
Ester Sena e Thaynah Gutierrez, do Geledés Instituto da Mulher Negra./Foto: Arquivo Pessoal
A COP30 (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) desembarcou em Belém (PA) este ano com a expectativa de enfrentar de forma direta a urgência climática e de traduzir discursos em decisões concretas.
Embora o evento seja tradicionalmente percebido como um encontro restrito a chefes de Estado, o processo preparatório para esta edição ampliou a presença de organizações, movimentos e setores diversos da sociedade, que tiveram espaço maior na discussão por justiça climática.
O Geledés Instituto da Mulher Negra, em parceria com o Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV, analisou 115 documentos internacionais produzidos entre 1992 e o primeiro semestre de 2025. O estudo mostrou que apenas 23% mencionam populações afrodescendentes.
Além disso, 95,6% das referências à questão racial aparece em textos sem força legal, o que dispensa os Estados-membros da ONU de cumprir ou incorporar essas diretrizes, deixando a adesão a critério de cada país.
A Periferia em Movimento conversou com duas representantes do Geledés, a assessora de clima e racismo ambiental internacional Thaynah Gutierrez e a assessora de clima e juventude Ester Sena, que chegaram a Belém para garantir que a população afrodescendente seja mencionada nos documentos e reconhecida nos espaços de negociação dessa COP.
Confira a entrevista:
PEM: A COP30 é a primeira conferência do clima realizada na Amazônia. Como é estar nesse território, discutindo justiça climática, considerando o histórico de desigualdades raciais, sociais e de gênero no Brasil?
Taynah: Essa COP em especial tem um sentimento bom, de terminar o dia e poder voltar para um lugar onde todo mundo vai falar sua língua, onde você está preparado para saber o que vai poder comer, como vai poder descansar.
Aqui dentro, nas negociações, o cenário é muito parecido com qualquer COP, com as mesmas dificuldades, as mesmas travas dos mesmos grupos de países [União Europeia, Reino Unido e Austrália]. Mas, ao mesmo tempo, uma energia muito esperançosa de que a presidência do Brasil vai conseguir encaminhar as coisas.
Essa é uma COP na América Latina. E por essa razão, ela não pode ser uma COP que apaga o continente que mais recebeu pessoas africanas escravizadas e que tem uma população afrodescendente tão vulnerabilizada. A gente faz essa defesa não em prol de um grupo minoritário, mas de um grupo que representa 56% da população brasileira e quase 300 milhões de pessoas ao redor do mundo.
PEM: O debate climático costuma ser dominado por vozes do Norte Global. Como garantir que as pautas de mulheres negras, juventudes e periferias urbanas brasileiras não fiquem esquecidas nessa conferência?
Ester: Desde a COP27 estamos trabalhando essas questões, mas a gente vem pautando sobre o clima desde muito antes. O Geledés é uma das organizações que estiveram presentes na época da [Conferência Rio 92] e abordamos as questões das modificações climáticas desde então.
Apenas este ano tivemos pela primeira vez a menção de mulheres afrodescendentes sendo reconhecida dentro do plano de trabalho de gênero. E agora estamos trabalhando para que essas menções não caiam.
Toda COP é um desafio, porque o que foi garantido na anterior, não necessariamente vai continuar na próxima. Temos feito uma estratégia muito firme de fazer com que as populações afrodescendentes estejam reconhecidas em todos os textos de negociação.
E a partir disso, conseguimos defender uma posição de população afrodescendente que não leva em consideração apenas o meio rural, mas também essa que está nas periferias. E eu acho que é esse o lugar onde a gente vai falar das periferias.
Temos pouco espaço para discutir os temas mais urbanos aqui, de dizer sobre as condições das periferias, de colocá-las como territórios de muita desigualdade, de muita vulnerabilidade climática, porque tem espaços da ONU próprios para isso.
Mas estamos tentando garantir uma perspectiva mais ampla para o que se entende como população afrodescendente brasileira, em que 73% está em área urbana e não em área rural.

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
PEM: O Geledés vem discutindo há anos a interseção entre racismo ambiental e desigualdade de gênero. Que avanços vocês percebem nesse debate de COP para COP?
Taynah: Na conferência de Durban, o Geledés levou uma delegação de mulheres e conseguiu depois de muito trabalho de incidência, garantir o reconhecimento da população afrodescendente com um texto que fazia esse reconhecimento.
E o que isso gerou na prática? Gerou a possibilidade de conseguir desenhar políticas afirmativas para a população negra do Brasil e uma política de saúde integral para a população negra, para construir a própria cena aqui. Então, estamos materializado avanços que vieram por conta desse reconhecimento internacional.
O que eu acho que é importante reconhecer é que, depois desses vários trabalhos que a gente teve para poder mencionar a população africana, a população afrodescendente, tivemos uma declaração da União Africana esse ano de reparação econômica para africanos e afrodescendentes.
O que para a gente é uma sinalização muito importante do reconhecimento da União Africana de que sim, os afrodescendentes, que são essas pessoas oriundas dos processos de escravização, são pessoas que merecem reparação e que precisam ser vistas como populações vulneráveis.
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PEM: Até o momento, houve alguma vitória concreta dessas pautas na COP30?
Taynah: De maneira prática, a gente não conseguiu nenhum avanço de texto até agora na COP.
Mas tivemos um ganho muito importante que foi a declaração assinada por 11 países sobre racismo ambiental na cúpula de líderes, que é uma declaração importantíssima para conceber o atual racismo ambiental e dizer quem é que sofre com ele.
Então a gente teve esse documento que foi puxado pelo Itamaraty, no departamento de meio ambiente, que teve a nossa participação, a nossa articulação, a articulação do movimento negro e que recebeu apoio de muitos países, inclusive da China, que é histórica num posicionamento de não considerar essas questões de grupos prioritários.
Consideramos um avanço muito importante que parte um pouco desse acervo não só de Gueledés, mas do movimento negro como um todo.

