Pobre, jovem e negro: esse é o perfil comum das vítimas de homicídio no Brasil.
Puxada pela Campanha “Reaja ou será morto, reaja ou será morta”, a Marcha Nacional contra o Genocídio do Povo Negro foi convocada para esta quinta-feira (dia 22 de agosto) em pelo menos três grandes capitais brasileiras: Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Mais informações aqui.
Em São Paulo, a Marcha se concentrará em frente ao Theatro Municipal (na Praça Ramos de Azevedo, centro da cidade), a partir das 18hs.
O principal objetivo é cobrar políticas públicas diante dos últimos dados sobre a violência contra a população negra, pobre e periférica brasileira.
De 2002 a 2010, o país registrou 418.414 vítimas de violência letal – 65,1% delas (272.422 pessoas) eram negras.
Os dados constam no “Mapa da Violência 2012 – A Cor dos Homicídios”, primeiro levantamento nacional sobre esse tipo de morte com recorte étnico, que foi realizado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), pelo Centro Brasileiro de Estados Latino-Americanos (Cebela) e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
No período avaliado, o número de homicídios contra brancos caiu de 20,6 para 15,5 vítimas para cada 100.000 habitantes – queda de 24,8%. Entre os negros, o índice aumentou 5,6%, de 34,1 para 36 mortos para cada 100.000 brasileiros.
Além da alta no número de mortos, há uma tendência crescente da vitimização dos negros no Brasil. Em 2002, morriam proporcionalmente 65,4% mais negros que brancos, enquanto em 2010 essa taxa saltou para 132,3%.
Entre os brasileiros com idade de 15 a 29 anos, a situação piora. Em 2002, o total de jovens negros mortos foi 71,7% maior que o de brancos. Em 2010, a discrepância subiu para 153,9%. Naquele ano, 19.840 jovens afrodescendentes foram mortos ante 6.503 brancos.
Proporcionalmente, são mortos duas vezes e meia mais jovens negros que brancos.
<
p style=”color: #666666;”>
Luta antiga
Reflexo da desigualdade histórica, o Mapa da Violência não surpreende ativistas do movimento negro.
“O Brasil se construiu sob a égide do racismo, com 400 anos sob regime de escravidão e mais 124 em um estado que não criou condições para acabar com isso”, aponta Douglas Belchior, coordenador-geral da União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro), entidade presente em 19 cidades do estado de São Paulo.
Dos 16,2 milhões de pobres existentes no Brasil em 2010, 11,5 milhões eram negros, segundo o Intituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Negros estudam em média 6,2 anos, contra 7,2 dos não-negros. Entre os analfabetos, somam 69%.
Enquanto o salário médio dos demais brasileiros é de R$ 640 por mês, os afrodescendentes ganham R$ 464.
“A morte do sujeito negro não choca, porque no senso comum ele é descartável”, completa Belchior, para quem o estado que nega recursos para a emancipação da população negra é o mesmo que propricia meios de executá-la.
Socialmente mais vulnerável, jovens negros têm maior possibilidade de se envolver com a criminalidade – e consequentemente, se tornam os principais suspeitos. Cerca de 65% da população carcerária brasileira é negra, de acordo com Belchior.
“O poder público elegeu o negro e pobre da periferia como inimigo e alvo a ser atingido por meio da polícia”, diz Débora Maria da Silva, criadora do movimento Mães de Maio. “Temos uma pena de morte decretada no país”.
Moradora de São Vicente (SP), município litorâneo a 75 km de São Paulo, Débora fundou o movimento com o objetivo de denunciar casos de abuso policial contra civis.
Em maio de 2006, seu filho Edson Rogério da Silva foi um dos 495 mortos pela Polícia Militar paulista (PM-SP) após os ataques orquestrados pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
O gari negro de 29 anos foi abordado por policiais enquanto abastecia a motocicleta em um posto de combustível.
Registrada como “resistência seguida de morte”, a versão oficial é de que Silva confrontou a PM.
Em 2011 o estado de São Paulo foi condenado pela morte de Silva, enterrado com um projétil no corpo.
Ações
Para combater os índices de vitimização negra, em setembro o governo federal lançou o programa Juventude Viva, que pretende implantar uma série de políticas em trabalho, educação, cultura, esporte, entre outras iniciativas, nos 132 municípios que respondem por 70% dos homicídios contra essa população.
Outro pilar do programa é dissociar a imagem do jovem negro à violência, com foco especial no treinamento de policiais.
Isso ocorre porque os problemas sociais têm origem na questão racial, de acordo com Mario Theodoro Lisboa, secretário-executivo da Seppir.
Após a abolição da escravatura, em 1888, os negros foram empurrados para as áreas mais pobres do país e ficaram sem acesso a bens e serviços públicos, admite Lisboa.
Por isso, o governo federal tem adotado ações afirmativas que visam combater especificamente o racismo.
“Queremos abrir portas que hoje estão fechadas ou não estão completamente abertas”, conclui Lisboa.
Thiago Borges