O que não pode faltar na COP 30: Comunicação indígena, vozes dos territórios e justiça climática

O que não pode faltar na COP 30: Comunicação indígena, vozes dos territórios e justiça climática

Em artigo de opinião, comunicador indígena do Alto Rio Negro destaca a importância das pautas dos povos originários na Conferência que discute as mudanças climáticas do planeta

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*Texto por Ray Baniwa, da Rede Wayuri

Desde o começo deste mês de junho, lideranças, jovens indígenas do território Baniwa-Koripako, localizado na Terra Indígena Alto Rio Negro, noroeste do Estado do Amazonas, da qual faço parte, começaram a postar nas redes sociais imagens e vídeos de mais um evento atípico na região: casas e roças sendo invadidas pelas águas do rio Içana – os estragos e prejuízos ainda não podem ser calculados, quantificados. Um fenômeno que os mais velhos nos seus relatos não viam há muito tempo.

Nessa mesma região, em 2023, foi a seca que afetou não apenas moradores das comunidades indígenas e cidades localizadas às margens do Rio Negro, como afetou milhares de vidas e a biodiversidade em toda a Amazônia.

Os mais velhos sempre lembram quando a chuva e o verão respeitavam e aconteciam nos ciclos previstos durante o ano, que acompanhavam pelas constelações. O verão vinha para que eles abrissem novas roças, e vinha o período de chuva para a plantação, e as enchentes chegavam para abastecer e limpar o rio, para a reprodução de peixes e fazer o equilíbrio necessário no ecossistema.

Hoje, tudo está mudando, está diferente.

O calendário ecológico de duas décadas atrás não é o mesmo hoje. A chuva não chega mais, o rio não enche como antes ou quando enche passa dos limites conhecidos, o calor fora de época… isso vai causando a escassez de peixes, a mudança nos ciclos de plantio e colheita, e os impactos diretos no nosso modo de vida nas comunidades.

Ray Baniwa (à esq.) em atividade de comunicação indígena (foto: Juliana Radler / ISA)

Ray Baniwa (à esq.) em atividade de comunicação indígena (foto: Juliana Radler / ISA)

E é nesse contexto de mudanças e transformações que atua a Rede de Comunicadores Indígenas do Rio Negro, a Rede Wayuri — um coletivo que surgiu em 2017 para contar as nossas próprias histórias, a partir das nossas línguas, visões de mundo e experiências.

A palavra “Wayuri” significa “Trabalho Coletivo” em Nheengatu, uma das línguas co-oficiais de São Gabriel da Cachoeira. O trabalho do coletivo vai além do que apenas informar. A comunicação feita tem como base a defesa da vida, busca ecoar as vozes dos nossos anciões e guardiões dos saberes ancestrais, além de promover o combate à desinformação sobre os nossos direitos e territórios.

Nos últimos anos, vários coletivos e redes de comunicadores indígenas foram formados. Muitos deles, protagonizados por mulheres e jovens indígenas de diferentes territórios, desde a Amazônia até o Sul do País. Estes vêm fazendo um trabalho na linha de frente da luta pelos direitos indígenas no Brasil. Muitos deles, se encontram todos os anos, no Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, para fazer a cobertura da maior mobilização indígena da América Latina, possivelmente maior do mundo.

Embora seja completamente diferente do ATL, a COP 30, a Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas, que esse ano acontece na Amazônia, precisamente em Belém do Pará entre 10 a 21 de novembro deste ano, será um momento importante para a comunicação indígena no Brasil ecoar as vozes dos territórios com a mensagem de que não pode haver debate climático sem ouvir as vozes dos territórios mais afetados pela crise climática.

A comunicação indígena é um instrumento fundamental para dar voz aos que resistem, os que denunciam e os que propõem outros caminhos para o futuro como os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Será um espaço de grito de resistência e denúncia das violações dos nossos direitos.

Mesmo vivendo em territórios mais preservados do País, os povos indígenas sentem e enfrentam diretamente os efeitos das mudanças climáticas hoje, que causam alterações nos ciclos naturais, afetam a pesca, o sistema agrícola, o nosso modo de vida que é essencial para a subsistência nos territórios, e para a manutenção das florestas, essencial para o equilíbrio do clima no planeta.

Rede Wayuri coleta histórias em São Gabriel da Cachoeira (AM) - Foto: Acervo ISA

Rede Wayuri coleta histórias em São Gabriel da Cachoeira (AM) – Foto: Acervo ISA

Portanto, as políticas e leis que tentam legalizar a destruição no Brasil são as maiores ameaças para o futuro do nosso planeta, não apenas para os povos indígenas. Entre vários, podemos destacar o Marco Temporal e o Projeto de Lei  2159/2021— conhecido como “PL da Devastação” — que representam ataques diretos aos direitos indígenas e à proteção das terras que ainda resistem.

Essas leis enfraquecem a demarcação de terras, flexibilizam a entrada de empreendimentos predatórios com o falso discurso “desenvolvimentista”, que não respeita os nossos protocolos de consultas, e os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) e colocam em risco áreas essenciais para o enfrentamento da crise climática.

Proteger os territórios indígenas é proteger o futuro do planeta, isso está mais do que comprovado em estudos: os territórios indígenas são fundamentais para a mitigar as mudanças climáticas.

Os povos indígenas da Amazônia já denunciam há décadas os impactos do desmatamento, do garimpo ilegal, das hidrelétricas, dos grandes projetos de infraestrutura que ignoram a existência de nossos modos de vida. Não é apenas a natureza que está sendo destruída, mas a memória, a cultura e os direitos dos povos que vivem em íntima relação com ela.

Por isso, acreditamos que a cobertura da COP 30 e da emergência climática deve ser feita com responsabilidade, pluralidade e escuta verdadeira, especialmente aos povos indígenas. A comunicação não pode repetir os silêncios e apagamentos de sempre. Tem que ser ferramenta de mobilização, denúncia e transformação.

A COP 30 será um momento decisivo para os povos indígenas e para o futuro do planeta. Mas ela só fará sentido se refletir a diversidade de saberes e de experiências. As soluções para o clima não estão apenas nas tecnologias de ponta, mas também nos conhecimentos ancestrais dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos.

A cobertura que queremos ver — e que estamos construindo — é aquela que une a resistência da floresta com a potência das comunidades indígenas e periféricas. Que conecta os nossos territórios e os cantos dos pajés com as modernas tecnologias de comunicação.

A comunicação indígena é a voz dos territórios pela justiça climática desde agora, antes, durante e após a COP 30.

*Ray Baniwa é comunicador e pesquisador indígena do povo Baniwa da Terra Indígena Alto Rio Negro, localizado no município de São Gabriel da Cachoeira–AM. É cofundador da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro, atua na formação de jovens, mulheres e lideranças em tecnologias, comunicação e segurança digital.

Criada em 2017, a Rede Wayuri é formada por jovens comunicadores indígenas do Rio Negro, com sede em São Gabriel da Cachoeira. Um projeto da parceria da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e Instituto Socioambiental (ISA) que produz e circula informações sobre temas variados de interesse dos povos indígenas do Rio Negro com objetivo de fortalecer a comunicação indígena, a defesa dos direitos e combater a desinformação nos territórios.

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