Brasil tem 32 mil crianças e adolescentes fora do convívio familiar, diz pesquisa

Brasil tem 32 mil crianças e adolescentes fora do convívio familiar, diz pesquisa

Negligência e violência estão entre principais fatores para a medida protetiva. Orfandade é uma das motivações menos comuns

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Relatório sobre as condições de vida e acesso a direitos de crianças e adolescentes, divulgado na última quarta-feira (2) pela organização Aldeias Infantis SOS, por meio do Instituto Bem Cuidar, indica que 32 mil estão em afastamento do convívio familiar em serviços de acolhimento, sendo mais de 80% concentrados nas regiões Sudeste e Sul do Brasil.

Conforme o documento, a faixa etária é diversificada, sendo 25% delas com idade entre 0 e 5 anos, 27% entre 6 e 11 anos, 44% entre 12 e 17 anos e 5% com 18 anos ou mais.

O estudo, realizado entre novembro de 2022 e março de 2023, abrange todas as regiões do País, incluindo 23 estados, o Distrito Federal e mais de 200 municípios. Durante esse período, foram feitas escutas de mais de 350 crianças e adolescentes sob a guarda do Estado, em acolhimento em casas lares e abrigos públicos e de organizações não governamentais.

A pesquisa revelou que muitas das dificuldades enfrentadas pelas famílias vulneráveis no cuidado parental estão relacionadas à ausência de políticas públicas adequadas, fazendo recair uma injusta culpabilização sobre grande parte delas, especialmente econômica.

Um dado que chama a atenção é a verificação de que quase 40% de jovens que passaram por entrevistas estiveram em situação de acolhimento por mais de 18 meses, período superior ao estabelecido pela legislação brasileira. Entre esses casos, meninos e quem se declara de raça ou cor negra. Além disso, cerca de 60% crianças e adolescentes passaram por mais um serviço de acolhimento.

Outro aspecto relevante é o alto percentual de crianças e adolescentes que não recebem visitas familiares, sendo que 6 em cada 10 não têm esse contato. Por outro lado, foi constatado que a maioria (56,14%) recebe atendimento psicoterápico individual e cerca de 13,16% relatam interesse em receber apoio psicológico. Entretanto, não o recebem.

O relatório destaca ainda a importância de abordar de forma abrangente a saúde mental e o bem-estar de jovens em serviços de cuidados alternativos. Além dos sintomas emocionais frequentes, como tristeza, irritação e preocupação, que podem afetar seu estado emocional, o desempenho escolar também se mostra preocupante. Mais de 15% afirmaram apresentar baixo rendimento escolar de maneira constante, o que indica a necessidade de atenção especial às necessidades educacionais.

A pesquisa identificou ainda que grande parte de adolescentes desejam voltar a morar com suas famílias ou, pelo menos, retomar o contato, demonstrando a importância contínua do núcleo familiar mesmo após o afastamento. No entanto, desejam ainda mais: qerem conquistar condições para ajudar suas famílias, de forma protagonista e autonomia.

Jovens que deixaram os serviços de acolhimento com 18 anos ou mais também passaram pela entrevista, constatando a necessidade urgente de apoio e ação pública em seu processo de transição e adaptação à vida fora dos serviços de acolhimento. Algumas pessoas relataram ter recebido suporte adequado em suas transições e após saírem, enquanto outras descreveram completa falta de apoio.

Negligência

A negligência foi apontada como o motivo mais comum para o acolhimento de crianças e adolescentes nos serviços de cuidados alternativos. Esse aspecto é enfatizado por profissionais e autoridades, que questionam a validade do termo “negligência” quando associado à incapacidade das famílias de cuidarem adequadamente de seus filhos.

Muitas vezes, as situações de negligência estão relacionadas à falta de acesso a políticas públicas básicas, como ausência de vagas em creches e insegurança alimentar.

Na análise, que utilizou uma escala de 0 a 10, negligência figurou com índice de 9,21, sendo o maior motivador de acolhimento em todas as regiões brasileiras, com maior destaque na região Sudeste (9,42).

Diante dessas constatações, a pesquisa recomenda a adequação dos termos empregados para diagnosticar situações de risco, podendo distinguir claramente violações de direitos, inadequações nas condutas de cuidado e agentes que violam direitos.

“A pesquisa nos traz informações importantíssimas, que mostram o tamanho e o reflexo do campo das desproteções, na grande área da assistência social que vivemos nos últimos anos. Isso se traduz de alguma forma nesses dados”, afirma Elias de Souza Oliveira, Presidente do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas).

Essa abordagem tem o objetivo de evitar atribuir uma responsabilidade desigual entre as famílias atendidas, quando, segundo a Constituição, esse dever precisa ser compartilhado entre a família, a sociedade e o Estado.

Demais motivadores

A violência física e/ou psicológica ocupou a segunda posição com uma nota nacional de 8,27, sendo que as regiões Sudeste (8,50) e Sul (8,56) apresentaram pontuações ainda mais altas que a média registrada no restante do País.

A pesquisa mostra ainda a proximidade dos índices de crianças e adolescentes em acolhimento devido a situações de exploração sexual (5,48) e os relacionados à insegurança alimentar (5,21), indicador diretamente associado à pobreza.

Também é importante destacar que o motivo relacionado à orfandade obteve a menor pontuação, sinalizando que é uma das motivações menos comuns para o acolhimento em serviços de cuidado alternativo. Nas regiões Sudeste (3,93) e Nordeste (3,91), as pontuações foram ainda menores que a média nacional (4,15).

Os resultados da pesquisa são reveladores e destacam a necessidade de uma ação urgente para garantir melhores condições de vida e acesso a políticas públicas para famílias em risco à ruptura de vínculos, melhor atendimento às crianças e adolescentes em serviços de cuidados alternativos e apoio continuado às juventudes que saíram desses serviços.

“Para se ter uma mínima informação sobre a doença, o médico precisa medir a pressão e a temperatura do paciente. Uma pesquisa desse gênero nos ajuda no desenho de uma política pública correta”, ressalta Raul Christiano de Oliveira Sanchez, Secretário Executivo da Secretaria Estadual da Justiça e Cidadania.

Com os resultados, a Aldeias Infantis SOS quer reforçar suas estratégias de atuação, mantendo o compromisso de promover cuidado e acolhimento para atender às necessidades desses jovens e proporcionar-lhes um futuro mais promissor.

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