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Juventude, mídia e as quebradas: apesar da liberdade de expressão ser um direito, a grande mídia pouco fala da gente e a gente não pode falar na grande mídia

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Tempo de leitura: 8 minutos

Originalmente publicado no Portal da Juventude*
Responda rápido: qual é a notícia do dia? E como você ficou sabendo disso?
Provavelmente, você vai se lembrar de alguma emissora de TV ou de rádio, de um portal da internet ou jornal de grande circulação.
De boa: esses meios de comunicação conseguem atingir milhares ou milhões de pessoas ao mesmo tempo e são fundamentais por botar na roda assuntos importantes do nosso dia a dia.
Com informações precisas e de diversos cantos e fontes, a gente conhece outros pontos de vista e pode debater, reivindicar nossos direitos e ter uma sociedade mais justa e democrática. Tanto que o direito à comunicação, à informação e à liberdade de expressão estão garantidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 19).
“O Estado deve ter ações para garantir esses direitos. Uma delas é que os meios de comunicação sejam plurais e diversos. Mas o que a gente tem é o contrário disso”, explica Camila Marques, coordenadora jurídica da Artigo 19, organização internacional que defende a liberdade de expressão.
Isso ocorre porque apenas algumas pessoas podem produzir e decidir o que será veiculado nos meios de comunicação. Além de deputados e senadores serem concessionários de rádio e televisão, poucas famílias são donas de boa parte da mídia no País. Só a Rede Globo controla 40% da audiência e 70% da grana dos anúncios que passam na TV aberta, segundo o coletivo Intervozes.
Pior: ao contrário de países europeus ou dos Estados Unidos (onde a rede de TV CNN não pode ser dona do jornal The New York Times, por exemplo), no Brasil a chamada “propriedade cruzada” não é combatida. Assim, o Grupo Globo pode ter 69 TVs, rádios, jornais, revistas, sites, etc. Veja aqui.
“Os meios de comunicação estão sob a tutela de famílias ricas, brancas, proprietárias de terra, racistas, descendentes dos escravocratas do passado”, aponta o professor e ativista Douglas Belchior, integrante da Uneafro e autor do Blog do Negro Belchior. “A mídia está a serviço da disseminação de uma determinada ideologia, que é a do consumo, da superioridade racial, da da naturalização do racismo, da criminalização da pobreza, da folclorização do corpo negro relacionando-o com o crime e a violência”.
Jovens e adolescentes estão no auge do processo de formação, então acessar informações plurais e diversas e garantir sua liberdade de expressão são essenciais para o processo democrático, segundo Camila. “Mas a mídia é muito pouco comprometida em mostrar os diversos lados e aspectos de uma notícia, e cria estereotipos e estigmas sociais”, completa Camila.
Em abril, a Artigo 19 acompanhou um grupo de estudantes para denunciar os abusos policiais na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington (EUA). Os secundaristas ocuparam escolas estaduais no ano passado, foram fortemente reprimidos pelo governo paulista e reverberaram sua voz principalmente pelas redes sociais, não pelos veículos de massa.
Juventude representada?
Existe uma grande invisibilidade na mídia sobre jovens pobres de diversos gêneros, classes e raças, assim excluindo pessoas que devem e necessitam de representatividade no meio social, sobretudo, a comunidade negra e indígena. A maior parte da população brasileira é negra, porém, é visível a pouca participação em, por exemplo, comerciais de publicidade: pouquíssimos são protagonizados por representatividades negras.
A jovem preta, esquecida e ignorada na mídia televisiva, quando lembrada muitas vezes é submetida a somente determinados papéis como empregada doméstica, barraqueira, analfabeta e sempre a mulher socialmente carente. Nunca houve divisões de papéis igualados entre brancas e negras. Diferentemente da mulher negra, a branca, na maioria das vezes, é a patroa, bem sucedida, é a personagem principal.
Quem poderia mudar o cenário é o governo federal ao controlar a posse de diferentes veículos por um mesmo grupo empresarial e destinar verbas publicitárias a um número maior de meios de comunicação, mas não há condições condição e sequer perspectivas disso acontecer tão cedo.

"Repórter da Quebrada", curso realizado pelo Periferia em Movimento com adolescentes do Extremo Sul

“Repórter da Quebrada”, curso realizado pelo Periferia em Movimento com adolescentes do Extremo Sul


Por outro lado, a juventude tá buscando outras fontes de informação e produzindo conteúdo graças à internet: 65% dos jovens entre 16 a 25 se conectam todos os dias na rede. Veículos impressos ou portais como Agência Mural, Nós, Mulheres da Periferia, Fala Guerreira, Dicampana e o próprio Periferia em Movimento são exemplos disso.
Alguns grupos de São Paulo têm iniciativas bem legais para quem gosta de comunicação e quer aprender um pouco mais sobre esse meio, como é o caso da Escola de Notícias. Separamos dois que fazem trabalhos voltados para jovens, futuros comunicadores e que vão te inspirar a comunicar e fazer parte.
O Vozes da Vila Prudente oferece oficina de jornalismo e comunicação comunitária gratuita, qualquer pessoa que tenha interesse em aprender um pouco mais sobre a área pode fazer a inscrição e cursar gratuitamente. Os encontros acontecem na favela da Vila Prudente, próximo à estação de metrô de mesmo nome.
Mayris Costa, 22, participou da primeira oficina e conta como os encontros foram importantes para ela. “A oficina ajudou a enriquecer meus conhecimentos em relação à comunicação. Superou as minhas expectativas e, com certeza, me deixou mais experiente para o mercado”, disse ela.
Outra sugestão é a ÉNóis Inteligência Jovem. São 10 meses de curso e é voltado para jovens de 15 a 21 anos que tenham algum tipo de experiência e desejo de trabalhar com comunicação e jornalismo. Há um processo seletivo de três etapas onde apenas dez jovens são escolhidos para fazer o curso.
Neste ano aulas começaram em abril e vão até dezembro, também nesta oportunidade os jovens ainda recebem uma bolsa auxílio para não perderem as aulas. Os encontros acontecem às terças e quintas-feiras na sede da ÉNóis, que fica no bairro da Luz, próxima a estação Armênia da linha 1 azul do metrô.
Uma das fundadoras, Amanda Rahra, fala como começaram. “A gente começou com uma oficina voluntária e tivemos que pedir demissão dos nossos empregos para dar continuidade ao projeto”, conta.
Além do curso presencial, a Énóis conta com o ensino à distância através do escoladejornalismo.org. “A gente acha que quanto mais jovens produzindo jornalismo, mais o jornalismo será o que é para ser: Um guardião da democracia”, finaliza Amanda.

*O Portal da Juventude é mantido pela Coordenação de Juventude da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo. Junto a Escola de Notícias, Vozes da Vila Prudente e Glória Maria (estudante secundarista de Paraisópolis), o Periferia em Movimento produz conteúdo sobre juventude e direitos a partir das bordas da cidade. Acesse todas as reportagens no Portal. Periodicamente, vamos publicar por aqui também!

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