Por Carolina Peixoto*. Foto em destaque: Tiago Cabeça
Eu sempre quis ser mãe, sentir e entender como é o gestar, ter um humaninho pra chamar de meu. Nenhuma das minhas gestações foram planejadas, mas sonhadas desde antes.
Penso que o principal planejamento para se ter filhos seja o psicológico. Agora na pandemia, tenho mais certeza disso. Dinheiro, tempo, espaço, a família se adapta e se ajeita à própria condição; entretanto, como dar conta da cria e de você se a cabeça não estiver boa?
A maternidade é um universo escondido atrás do “maior amor do mundo”, como um grande segredo que só se pode descobrir quem decide tornar-se mãe.
Muito ouvi falar sobre os desejos e enjoos da gravidez, mas só na minha primeira gestação soube dos demais desconfortos e sentimentos que acompanham as alterações hormonais e transformações do corpo.
Nunca imaginei que amamentar poderia machucar ou que os bebês não nascem sabendo sugar. Aliás, é importante falar aqui que nossos filhotes não nascem sabendo fazer nada, a não ser chorar.
O ser humano é a espécie animal que mais depende dos seus adultos quando filhotes e, em grande parte dos casos, toda essa carga recai sobre as mães. Seja pelo processo natural que deixa tudo no corpo da mulher, ou ainda pelo atraso nas leis trabalhistas, que oferecem tempos diferentes de licença entre os responsáveis pelo bebê.
Assim, criou-se o mito do instinto materno e todas as figuras que romantizam a exaustão que é ter uma pessoa totalmente dependente de você. Tirando o gestar e o amamentar, não há nada que só a mãe consiga ou saiba fazer. Omitir-se da responsabilidade do criar é, além de muito egoísta, desumano.
Mães não são de ferro e ser guerreira só é bonito em poesia.
Não é preciso ter filhos para saber disso. Um pouco de empatia e muita informação e conseguiremos evoluir como sociedade, entendendo que assim como “em briga de marido e mulher, é preciso meter a colher”, mesmo se não foi “você que pariu”, criar é sua obrigação.
Todos somos responsáveis pela educação e formação das crianças que convivemos.
Se é difícil para mim que tenho um companheiro, imagina para as mães solos, e isso vai muito além do dinheiro da pensão. Ter a geladeira cheia não vai amenizar o cansaço de ter que fazer a comida todos os dias.
Na pandemia, pela primeira vez me vi mãe full time, sem nenhuma rede de apoio que me permita esquecer por algum minuto que coloquei duas crianças no mundo. Num primeiro momento foi um certo alívio dar uma pausa na rotina e ter a família toda em casa, poder compartilhar mais o cuidar com o meu parceiro.
Tirei do papel um projeto que tinha desde a descoberta da segunda gravidez: produzir conteúdo sobre maternidade, com o intuito de abraçar outras mães, mas também chamar geral para conversar. Assim, em março de 2020, nasceu o Maternagem, como um megafone em meio ao isolamento social.
Antes de engravidar eu nunca tinha lido sobre maternidade ou conversado sobre com outras mães. Hoje entendo a urgência de debatermos isso também com pessoas que não têm filhos.
Divido experiências sobre o meu maternar, algumas visões sobre criação e cuidado, com pitadas de humor e desespero. Sou minha própria roteirista, câmera girl e editora. A série está na segunda temporada, travada num episódio que não consegui finalizar.
Acredito que como todo mundo nessa pandemia, eu já fui a workalic, a master-chef, a blogueirinha, entre outras tantas versões de mim mesma. Um ano depois aprendi a respeitar cada uma delas.
No correr dos dias, que transformaram a quarentena numa infinitena, perdi as contas de quantas vezes redesenhamos nossa rotina para tentar deixar mais leve todas as demandas diárias.
E haja invenções para passar o tempo, gastar energia e proporcionar aprendizagem. Sou pedagoga, artista, poeta, autora infantil e nada disso me preparou para ser mãe de duas numa pandemia.
Acordo atrasada com a mamadeira, correndo pra fazer o almoço e pensando no que vou ensinar na hora da aula. Ignoro a dor nas costas pra brincar o dia inteiro e finjo calmaria pra estar plena em todas as reuniões.
Minhas filhas são meu desespero e acalanto em meio ao caos. Tenho certeza de que tudo seria mais pesado sem o riso delas antes de dormir.
Casa arrumada e trabalho em dia é tão difícil quanto não deixar mexer no celular. Precisei tirar a culpa do peito e a cobrança do pensamento, cuidar mais de mim e lembrar que não sou só mãe.
Ainda assim, eu surtei.
Adivinha quem veio cuidar de mim?
Carolina Peixoto | Poeta e produtora cultural, faz parte dos coletivos Poetas Ambulantes e Slam das Minas SP. Mãe da Cecília Flor (6 anos) e da Serena (1 ano), autora de três livros, sendo dois deles infantis. Em 2020 estreou em seu instagram a série Maternagem, que aborda a maternidade, a criação e o mundo, abraçando as mães e botando a boca no trombone para todos.
Redação PEM