10 anos, 84 teses e as mães das periferias ainda perdem seus filhos para a polícia

10 anos, 84 teses e as mães das periferias ainda perdem seus filhos para a polícia

Os Crimes de Maio completam 10 anos, e para as Mães de Maio a luta continua segmentada: "Chegou a hora dos acadêmicos acordarem pra vida e ajudarem na revolução", afirma Debora Silva

Compartilhe!

Tempo de leitura: 7 minutos

“Quando junho foi pra rua, aí vocês sentiram um pouco do que a gente sente todo dia na periferia. Mas aqui é de borracha. Lá na favela, a bala mata”

Assim Débora Silva começou a conversa com quem lotou a Matilha Cultural no evento “Nós Outras”, no dia 04 de maio. Palavras de uma mãe que, assim como outras mais de 500, perderam seus filhos para as balas do Estado em maio de 2006.

Já são 10 anos dos Crimes de Maio, que ficaram marcados de formas bem diferentes pra quem vive em São Paulo. Enquanto a classe média via o caos na TV e se trancava em casa (cancela aula, cancela consulta, cancela trabalho), as periferias não podiam parar. Tinha que trabalhar, o filho tinha que ir pra escola enquanto isso, e quem tava na rua se arriscava em meio aos toques de recolher.

De lá pra cá, a marcha fúnebre prossegue nas quebradas: por ano, quase 60 mil pessoas são assassinadas no País. E as Mães de Maio transformaram o luto em luta, cresceram e seguem juntas para impedir mais injustiças. Hoje, são mães de junho, setembro, do ano inteiro. O gatilho não deixa de ser disparado.

“O Estado nos deve. Nós não somos fábricas de marginais. Quantos filhos de quantas mulheres não estão mais aqui?”, questiona Irone Santiago, que vê seu filho há dois anos ser paraplégico, tentando se recuperar após ter seu carro alvejado por policiais no Complexo da Maré.

“Parece que é vicio matar, e só matam dentro da favela”, diz Irone, que não vê com boas perspertivas as próximas eleições e o momento político. “O que me deixa mais indignada é que esse mesmo exército pode invadir de novo a Maré, tem eleições esse ano, mas tô desacreditada. Então, como dizem, é nóis por nóis”, diz Irone.

Mães de Maio durante conversa no NósOutras. Foto: Alile Dara Onawale.

Mães de Maio durante conversa no NósOutras. Foto: Alile Dara Onawale.

Se a justiça e a política profissional não estão do nosso lado, a saída é na luta diária nas ruas. “Nossa luta é pela desmilitarização, e não adianta ficar só na fala aqui, entre nós. As pessoas têm que se levantar, essa Constituição tem que ser revogada, mudada, tem que haver justiça”, fala Débora.

Para ela, as lutas ainda se dividem muito, e a morte do negro da periferia não mobiliza o povo brasileiro como deveria, nem mesmo aos que vão às ruas por outras causas. “Militante não pode ter uma bandeira só. O Movimento Mães de Maio vai às ruas e não se vende nunca, porque podem dizer o que dizem, mas a carne preta do nosso filho não é barata”.

Na palestra, que antecedeu o fim de semana de dia das mães, o choro de luto não se desprende da luta. “Para nós, a ficha não caiu, ela cai todo dia nas mortes nas periferias”. Débora afirma que é importante saber os números, e novas pesquisas têm revelado que eles são maiores do que a Secretaria de Segurança Pública (SSP) divulgou na época. “A chacina é bem vinda na SSP, e as pedaladas não são só no Planalto, não. Elas também acontecem aqui no Morumbi”.

Apesar da importância dos números, as mães criticam quem usa deles para seus próprios estudos sem nenhum retorno aos envolvidos. “Os jovens seguem morrendo, já produziram 84 TCCs sobre os Crimes de Maio e não recebemos nenhum telefonema deles. Chegou a hora dos acadêmicos acordarem pra vida e ajudarem na revolução. Esses profissionais têm que enxergar o horizonte, não seu próprio bolso. Terminam os trabalhos e nem sabem quem eram esses mortos ou como viviam”.

Esperança que vem das ruas

No fim de abril, Dilma encaminhou o projeto que acabará com os Autos de Resistência para o Congresso, mas com a atual crise, não se sabe muito o que esperar dos próximos dias. “Esperamos que o projeto passe, mas não acredito que vá acontecer antes da votação do impeachment. Tudo está dependendo disso e do que vai vir depois… enquanto nada se resolve lá, nossa pressão é na rua”, afirma Vera Lúcia dos Santos.

Os Crimes de Maio, no entanto, seguem sem investigação. Desde 2009, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo,  ONG Conectas e outras organizações têm solicitado a federalização dos inquéritos arquivados pelo Judiciário paulista. Porém, nesta segunda-feira (09 de maio), o procurador-geral da República Rodrigo Janot encaminhou pedido à Polícia Federal para investigar uma chacina que aconteceu no Parque Bristol no período e deixou cinco mortos, segundo o G1.

encontro de mães

A luta segue: neste maio de 2016, ocorre uma agenda repleta de encontros, debates e mobilizações para relembrar o massacre e permanecer em vigíla. Dos dias 11 a 13 de maio, acontece o I Encontro Internacional de Mães e Familiares Vítimas do Estado Democrático. No dia 13 de maio, acontece o Cordão da Mentira no Largo São Francisco.

“Em 10 anos, não vimos nossos filhos crescerem, não demos a atenção devida pros outros filhos e ali debaixo da terra não tem só cimento como falam, tem muita história. Nossa luta hoje é pelos outros, para que não acabem assim”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Apoie!
Pular para o conteúdo