“Invasão das praças públicas por pessoas em situação de rua”, “aumento do consumo de entorpecentes entre os jovens que se reúnem no calçadão cultural do Grajaú” e o “entendimento de novas tribos”, entre outros temas “emblemáticos” constavam na justificava da subprefeitura daCapela do Socorro para a realização do Primeiro Encontro Cultura em Ação, previsto para acontecer no dia 03 de agosto de 2013 no CEU Vila Rubi. (leia íntegra no fim da matéria).
O evento deve contar com a presença do secretário municipal de cultura, Juca Ferreira. Mas a justificativa da supervisão de cultura da subprefeitura – que administra os distritos de Capela do Socorro, Cidade Dutra e Grajaú, na zona Sul – surpreendeu os coletivos culturais da região.
“Nós consideramos essa pauta higienista, racista e mesmo fascista”, observa Acacio Santos, do grupo teatral Enchendo Laje & Soltando Pipa, do Jardim Lucélia, para quem o encontro deve ser utilizado para discutir políticas públicas para garantia das manifestações artísticas. Um dos temores do movimento é que o evento sirva como chancela para o recrudescimento de ações como as tomadas por policiais militares para reprimir jovens que frequentam o calçadão cultural do Grajaú para ouvir funk, enquanto a casa de cultura Palhaço Carequinha (que fica ao lado) vive às moscas.
Há duas semanas, o supervisor de cultura local Claudio Mingarelli da Silva iniciou discussões com gestores dos centros educacionais unificados (CEUs) e outros órgãos públicos da região para definir o passo a passo do encontro.
Sem saber que reuniões já estavam ocorrendo para definir a pauta do evento, os coletivos culturais entraram na discussão somente a partir do segundo encontro e apresentaram um manifesto assinado por 20 grupos e indivíduos com atuação no Grajaú – entre eles, o coletivo de comunicação Periferia em Movimento (leia íntegra no fim da matéria).
Muitos deles foram contemplados pelo Programa VAI da Prefeitura de São Paulo em 2013 e reivindicam políticas públicas, como: acesso e gestão popular dos equipamentos públicos culturais da subprefeitura; participação e poder de decisão em ações voltadas à cultura na região; subsídio para realização de manifestações artísticas; e garantia do uso de ruas, praças e outros espaços abertas, entre outros.
“Sempre ouço falar que na periferia não existe cultura, mas eu vivo e conheço pessoas que vivem de cultura na periferia há muitos anos”, notou Cristiane Rosa, da Cia. Humbalada de Teatro. “Talvez o que falta é respaldar esses movimentos”, completou Acácio.
Pressão
Ignorados na reunião anterior com Mingarelli, representantes dos coletivos compareceram ao terceiro encontro nesta sexta-feira (05 de julho) para questionar novamente a pauta proposta pela subprefeitura. Os artistas perguntaram sobre a existência de um plano estratégico de gestão cultural para a região e como é feita a indicação dos gestores que ocupam esses cargos.
“Se existem inúmeros coletivos, por que não podemos pautar os espaços públicos?”, questionouKleber Luis, do 1º Andar Studio e Produções. “A comunidade merece ter um plano estratégico para que o cidadão saiba como funciona tal equipamento e não seja barrado na portaria, para que não chegue a uma reunião como essa e descubra que havia espaço vago no CEU Cidade Dutra, por exemplo”, continua.
O caso em questão envolveu Henrique Góes, do projeto RPG & Cultura, que desenvolve narrativas com crianças e adolescentes entre nove e 18 anos. Após dar com a cara na porta do CEU Cidade Dutra, onde pretendia apresentar o projeto e conseguir uma sala para a atividade, Góes precisou recorrer à mãe de um aluno para conseguir um contato e encaminhar a proposta para o e-mail do coordenador de cultura da escola. Enviada na segunda-feira, a mensagem ainda não obteve resposta.
Enquanto gestores de CEUs declararam ter espaços livres para utilização dos artistas e desenvolvimento de atividades, Mingarelli esclareceu que tem formação como técnico de cultura e que existe um plano de gestão para a área.
Maurício Borges, da ONG Comunidade Cidadã, observa que nunca encontrou problemas para promover a exibição de filmes na casa de cultura Palhaço Carequinha. “Mas não importa se as portas físicas estão abertas se o espaço simbólico está trancado a sete chaves”, pontuou Tatiana Monte, do Humbalada.
Nova pauta
Após hesitar e até mesmo propor o cancelamento do encontro no dia 03 de agosto, Mingarelli cedeu às reivindicações e o evento deve abordar os seguintes tópicos:
- Apresentação do plano de gestão cultural para a região
- Ocupação dos espaços públicos pelos coletivos
- Evasão da comunidade: por que a população não usa os equipamentos existentes
- Fortalecimento dos conselhos culturais
Porém, após a reunião, Mingarelli reconheceu em entrevista ao Periferia em Movimento que ainda não há nada elaborado para apresentar no dia do encontro. “Estamos formatando esse plano de gestão com o secretário Juca Ferreira, com as comunidades e setores de cultura”, disse ele. “Para a Capela do Socorro, a ideia é que após o encontro de agosto a gente tenha um desenho disso”.
Mingarelli também ressaltou que os temas utilizados como justificativa para o encontro – como “evasão escolar” e “formação de minicracolândias” – continuam como preocupação da supervisão de cultura da subprefeitura. “Vamos falar de cultura, mas como dar a essas pessoas a oportunidade de transformação”, concluiu.
Participe!
A próxima reunião do grupo de trabalho do Encontro Cultura em Ação acontece na próxima sexta (12 de julho), às 10 hs, na subprefeitura da Capela do Socorro – Rua Cassiano dos Santos, 499 – Jardim Clíper.
O Movimento Cultural do Grajaú pretende se reunir novamente no dia 18 de julho, às 19hs, no Espaço Cultural Humbalada – Rua Jequirituba, 83 – em frente à Estação Primavera-Interlagos da CPTM.
O Encontro Cultura em Ação está previsto para acontecer no dia 03 de agosto, das 14hs às 16hs, no CEU Vila Rubi – Rua Domingos Tarroso, 101.
Leia a íntegra da justificativa do Primeiro Encontro Cultura em Ação:
“Serão tratados temas emblemáticos: o descaso dos jovens hoje e a evasão escolar; o aumento do consumo de entorpecentes entre os jovens que se reúne no Calçadão Cultural da Casa de Cultura e em seu entorno, bem como Entrada de escolas etc; o envolvimento de todos os equipamentos da Prefeitura e Estado para um olhar multitécnico e ações compartilhadas; a atuação dos pais e da comunidade; a invasão de praças públicas por pessoas em situação de rua; o entendimento de novas tribos e suas modalidades; a participação do governo na solução destes Problemas. E como a Supervisão de Cultura da Subprefeitura Capela do Socorro está olhando para tudo isso. Atenciosamente, Claudio Mingarelli da Silva, Supervisor de Cultura – Subprefeitura Capela do Socorro – SPCS Tel: 5925-4943”
Leia abaixo a íntegra do manifesto divulgado na reunião, até agora assinado por 20 indivíduos e coletivos com atuação no Grajaú e região:
“O movimento é cultural e a política é pública
Somos de diferentes grupos, artistas e trabalhamos em diferentes áreas da cultura. Somos todos moradores do extremo sul da cidade de São Paulo. Acreditamos que a cultura é um direito humano inalienável, tal como a saúde, a educação, a moradia, e que deve ser garantida a todos. Por isso nosso Movimento é Cultural e lutamos por politicas públicas.
É esse direito que nos tem sido tirado. Temos visto, nos últimos anos, não apenas a falta de investimento em cultura na nossa região, mas também a precarização do que temos. A Casa de Cultura Palhaço Carequinha está subutilizada, alguns CEUs são governados por gestores que pouco se importam com as manifestações artísticas produzidas na região, além de muitas vezes fechar as portas e não permitir que grupos possam utilizar suas dependências.
Há também repressão nas ruas, único lugar que sobraria àqueles a quem as estruturas negam seus espaços. Soma-se a isso o fato de desconhecermos e não opinarmos sobre os rumos da verba da cultura destinadas para a Subprefeitura da Capela do Socorro.
Por isso reivindicamos:
- Espaços físicos, que deem aos diversos coletivos e artistas a segurança de poderem desenvolver seus trabalhos.
- Espaços políticos, que nos permitam participar das instâncias de decisão no que diz respeito às pautas culturais que se referem à nossa região. Que os equipamentos públicos não mais tomem decisões a portas fechadas, sem a participação dos fazedores de cultura da região.
- Que a Gestão da Casa de Cultura Palhaço Carequinha e outros equipamentos públicos seja feita pelos fazedores de cultura da região;
- A criação e revitalização de conselhos culturais, compostos por representantes dos coletivos culturais da região, nos CEUS e demais equipamentos públicos. E que este conselho tenha representação e poder deliberativo nas instâncias da Gestão (a exemplo do CEU Vila Rubi);
- Subsídios para a criação de festivais e mostras de diferentes manifestações artísticas, a fim de ampliar as movimentações culturais da região;
- A garantia de podermos usar os espaços abertos (ruas, praças etc.), como espaço privilegiado das manifestações culturais, uma vez que são públicas e gratuitas;
Lutamos e lutaremos para que os nossos espaços sejam garantidos. E que nossa arte possa acontecer de maneira legítima, sem a necessidade de troca de serviços e/ou favores para a utilização de espaços. Nosso movimento é cultural e a política tem que ser pública.
Assinam esse manifesto:
Movimento Cultural do Grajaú
Cia. Teatral Enchendo Laje e Soltando Pipa
Cia. Ruídos de Teatro
Núcleo Fervo
Cia. Humbalada de Teatro
Grupo Zero Onze
Cia. Malucômicos de Teatro
Identidade Cia. Teatral
Samuel Sasso
1º Andar Studio & Produções
Coletivo Malungo
Periferia em Movimento
Pentágono
Flor da Pele
Conselho Cultural CEU VILA RUBI
Ponto de Leitura Expressões Populares
Coletivo Imargem
Paulo Henrique Sant’Anna
Pagode da 27
Xemalami
Projeto Possibilidades“