‘Aluno desenhou suástica na sala’: discursos de ódio se tornam desafio nas escolas da rede pública

‘Aluno desenhou suástica na sala’: discursos de ódio se tornam desafio nas escolas da rede pública

Especialistas apontam ganhos no ensino com a proibição dos celulares, mas alertam que a ausência de regulamentação da internet limita os resultados

Compartilhe!

Tempo de leitura: 11 minutos

Por Vanessa Loiola. Edição: Hysa Conrado. 

Discursos que desqualificam e ofendem indivíduos têm se tornado cada vez mais frequentes nas redes sociais, ambiente que hoje atrai a maioria das crianças e adolescentes do Brasil, de acordo com uma pesquisa do TIC Kids Online Brasil 2024. Deste grupo, 83% possuem perfis em plataformas como WhatsApp, Instagram, TikTok e YouTube.

Crédito: Freepik

Em contrapartida, estudiosos alertam que o uso excessivo de telas traz impactos negativos no aprendizado, na concentração e na saúde mental dos jovens. Mas quando se trata de discursos de ódio, a realidade mostra que esta problemática tem extrapolado o limite das telas e se instalado também nas escolas.

Uma professora da rede pública, com quase 30 anos de experiência na educação e que preferiu manter o anonimato, demonstra preocupação crescente com as declarações discriminatórias entre os alunos. Segundo ela, frases preconceituosas e símbolos ligados à intolerância vêm sendo reproduzidos com frequência, muitas vezes sem que os estudantes compreendam seus significados.

Em uma das ocasiões, uma suástica, símbolo nazista, foi desenhada em uma das salas de aula. O caso levou a professora a organizar debates em todas as turmas que acompanha, explicando o contexto histórico do emblema e suas consequências sociais.

Ela afirma que muitos estudantes desconheciam o que a suástica representava e se surpreenderam com a gravidade do tema. Em alguns casos, os próprios alunos passaram a alertar colegas e familiares sobre o significado após as conversas em sala.

“A discussão rendeu muito, porque muitos não sabiam o que era. O que ficou muito claro é que, além de não saber, a reprodução era feita o tempo todo: ‘professor eu não sabia que era isso’, só que o significado é muito cruel. Por outro lado, tem aqueles que retrucam. É um momento que a gente não pode deixar passar”, conta.

Crédito: Freepik

Além deste episódio, a professora relata casos em que estudantes repetiram discursos discriminatórios contra homossexuais, além de situações de intolerância religiosa e preconceito racial. Em discussões sobre racismo, ela conta que muitos alunos questionam por que é necessário combatê-lo.

“São falas que, na hora, nos deixam horrorizados. Mas, ao mesmo tempo, a gente percebe que realmente existe necessidade de estar o tempo todo retomando essa fala de empatia, buscando essa questão da humanização do ser humano. Não basta eu ter o conteúdo. Qual é o meu papel? O que eu posso fazer? Que mundo eu quero? Então, acho que tudo isso a gente procura trabalhar”, afirma.

Em relação às religiões de matriz africana, a professora aponta que estudantes demonstram receio em assumir publicamente sua fé por medo de julgamentos. Para ela, esse contexto reforça a necessidade de trabalhar em sala de aula valores como empatia, respeito e humanização.

A proibição de celulares nas escolas

Uma das medidas implementadas pelo Ministério da Educação (MEC) para mitigar esses efeitos foi colocar em vigor, desde o início de 2025, uma lei federal que regula o uso de celulares nas escolas, com proibição nas salas de aula e nos intervalos. De acordo com a pasta, a ação tem como estratégia minimizar conflitos mediados pelas redes sociais e contribuir para a qualidade das interações pedagógicas.

Débora Ferro, assistente de diretor da EMEF Professor Jorge Americano, localizada no bairro Valo Velho, na Zona Sul de São Paulo, pontua que a aplicação da lei tem sido decisiva para melhorar o comportamento dos alunos, aumentar o foco nas atividades pedagógicas e contribuir para a melhora nos índices de aprendizagem.

“A medida é necessária, não é um paliativo. Apenas não pode ser entendida como a solução dos problemas, atribuindo a responsabilidade ou invalidando a medida como única”, observa.

Crédito: Freepik

Para Bruna Camilo, doutora em sociologia pela PUC Minas, pesquisadora de gênero, misoginia e violências, reduzir ou coibir o acesso de celulares dentro das escolas foi uma ação positiva, mas também é necessário implementar políticas públicas de educação que valorizem os profissionais e incentivem o aprimoramento contínuo de suas práticas pedagógicas.

“Sem profissionais valorizados, não vejo mudança. A escola não pode ser a única responsável pela educação dos jovens, é necessário que toda comunidade se responsabilize e o Estado precisa dar esse suporte”, afirma.

A pesquisadora destaca que ainda é necessário avançar na criação de políticas públicas mais eficazes.

“Nós precisamos de políticas públicas na área da educação que se preocupem não somente com a inserção das pessoas nos ambientes de educação, mas que essa inserção seja feita com qualidade, com planejamento estruturado em práticas emancipatórias e sempre observando a individualidade de cada um”, explica.

Além disso, ela destaca como a ação pedagógica, baseada em práticas democráticas e pedagogias críticas, é essencial para a desconstrução de extremismos. “Temos Paulo Freire que nos ensinou muito em relação a isso”, afirma.

Na avaliação de Cleiton Gomes, secretário-geral do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (SINPEEM), o uso de celulares nas escolas, quando restrito a atividades pedagógicas, tem dado resultados e ajuda a minimizar os problemas relacionados ao excesso de telas.

O que mais tem sido feito

Crédito: Arquivo Pessoal

Entre os programas em andamento destacados pelo MEC estão o “Conhecer para Proteger”, que orienta gestores e educadores na adoção de práticas pedagógicas preventivas e interventivas, além das Comissões de Mediação de Conflitos (CMCs), baseadas na justiça restaurativa e presentes em todas as unidades escolares.

Em nota enviada à Periferia em Movimento, a Secretaria Municipal de Educação (SME) afirmou que investe no protagonismo juvenil como estratégia de prevenção, por meio dos Grêmios Estudantis e do programa Imprensa Jovem, que incentivam a participação democrática, a cultura de paz e o respeito à diversidade.

Além disso, a pasta também ressaltou que dispõe de protocolos e programas estruturados para prevenir e lidar com casos de discurso de ódio, racismo e apologia à violência nas escolas.

A educadora Débora Ferro explica como o protocolo é aplicado em situações de discurso de ódio ou de radicalização.

“As orientações são: acolher, escutar, acolher novamente, registrar para que não se percam os passos propostos para a situação apresentada e encaminhar às redes de proteção de nossos territórios”, explica, citando serviços como CAPS, CRAS, UBS de referência do estudante e Conselho Tutelar.

Crédito: Arquivo Pessoal

Além disso, ela ressalta que é previsto que o trabalho continue por meio de materiais didáticos, como a utilização do currículo antirracista da Prefeitura de São Paulo.

“Para que possamos levá-los à reflexão, analisando e propondo a compreensão de que todos estamos sujeitos à lei de Direitos Humanos e que a liberdade de expressão está diretamente ligada ao respeito e à tolerância às nossas diferenças”, destaca.

Débora também chama a atenção para o papel da família na educação e no combate aos discursos de ódio. “A família é fator fundamental nessa orientação e parceria com os estudantes. Em nossa escola contamos com a Comissão de Mediação de Conflitos, é assim que buscamos o diálogo e, principalmente, a escuta”, ressalta.

Já para os desafios relacionados à indisciplina, desigualdades e sofrimento emocional, a SME desenvolveu o programa EntreNós em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Desde 2024, o programa promove debates coletivos com diretores e assistentes de direção voltados à prevenção da violência e à melhoria do clima escolar.

Para prevenir a disseminação de ideologias extremistas entre jovens, Débora destaca que existem vários caminhos, que vão desde a oferta de informação adequada a famílias e estudantes até o acompanhamento do uso das redes sociais, além da aplicação de leis rígidas de responsabilização nessas plataformas, incluindo a apuração de fake news e crimes.

Regulamentação da mídia

Crédito: Freepik

Apesar das práticas pedagógicas e do engajamento da escola contra a disseminação dos discursos de ódio, há o entendimento de que sem uma regulamentação da internet é provável que o processo de radicalização se intensifique ainda mais.

Para Bruna, é preciso cobrar mais responsabilidades das bigtechs em relação aos perfis que propagam ódio, exploram crianças e as influenciam pelo viés da violência.

“Por que esses perfis ainda existem? Não há punição? Não parece difícil para as empresas localizarem esses criminosos”, questiona.

Para Débora, a falta de unidade entre família e escola, a insegurança do ambiente escolar e a ausência de vínculos sólidos entre estudantes, familiares e equipe pedagógica intensificam os problemas e dificultam a construção de um espaço seguro e protegido.

“Esse é um tempo de unidade, e a educação digital é um desafio que parece intransponível. Precisamos entender que uma criança e um adolescente são responsabilidade de todos nós”, pontua.

,
{{ reviewsTotal }}{{ options.labels.singularReviewCountLabel }}
{{ reviewsTotal }}{{ options.labels.pluralReviewCountLabel }}
{{ options.labels.newReviewButton }}
{{ userData.canReview.message }}

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

APOIE!
Ir para o conteúdo