No aniversário do ECA, lembramos que a maioridade penal ainda tá sob ameaça

No aniversário do ECA, lembramos que a maioridade penal ainda tá sob ameaça

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 26 anos. Porém, um de seus principais pontos continua em discussão no Senado.

Compartilhe!

Tempo de leitura: 6 minutos

Texto originalmente publicado no Portal da Juventude*

“A redução da maioridade penal só é feita para um grupo social. E, por ironia do destino, é justamente no qual eu me encaixo”

A adolescente Laís Diogo (foto em destaque), de 17 anos, está prestes a atingir a maioridade. Teoricamente, ela não teria razão para temer a proposta que reduz a maioridade penal dos 18 para os 16 anos.

“Mas eu sou contra a redução por questões muito lógicas e simples de explicar: primeiro, por ser negra e saber que essa lei vem principalmente para [impactar] a população negra; e segundo, por ser da periferia, e essa lei também vai servir somente para esse lado da cidade”, diz ela, que mora no Cantinho do Céu (Extremo Sul de São Paulo), uma península da represa Billings habitada por mais de 50 mil pessoas e com poucas políticas públicas implementadas.

Enquanto isso, é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que faz aniversário. Nesta quarta (13 de julho), a legislação que assegura os direitos de brasileiros e brasileiras com menos de 18 anos não tem muito o que comemorar. Isso porque a redução da maioridade penal, apesar de estar fora dos holofotes, continua no alvo.

Em julho do ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171 de 1993, que altera cláusula pétra da Constituição Federal para diminuir a maioridade penal. O projeto, que se aprovado não cabe veto da Presidência da República, foi encaminhado para o Senado, onde outras propostas estão em análise.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado chegou a aprovar em primeira votação um projeto substitutivo da PEC 33 de 2012, do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). Nesse projeto, a redução seria solicitada caso a caso, conforme análise do Ministério Público e decisão de instância judicial especializada em infância e adolescência, e somente para crimes listados na Lei de Crimes Hediondos (como sequestro, estupro e latrocínio, por exemplo), além de homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e reincidência em roubo qualificado. O tráfico de drogas ficou de fora.

Para o advogado Anderson Resende, há outros pontos a serem considerados. “Quando falamos de crimes hediondos, percebo que existe um escolha daquilo que é considerado com maior grau de periculosidade, através de aspectos morais, sociais e econômicos”, diz ele.

Anderson aponta que, quando a polícia prende um adolescente apenas o retira da rua mas não resolve o problema, alimentando um ciclo de violência. “Infelizmente, a lógica policial é a seguinte: não vou prender para depois soltarem e voltar a cometer crimes, melhor acabar com tudo. Afinal, ‘bandido bom é bandido morto’”, observa. A redução intensificaria esse processo.

“Essas ações sempre serão apenas um paliativo. Isso legitimaria apenas o genocídio da juventude negra e periférica”, ressalta.

O Mapa do Encarceramento de 2012 mostrou que, para cada dois brancos aprisionados naquele ano, havia três negros presos. Já em 2016, a CPI sobre o Assassinato de Jovens no Senado reconheceu que há um genocídio da população negra em curso no País, ao verificar que a cada 23 minutos um jovem negro é morto no Brasil – todo ano, são mortos 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos, quase quatro vezes maior que o número de brancos da mesma faixa etária.

Com a pressão de organizações e movimentos sociais, a CCJ do Senado vai realizar audiências públicas sobre o assunto durante o mês de junho com entidades como o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Conanda), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) e a Fundação Abrinq. A PEC pode ser votada ainda neste semestre e, se aprovada, vai para a decisão no plenário.

Enquanto isso, Laís espera que os recursos utilizados para a construção de cadeias e o encarceramento em massa sejam destinado à educação, ao lazer e às coisas que as periferias de fato precisam. “A redução da maioridade penal só é feita para um grupo social. E, por ironia do destino, é justamente no qual eu me encaixo”, conclui.

*O Portal da Juventude é mantido pela Coordenação de Juventude da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo. Junto a Escola de Notícias, Vozes da Vila Prudente e Glória Maria (estudante secundarista de Paraisópolis), o Periferia em Movimento produz conteúdo sobre juventude e direitos a partir das bordas da cidade. Acesse todas as reportagens no Portal. Periodicamente, vamos publicar por aqui também!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Apoie!
Pular para o conteúdo