Por Thiago Borges. Na foto em destaque: Ocupação Jardim da União
Danilo César chega cansado ao último mês do ano. “2020 entrará para a história como um dos mais difíceis das nossas vidas, e das novas gerações em especial”, diz ele, que é um dos coordenadores da Rede de Apoio às Famílias de Vítimas Fatais de Covid-19 no Brasil.
O grupo é formado por profissionais de diferentes áreas, organizações, coletivos e pesquisadores com objetivo de prestar solidariedade preventiva e ativa com amparo aos enlutados. Isso inclui a criação de guias sobre como lidar em situações de óbito por covid-19, por exemplo. Agora, com quase 174 mil mortes confirmadas no País e mais de 6 milhões de pessoas infectadas, os integrantes da Rede pegam fôlego para lidar com uma nova crescente da curva de casos de covid-19.
Passada a campanha eleitoral, a Rede Apoio Covid segue fazendo a política do dia a dia: além do autocuidado entre os membros e um balanço do que foi realizado, o grupo deve se reorganizar para continuar prestando apoio aos familiares das vítimas da pandemia assim como resgatar, preservar e difundir a memória dessas pessoas.
“Que a defesa intransigente da vida também viralize, assim como a solidariedade irrestrita com quem tem sido obrigado, historicamente e a cada novo ciclo, a lidar com a morte como se ela fosse algo banal”, aponta Danilo.
A luta é pela sobrevivência em vários âmbitos
No Extremo Sul de São Paulo, o Jardim da União abriga 600 famílias que lutam pelo direito à moradia. Existente desde 2013, a ocupação já sofreu diversas ameaças de despejo e, entre idas e vindas, conseguiu avançar no processo de regularização da área. Porém, a incerteza voltou com a extinção da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo) pelo governo Doria. Como o terreno pertence à empresa, os moradores não sabem como ficará a situação daqui para frente.
A isso, se somam o desemprego, o alto custo da cesta básica e o impacto da educação sobre os estudantes da comunidade. “Nossa prioridade no momento está sendo sobreviver à pandemia e ao governo, e continuar lutando contra o sistema opressor que cada vez mais nos mata, nos cala”, diz Sandra de Moura, uma das pessoas à frente do Jardim da União.
Na mesma região da ocupação, desde 2017 a rede Grajaú Faz Assim articula lideranças comunitárias, coletivos socioculturais, organizações locais, trabalhadores da saúde, educação e assistência social para discutir e defender políticas públicas junto à população. Com a pandemia e a urgência da alimentação, em 2020 o grupo conseguiu distribuir mais de 10 mil cestas básicas na região. O desgaste também bateu e, aos poucos, integrantes da rede retomam suas atividades em seus serviços ou coletivos.
“A gente pretende, quem sabe num futuro próximo, se reencontrar. Há questões que demandam alguma articulação, mesmo on-line”, salienta Marcelo Sena, professor e integrante do Grajaú Faz Assim. Uma das medidas é voltar a falar com a Subprefeitura da Capela do Socorro para cobrar medidas na área da saúde para a região. E a médio e longo prazo, retomar conversas sobre políticas públicas, especialmente com a juventude.
“A gente pensa na construção política de formação popular, com base freiriana, dentro de experiências que já vivenciamos e considerando outros formatos de intervenção e pensando nós aqui, como nós podemos fazer”, diz Marcelo.
Professores e outros profissionais da educação também estão à frente de uma forte mobilização na região do Campo Limpo, Capão Redondo e M’Boi Mirim, na zona Sul paulistana. Formando por mais de 30 escolas de educação infantil, ensino fundamental e para jovens e adultos (EJA), o Coletivo Territorialidades quer “descolonizar o corpo, a mente e o território” levando para as salas de aula os aprendizados que as próprias quebradas oferecem.
O grupo surgiu após a greve de 2018, em que mais de 100 mil servidores públicos municipais saíram às ruas contra a privatização da previdência paulistana. E no Campo Limpo, eduadores foram impedidos de usar espaços públicos para discutir com a população a adoção da Base Nacional Curricular Comum (BNCC). A partir daí, foi criado um grupo de estudos e, em 2019, o coletivo apresentou uma proposta de articulação das escolas que colocassem o território no centro de seus projetos político-pedagógicos.
“Descobrimos que a nossa riqueza e potência está na diversidade e queremos liberdade para expressá-la e condições para realizá-la e vivenciá-la plenamente”, diz o grupo, em nota assinada coletivamente e enviada para a Periferia em Movimento.
A partir dessa experiência, o Coletivo Territorialidades impulsionou a criação do Movimento Ocupa Cidade, que em plena pandemia rompeu o isolamento político das escolas para falar de angústias, da insegurança alimentar nas comunidades e das desigualdades que o coronavírus piorou.
“A nossa experiência é a materialidade de que a Educação não é neutra e que devemos nos posicionar, ocupar os espaços e fazer da escola, dos projetos político-pedagógicos experiências vivas de vida, humanizadoras, críticas, criativas e transformadoras”.
A partir dos territórios
Candidata a co-vereadora na chapa coletiva Bancada Feminista, do PC do B, Camilla Lima não foi eleita nessas eleições em São Paulo. O grupo teve 7.272 votos. “Mas nossa luta não começou nem termina nessas eleições”, garante ela.
Moradora da Vila Fundão, no Capão Redondo, ela atuou nos primeiros meses de pandemia com a distribuição de cestas básicas à população. Agora, a professora se junta a outras lideranças locais para pensar oficinas e debates com mulheres e jovens para pressionar o poder público por políticas que atendam as periferias – especialmente na geração de trabalho e renda para quem foi afetado pela pandemia.
Do outro lado da cidade, no Jardim Brasil (zona Norte), Jesus dos Santos está de olho na votação da lei orçamentária. Co-deputado estadual pela Mandata Ativista na Assembleia Legislativa, ele se licenciou para se candidatar a vereador com a chapa coletiva A Periferia É o Centro. Com 1.533 votos, a candidatura não foi eleita, mas o coletivo segue atuante.
Jesus defende que o o dinheiro público chegue às quebradas por meio de políticas públicas e com discussão do orçamento pela população. Ele observa que, apesar da crise sanitária, não há uma crise econômica na cidade de São Paulo. Ele cita a expectativa orçamentária da Prefeitura, que prevê um caixa de R$ 67,5 bilhões para 2021.
“Se não reivindicarmos o que de fato deveria acontecer, nada vai mudar. Essa luta é política porque é na política que se define a vida. E é por isso que vamos fazer esse debate”, conclui Jesus.
Redação PEM