Por Gleyma Lima e Laelya Longo *
“Legaliza! O corpo é nosso! É nossa escolha! É pela vida das mulheres!” era o grito de guerra que ecoava pela Avenida Paulista, a mais importante da cidade de São Paulo, no dia 30 de outubro passado. Milhares de mulheres (e uma grande quantidade de homens) se reuniram para protestar contra o projeto de lei 5.069, de autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), que quer restringir o acesso de mulheres estupradas a métodos abortivos. As manifestantes aproveitaram a ocasião para ampliar o escopo das reivindicações e pediram em alto e bom som a descriminalização do aborto, independentemente das circunstâncias da gravidez.
Entre essas mulheres, estava Ana, com sua filha de 2 anos no colo. O que uma mãe está fazendo em uma marcha pró-aborto? “Eu tive minha filha porque eu quis. Eu estou aqui porque quero ter o direito de escolher sobre o que fazer com meu corpo e minha vida. Assim como quero que minha filha também possa escolher.”
O direito de escolha pela interrupção da gravidez é garantido em diversos países no mundo. No entanto, no Brasil, a questão vem tomando rumos retrógrados, já que o País vive um momento de radicalismo conservador, influenciado principalmente por dogmas religiosos. Há ainda uma política perversa de manipulação do perfil da população brasileira, uma vez que a ausência de planejamento familiar e o nascimento de filhos indesejados perpetua a pobreza em famílias com pouco ou nenhum acesso à informação.
Ainda que o aborto clandestino seja a quinta maior causa de morte de mulheres no território brasileiro – principalmente entre as camadas mais pobres da população -, de acordo com dados do Ministério da Saúde, a discussão sobre o tema não consegue romper as fronteiras da religião e, paradoxalmente, tem se restringido a casos de polícia. Figurativamente, é como se “Deus” proibisse o aborto e mandasse a polícia punir as mulheres criminosas. Entretanto, policiais respondem ao Estado; não a Deus.
O problema é que o peso da interferência da religião cristã no Estado brasileiro tem tido o mesmo peso que, por exemplo, o Islamismo radical em países árabes e africanos. O paradoxo é que, nessas localidades, o Estado é declaradamente teocrático, ou seja, é controlado pela religião, assim como o é o Vaticano (Catolicismo) e Israel (Judaísmo). Já no Brasil, a Constituição federal determina a laicidade do Estado. Então, por que a religião continua a determinar as ações políticas brasileiras? Essa é uma pergunta cuja resposta define a vida e a morte de milhares de mulheres por ano no Brasil, como consequência primeira do aborto ilegal.
Os números gerais de abortos realizados no Brasil são indefinidos, obviamente. O sistema de saúde do País só computa os dados em que o aborto é permitido por lei: estupro (se o PL 5.069 não for aprovado), risco de morte para a gestante, e anencefalia do feto (autorizado pelo Supremo Tribunal Federal somente em 2012). Dados oficiosos oscilam entre 700 mil e 1 milhão de abortos por ano, dependendo da instituição ou organização não-governamental que apura. Por outro lado, alguns números oficiais do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde apontam o quão nefasto é o aborto inseguro: são realizadas 200 mil curetagens no Sistema Único de Saúde (SUS) anualmente, em procedimentos pós-aborto inseguro. Pelo menos, 200 mulheres morrem por ano após abortamento mal sucedido.
Esses números aproximados assustam quem precisa decidir sobre abortar? E a ira de “Deus”? O risco de ser presa? Talvez. Pesquisa realizada em 2010, pela Universidade de Brasília, apurou que, aos 40 anos, uma em cada cinco brasileiras já fez pelo menos um aborto. A maioria delas tinha um relacionamento estável e já era mãe. Coragem? Desespero? Só essas mulheres sabem seus motivos. Por outro lado, nenhuma pesquisa até hoje apurou quantas crianças nasceram, mas eram indesejadas.
A criminalização do aborto não protege a vida, não salva almas. A criminalização do aborto cerceia o livre arbítrio, inerente ao ser humano. Como Ana, as mulheres brasileiras não querem abortar. Elas querem ter o direito de escolher.
Para quem já escolheu pela interrupção da gravidez, a organização social internacional safe2choose (www.safe2choose.org) fornece informação sobre aborto seguro e medicamentos de qualidade, adotados em muitos países do mundo. Para quem ainda está em dúvida, a equipe da safe2choose oferece aconselhamento gratuito, seguro e sigiloso para este momento delicado da vida de uma mulher.
*Participam da safe2choose
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Redação PEM