No dia 13 de agosto, 18 pessoas foram mortas e 6 ficaram feridas em um espaço de tempo de três horas. Os crimes ocorreram dentro de um raio de 10km, entre as cidades de Osasco e Barueri, na Grande São Paulo. Segundo a Ouvidoria da Polícia Militar, o número de vítimas das chacinas pode ser de 31 pessoas e não 18. O crime é tido como uma retaliação à morte do cabo Admilson de Oliveira no dia 7 de agosto.
A principal linha de investigação indica grupos de extermínio formados por policiais militares. A perícia já sinaliza que as mortes foram causadas por três grupos de pelo menos 10 pessoas. 32 policiais são tidos como suspeitos pela corregedoria da Polícia Militar de São Paulo. Um deles, agente das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar, ROTA, está detido. O Secretário de Segurança Pública do Estado, Alexandre Moraes, exigiu maior policiamento nos munícipios de Barueri e Osasco.
No início do mês de agosto, entre os dias 8 e 9, outra chacina também aconteceu na região de Osasco. Na ocasião, mais seis pessoas foram executadas em um período de tempo de 48 horas. Antes, no dia 18 de abril, 8 torcedores do Corinthians foram mortos na sede de uma das torcidas organizadas do clube, a Pavilhão Nove.
Assassinatos são rotina
Em todas as ocorrências, policiais militares são acusados como os responsáveis pelo crime. As razões não variam muito. A morte, ou a tentativa de assassinato de um policial, ou até o não pagamento de dívidas por drogas ou armas são as principais motivações para os representantes armados do Estado brasileiro matarem deliberadamente.
Dados fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública do Estado via Lei de Acesso à Informação ao Instituto Sou da Paz mostra como o número de vítimas em chacinas mais que dobrou na comparação entre o primeiro semestre de 2015 e o mesmo período do ano passado. Segundo o documento, foram 10 ataques que deixaram 38 pessoas mortas, enquanto no ano passado, 6 casos geraram 18 vítimas na Grande São Paulo.
A realidade das chacinas não se restringe aos paulistas. Em Salvador, no bairro da Cabula, no dia 6 de fevereiro, 12 pessoas foram mortas e outras 6 ficaram feridas depois da ação das Rondas Especiais da Bahia, RONDESP. Todos os 9 policiais indiciados pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) foram absolvidos.
Na oportunidade, o Secretário de Segurança Pública da Bahia elogiou a ação e disse que o “criminoso que quiser enfrentar a polícia vai ter resposta à altura”. O governador Rui Costa (PT) comparou a situação dos PMs à de jogadores de futebol, que “precisam definir em segundos” a forma de concluir o lance. Completou e disse que “se for um golaço, todos vão bater palmas e a cena vai ser repetida várias vezes na TV, mas se o gol for perdido, o artilheiro vai ser condenado”.
Segundo a investigação, os policiais haviam monitorado a região dias antes e chegaram a Cabula com os GPS desligados, além de terem disparado 88 tiros de armas de fogo para executar 12 jovens e ferir outros 6. Os moradores do bairro afirmam que viram os jovens serem espancados antes das execuções. A versão da polícia é de que havia uma quadrilha com 30 pessoas escondidas em um matagal ao lado de uma agência da Caixa Econômica Federal e alega o chamado de uma suspeita de assalto a banco.
No Brasil, a morte tem cor
Todos esses casos consolidam as estatísticas do Mapa da Violência que apresentam um crescimento exponencial de negros e, em especial, de jovens negros mortos. Em 2002, 18.867 brancos foram assassinados no país, enquanto 26.952 negros foram vítimas de homicídio. Em 2010, o número de brancos assassinados caiu para 14.047 e o de negros subiu para 34.938, o que gera uma média de 95 negros assassinados todos os dias.
A realidade para a juventude, principal alvo da política genocida do Estado, é caótica. 9.701 jovens brancos e 16.083 jovens negros foram assassinados no ano de 2002. Em 2010, o número de jovens negros assassinados atingiu a marca de 19.840, o que dá uma média de 54 jovens negros assassinados todos os dias. Em contrapartida, o número de jovens brancos assassinados caiu para 6.503.
A violência contra negras e negros é histórica e remonta toda a trajetória deste país. Na condição de escravos, o povo negro teve fundamental importância na construção dessa nação e mesmo assim foi animalizada, tratada como seres cujas vidas valem menos. “Tem que lembrar que nós chegamos aqui como mercadoria. Uma mercadoria que ia gerar um lucro para um país que tem nome de mercadoria, Brasil”, é o que pensa Hamilton Borges, um dos principais representantes da Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto. Esse legado, segundo Hamilton, gera “uma subvalorização da vida negra”, o que justifica a não comoção pública por conta das chacinas.
A falta de debate sobre o extermínio da juventude negra, a não associação da mídia tradicional das chacinas ao genocídio, assim como a falta de passeatas, choros, comoção nacional, típicas reações quando um jovem branco de classe média é assassinado, são reflexos do racismo, “porque pessoas negras morrem e ninguém se importa, de maneira geral, tirando nós pessoas negras”, é o que pensa Djamila Ribeiro, mestranda em filosofia pela Unifesp e colunista da Carta Capital. Ela explica que “o racismo cria uma hierarquia de humanidade, cria uma hierarquia de vidas, de vidas que são importantes e vidas que não são.”.
A carne mais barata do mercado
A menor importância para a vida negra fica evidente ao analisar os dados sobre o genocídio da população negra. Se aqui já foi comparada a quantidade de homicídios de negros e brancos, é essencial observar também os números referentes aos homicídios causados por armas de fogo. Entre os brasileiros de modo geral, no ano de 2012, 9.667 brancos morreram por armas de fogo enquanto 27.683 negros perderam a vida do mesmo modo. Na população jovem, os números comparativos são de 5.068 contra 17.120. Enquanto a taxa de óbitos para cada 100 mil habitantes de brancos era de 11,8, a de negros, 28,5.
O país vive um genocídio e uma matança sem limites. No Estado de Alagoas, em 2012, 68 jovens brancos foram mortos e outros 1.624 negros também foram assassinados por armas de fogo. Se o número aceito pela ONU é de 10 mortes para cada 100 mil habitantes, o munícipio de Simões Filho, BA, expõe bem a realidade nacional, onde a taxa é maior de 300 mortos para cada grupo de 100 mil habitantes.
Caroline Borges, outra importante figura da Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto, define o genocídio como um “um conceito amplo que consegue distinguir por categorias os tentáculos da estratégia do Estado de extinguir e exterminar um povo como um todo. Seja ele sob o controle da natalidade desse povo, ou o impedimento do nascituro desse povo.”.
O genocídio é denunciado pelo movimento negro há anos não como uma situação atual, ou como um momento pontual que precisa ser superado. O extermínio sistemático de jovens negros é uma política tão antiga quanto a criação deste país. “O genocídio erigiu o Estado brasileiro. A política de genocídio foi a primeira política implementada aqui, o genocídio negro e indígena. E ele se mantém. Ele se mantém com dispositivos que são dispositivos legais. Dispositivos jurídicos que permitem que se matem pessoas pretas, se matem os indígenas sem que ninguém lamente sobre isso”, afirma Hamilton Borges.
Fuca, integrante grupo de rap Insurreição CGPP e do Comitê Contra o Genocídio da Juventude Preta, Pobre e Periférica, reforça a ideia do genocídio como algo histórico na medida em que essa “exclusão que é a raiz da lógica de se exterminar”. Fuca mostra como esse foi “um projeto de nação da elite branca que sempre esteve no poder, e que manteve a ideologia e várias estruturas do sistema escravagista que fez parte de nossa história por quase quatro séculos.”. Como não houve ruptura, é ainda rotineiro ver a ideia no cotidiano de que é necessário “o branco civilizado que deve combater o atraso e as pessoas atrasadas, preguiçosas, brutas e incivilizadas”.