‘Escolinha’ comunitária promove alfabetização e aprendizado de crianças na zona Sul paulistana

‘Escolinha’ comunitária promove alfabetização e aprendizado de crianças na zona Sul paulistana

Em meio aos desafios da educação pública, iniciativa comunitária criada durante a pandemia pelo Bloco do Beco no Jardim Ibirapuece oferece apoio pedagógico e complementa o ensino formal

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Por André Santos. Edição: Thiago Borges. Design: Rafael Cristiano

“O curso comunitário supre uma demanda que não está sendo atendida pela educação pública. O meu filho já desenvolveu bastante até a fala, aprendeu a ler e está aprendendo várias outras coisas”.

É dessa forma que Maria Graciete, de 28 anos, moradora do Jardim São Luís (zona Sul de São Paulo), define o projeto de alfabetização desenvolvido pelo Bloco do Beco. A associação cultural atua com ampla participação social na comunidade do Jardim Ibirapuera, também na zona Sul.

O projeto citado por Maria é uma iniciativa não-formal que complementa o processo de ensino-aprendizagem de crianças e adolescentes, especialmente aquelas que enfrentam dificuldades devido ao déficit educacional causado pela pandemia de covid-19.

O curso atende crianças de 7 a 12 anos, com a formação de 8 turmas de até 8 alunos e encontros realizados duas vezes por semana, com duração de 1 hora e 30 minutos por aula e foco no desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita.

De acordo com Rosalia Chrizanto, a iniciativa visa suprir lacunas de aprendizagem e incentivar o interesse pela leitura, com o objetivo de formar uma comunidade leitora e reduzir os índices de analfabetismo, sobretudo entre as crianças da região.

Rosalia é professora e coordenadora pedagógica do projeto, em que lidera quatro professoras e uma psicopedagoga.

“O projeto foi criado para promover a leitura na comunidade, oferecendo às crianças o acesso a bibliotecas comunitárias e incentivando o desenvolvimento da leitura. Começou de forma simples, com voluntariado, e hoje conta com apoio financeiro de editais”, conta.

Impacto da pandemia

Rosalia Chrizanto, coordenadora do projeto

Rosalia Chrizanto, coordenadora do projeto

Segundo dados do primeiro relatório do Indicador Criança Alfabetizada divulgado pelo Ministério da Educação em maio deste ano, 56% das crianças brasileiras estudantes da rede pública em 2023 estavam alfabetizadas até o fim do segundo ano do ensino fundamental. Os critérios são definidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

O número supera em 20 pontos percentuais o índice registrado pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica de 2021, realizado durante a pandemia de covid-19. Os dados evidenciam o retrocesso gerado durante o isolamento, quando as aulas foram lecionadas de forma remota.

Rosalia relembra que o projeto nasceu ao perceberem uma queda expressiva no interesse pela leitura, medida pelo baixo índice de adesão às rodas de leitura e também por uma redução nos empréstimos de livros feitos pela biblioteca do local. Os fatores ligaram um sinal de alerta entre quem trabalha na associação cultural.

“Diante desse cenário, sentimos que nosso papel enquanto espaço cultural e educacional deveria ser ativo na reversão dessa realidade, com o objetivo de contribuir para a formação de uma comunidade leitora, menor índice de analfabetismo e o sonho de erradicar esse problema”, diz Rosalia.

Envolvimento da comunidade

A psicopedagoga Ana Carolina Oliveira Paixão, de 29 anos, conta que a comunidade se envolve com o projeto a partir do voluntariado e engajamento de algumas famílias.

Ela ressalta que essa participação cria um ambiente colaborativo fundamental para o sucesso da iniciativa, uma vez que o apoio local fortalece o compromisso com a educação.

“Essas ‘escolinhas’ têm um papel essencial na formação cidadã das crianças, oferecendo acesso à leitura e ao conhecimento. Elas ajudam a reduzir a desigualdade educacional e são um espaço seguro e acolhedor para o desenvolvimento da autoestima e do senso de pertencimento”, conta

Rosalia aponta que projetos como o desenvolvido pelo Bloco do Beco têm a capacidade de empoderar as crianças e jovens, proporcionando ferramentas necessárias para que possam entender seu entorno, expressar suas ideias e fazer escolhas conscientes.

Isso colabora com uma nova forma de enxergar o mundo, de modo que se tornem mais preparadas para enfrentar os desafios da vida e participar ativamente da sociedade.

“A alfabetização, quando bem feita, abre portas para um mundo de novas possibilidades e contribui diretamente para a autonomia das pessoas, permitindo que elas se tornem agentes de mudança em suas próprias vidas e em suas comunidades”, conta Rosalia.

A ideia é reforçada por Maria Graciete, que entende que às vezes as escolas não conseguem dar conta da demanda de estudantes em geral, muitas vezes em número superior ao que docentes conseguem lidar em sala de aula.

Para Maria, o curso desenvolvido pelo Bloco do Beco é uma forma de complementar os estudos de modo que promova um maior engajamento de estudantes, que a partir das atividades desenvolvidas são estimulados a construírem outras formas de pensar.

“O curso está proporcionando tudo isso. Está proporcionando também que os familiares se envolvam na educação das crianças, participem mais e estejam juntos com elas. A comunidade deveria ter mais locais para alfabetizar mais as crianças, porque isso tem uma importância tão grande na vida delas e das famílias. Até para quando elas chegarem lá na frente, elas crescerem, saberem o que realmente vão querer”, avalia Maria.

Reforço 

Luana Lira, de 31 anos, é moradora do Jardim Ibirapuera e tem uma filha de 8 anos que participa das aulas de alfabetização no Bloco do Beco.

Ela conta que percebeu melhorias significativas no processo de ensino-aprendizagem de sua filha, que apresentou maiores dificuldades na escola antes de iniciar as aulas complementares, e valoriza iniciativas populares e gratuitas dentro do território.

“Além de ajudar muito as crianças com dificuldades na escola, nem todos têm condições financeiras de pagar cursos particulares, sendo que profissionais são extremamente capacitados”, diz.

Luana também percebe que as atividades passam mais segurança para as crianças, além de contribuírem para o desenvolvimento de forma complementar à educação formal e fortalecer o envolvimento familiar na educação.

“Agora conseguimos ensinar em casa também, além da própria criança aplicar métodos usados no curso”, conta.

Ana Carolina Oliveira Paixão, psicopedagoga

Ana Carolina Oliveira Paixão, psicopedagoga

Ana Carolina pondera que muitas crianças enfrentam desafios que vão além das dificuldades de aprendizado em si.

Fatores como o ambiente familiar e questões socioeconômicas, por exemplo, são preponderantes para que algumas crianças tenham um processo de aprendizagem um pouco mais complexo que outras.

“Muitas crianças não têm acesso a recursos básicos, como materiais de estudo ou tecnologias adequadas. E a escola, por si só, não consegue suprir todas essas necessidades. Além disso, há crianças que enfrentam atrasos cognitivos ou dificuldades específicas de aprendizado, o que demanda um olhar mais atento e um acompanhamento especializado”, avalia Ana Carolina.

O desafio da tecnologia

Rosalia aponta que a tecnologia, em suas diversas linguagens, pode ser uma ferramenta poderosa no apoio à alfabetização. A educadora, no entanto, ressalta que o uso apresenta desafios, como a desigualdade no acesso à tecnologia, a necessidade de formação contínua de docentes e o risco de dependência excessiva da tecnologia, o que pode prejudicar aspectos sociais e cognitivos.

“Para aproveitar as oportunidades e minimizar os desafios, é fundamental garantir acesso igualitário, investir na formação de educadores, equilibrar o uso de tecnologia com o currículo educacional e escolher ferramentas digitais adequadas a esse contexto, criando assim um ambiente de aprendizagem mais eficaz e cheio de oportunidades para aproveitar as potencialidades de cada criança”, avalia Rosalia.

A educadora ressalta que a tecnologia é qualquer meio novo que transforma a maneira de aprender, não se limitando a dispositivos ou softwares, podendo ser qualquer recurso que reforce a aprendizagem e a torne mais acessível e significativa para as crianças.

Ana Carolina avalia que a tecnologia faz parte da realidade das crianças, especialmente para aquelas que vivem em comunidades, mesmo que o acesso a dispositivos e internet possa ser limitado.

“O processo de alfabetização exige uma nova perspectiva que vai além dos métodos tradicionais. Precisamos de profissionais capacitados para entender essa nova geração, que cresce cercada pela tecnologia, e de um envolvimento maior das famílias”, observa Ana Carolina.

“A alfabetização, para ser efetiva, requer um trabalho conjunto entre a escola e o lar, criando um ambiente onde a criança seja estimulada e possa entender a importância da educação no seu dia a dia”, conclui.

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