Por Guilherme Silva. Edição: Hysa Conrado.
Uma análise das contas públicas da Prefeitura de São Paulo revela que, em 2025, as emendas parlamentares do município estão concentradas nas mãos de vereadores aliados ao prefeito Ricardo Nunes (MDB). A base governista recebeu mais de 75 milhões em emendas para projetos sociais, culturais e esportivos, enquanto a oposição teve verba liberada em quantidade expressivamente menor.
Todo vereador tem direito a apresentar emendas ao orçamento do município com o objetivo de destinar recursos para ações, obras, projetos específicos e eventos.
Com essa prática, o parlamentar pode indicar onde parte do dinheiro público será aplicado: normalmente em áreas que interessam ao seu eleitorado, como reforma de praças, compra de equipamentos para unidades de saúde, apoio a projetos sociais, culturais ou esportivos. No entanto, por serem não impositivas, a gestão Nunes não é obrigada a fazer esses repasses.
Um levantamento feito pela Periferia em Movimento revela que, somente neste ano, vereadores do MDB concentraram cerca de R$ 14,9 milhões das emendas. O PL, segunda maior força da base, recebeu R$ 15,3 milhões. Completa a lista com maior valor em emendas o União Brasil, também com 14 milhões, e o Podemos, com 10 milhões.
Os 10 vereadores que mais receberam emendas são todos da base governista:
O PT, maior bancada de oposição, recebeu pouco mais de R$ 3,8 milhões, valor significativamente inferior ao de legendas da base. Somente os vereadores petistas João Ananias, Luna Zarattini, Senival Moura, Hélio Rodrigues e Jair Tatto foram atendidos entre os oito da bancada do partido.
Nomes como Keit Lima (PSOL), Luana Alves (PSOL) e Dheison Silva (PT), vereadores com atuação ampla nas periferias, não tiveram valores liberados.
Em maio, parlamentares do PSOL demonstraram insatisfação com a liberação de emendas ao obstruírem uma sessão plenária. A manifestação ocorreu após a divulgação de um pacote de R$ 29,5 milhões, do qual o partido não foi contemplado, mesmo contando com seis vereadores na Câmara Municipal.
Partidos que mais tiveram emendas liberadas em 2025:
O contraste é ainda maior quando comparado ao ano anterior. Em 2024, os vereadores da base concentram a maioria dos recursos: o MDB obteve R$ 53,6 milhões, o PL, R$ 27,5 milhões, e o União Brasil, R$ 32,7 milhões. Naquele ano, o PSOL teve pouco mais de R$ 16 milhões em emendas liberadas. Em 2025 não constam valores na planilha de execução.
Partidos que mais tiveram emendas liberadas em 2024:
Periferia sofre com a falta de recursos

Keit Lima (PSOL)./Crédito: Divulgação.
O valor total de emendas varia conforme a lei orçamentária aprovada a cada ano, e é geralmente dividido em cotas entre os vereadores. Uma parte costuma ser chamada de impositiva, quando a prefeitura é obrigada a executar. Outra parte é discricionária, ou seja, depende da vontade política do Executivo em liberar a verba.
Isso pode abrir espaço para disputas políticas. Vereadores da base governista tendem a ter mais facilidade na liberação dos recursos, enquanto a oposição enfrenta dificuldades, mesmo quando as emendas foram aprovadas em plenário.
No cenário atual, a preferência na execução das emendas afeta diretamente as periferias. Segundo o gabinete da vereadora Keit Lima (PSOL), os pedidos estão tramitando nas secretarias, mas sem perspectiva de liberação.
“O nosso mandato solicitou a execução de emendas parlamentares para diversos projetos sociais nas periferias da cidade de São Paulo, para instituições de educação antirracista, para hospitais e equipamentos de saúde, entre outros. Entretanto, por escolha política do Prefeito de São Paulo, nenhuma emenda que partir do PSOL será executada”, afirma a assessoria em nota enviada à Periferia em Movimento.
As emendas parlamentares são um dos poucos instrumentos à disposição dos vereadores para direcionar recursos a projetos locais. Sem elas, muitas organizações comunitárias ficam sem alternativa de financiamento.
Entre os projetos que ficaram sem recursos das emendas, segundo o gabinete da vereadora Keit Lima, estão iniciativas na área da saúde, como o Hospital do Rim, instituição que atende pacientes com doenças nefro-urológicas e cardiovasculares, tendo o transplante renal como principal atividade.
Na área da educação, os projetos incluem a Educafro, que atua pela inclusão de pessoas negras e de baixa renda no ensino superior, preferencialmente em universidades públicas. Além disso, um programa de reforço escolar para crianças, adolescentes e jovens na favela do Boi Malhado, na zona norte da capital e de ações de educação ambiental nas periferias da zona sul.
Também há propostas voltadas à alimentação e ao fortalecimento comunitário, como cozinhas coletivas em Parelheiros, no extremo sul de São Paulo, e projetos com grupos de mulheres evangélicas. Essas iniciativas correm o risco de não sair do papel. Em regiões com escassez de investimento público, a não execução das emendas pode levar à interrupção de atividades que atendem crianças, jovens e famílias.
Até o momento, nenhuma das emendas apresentadas pelos vereadores em 2025 foi destinada aos projetos citados pelo gabinete.
Em áreas onde falta investimento público, a não execução das emendas pode representar o fechamento de atividades que atendem crianças, jovens e famílias. Neste caso, não se sabe se os projetos serão atendidos por outros vereadores.
A reportagem solicitou uma resposta da Casa Civil, que, em nota, afirmou que a indicação das emendas é de responsabilidade dos vereadores e que a tramitação no Executivo “segue critérios técnicos e orçamentários, não tendo caráter impositivo”.
Segundo a pasta, a Prefeitura não interfere nos valores, destinos ou prazos definidos pelos parlamentares, desde que respeitados os limites do orçamento anual. A gestão, no entanto, não respondeu sobre quais seriam exatamente os critérios técnicos utilizados, nem se há previsão para atender às propostas apresentadas por vereadores da oposição que aparecem com valores reduzidos ou ausentes nos registros oficiais.
Também foi solicitada, via Lei de Acesso à Informação, a lista completa de emendas apresentadas por vereadores em 2025, evidenciando todas as solicitações, suas condições de tramitação e os critérios para execução. A solicitação não teve resposta.