.

O SUAS (Sistema Único de Assistência Social) organiza as ações da Assistência Social em dois tipos: a proteção social básica e a proteção social especial, que atuam em prevenção ou reparação de violações de direitos a diferentes públicos: moradores em situação de rua, crianças que sofreram violência sexual, idosos, deficientes físicos e intelectuais, mulheres vítimas de violência, adolescentes em conflito com a lei, entre outros.

“O SUAS aborda a família como núcleo fundamental e com entendimento de territorialidade para compreensão e atuação efetiva nas diversas situações de vulnerabilidade e risco social”, explica Katia Reis, assistente social e secretária-executiva no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Cedeca Interlagos.

Apesar dos holofotes da pandemia se voltarem à saúde, à economia e às medidas para conter a circulação de pessoas, a Assistência Social lida com uma alta demanda por conta dos efeitos do coronavírus. E como a fome não espera, a lentidão da Prefeitura em agir torna a situação ainda mais dramática.

Desde 16 de março, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) autorizou que as organizações utilizassem o dinheiro repassado pela Prefeitura para a compra de alimentos e itens de higiene para as famílias que atendem.

“Contudo, há que se preencher uma nova ficha com dados e perguntas a cada uma dessas famílias (…) Ora, se tais famílias são atendidas pelos serviços, já existem diversos instrumentais em que esses dados estão disponíveis na secretaria”, questiona Katia.

Vínculos à distância

De volta ao CCA da Chácara Santo Amaro, a gestão conseguiu manter a presença dos educadores e reforça a relação com crianças e adolescentes mesmo à distância. A ideia é não deixar ninguém para trás.

Diário de Classe do CCA Auriverde tem atividades para crianças e adolescentes seguirem mesmo à distância (foto: Matheus Oliveira / TEU Mídia)

Por isso, cada família recebeu um kit com papel sulfite, lápis de cor, giz de cera, revistas e um diário de atividades que conta até com desenhos para colorir elaborados por artistas do Grajaú. (baixe aqui ). “As crianças estavam ansiosas porque estavam paradas em casa, sem nada para fazer”, explica Jaison.

Além do material impresso, para quem tem acesso à internet o CCA criou grupos de whatsapp em que os educadores enviam vídeos com atividades como aula de dança e criação de instrumentos musicais. Com isso, o equipamento mantém contato com mais de 90% das famílias atendidas. No Facebook, transmissões ao vivo como a realizada por Weslley Silva tiveram mais de 500 participações em tempo real.

Maria Edijane Alves, assistente social e gerente de um serviço no Capão Redondo, reforça que o objetivo dos espaços é criar vínculos de confiança com a comunidade e promover o acesso a direitos: “Em tempos de covid-19, precisamos do nosso espirito de luta ativado por uma justiça social efetiva que caminha junto a toda solidariedade existente na quebrada, e que só sabe o que é isso quem é da ponte pra cá!”.

Esse conteúdo encerra o projeto #SalveCriadores, iniciativa que nas últimas 7 semanas trouxe para o centro do debate os desafios das populações negras e periféricas diante da crise do coronavírus. O projeto, idealizado pela PurposeO projeto, idealizado pela Purpose e desenvolvido em parceria com os coletivos Alma Preta, Periferia em Movimento, Nós, Mulheres da Periferia, Rádio Cantareira e Preto Império, teve o objetivo de fortalecer o trabalho de criadores de conteúdo das periferias de São Paulo e de mostrar que a covid-19 é só a ponta do iceberg, que agrava outras questões relacionadas a saúde pública, economia, educação, cultura,  racismo ambiental e direito à cidade. Você pode encontrar as matérias nos canais dos coletivos e também nas redes sociais do Cidade dos Sonhos. 

1 Comentário

  1. FRAncilene disse:

    Importantíssima matéria. Parabéns compas, vcs mostram o quão importante pode ser uma mídia comprometida, verdadeiramente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Apoie!
Pular para o conteúdo