
Jonnas Rosa. /Crédito: Tons (@tonsdefoto)
O ano era 2010, eu tinha 18 anos e comecei um trampo de telemarketing. No caminho até lá, eu colocava meus fones e explorava músicas que até então não tinha ouvido. Foi nesta época que conheci os Racionais, e depois os artistas que estavam começando a serem projetados na cena.
Vindo de uma família baiana, cresci com os forrós, os bregas, as serestas e os arrochas. Até então, o rap só havia entrado na minha casa pelo som dos vizinhos.
Devo dizer, a partir de agora, que há um tempo venho desenvolvendo uma dificuldade pessoal com o gênero – que como toda cultura viva está em constante modificação. O que tem me incomodado? As letras que cantam as aspirações da juventude negra de ascender na vida de forma individual e por meio do consumo, e uma aparente apolitização do gênero.
Mas a conversa agora é outra. Esse texto é uma tentativa de diálogo, de olhar a obra de um jovem negro, rapper pedagogo do Capão Redondo, que não figura no mainstream da cena. Um artista de seu tempo, que tece suas reflexões, fala sobre seus processos, amores, dores e desejos. Jonnas Rosa, um jovem negro que, assim como a cena do rap, está em movimento.
Tinha que ser o Jonnas
Saúdo logo de início a constância do trabalho. “Tinha que ser o Jonnas” é o terceiro álbum do artista, que faz parte de uma trilogia: o primeiro “Tinha que ser preto”, de 2023, e o segundo “Tinha que ser o funk”, de 2024.
Os títulos são interessantes e me chamam a atenção para o fato de que, desta vez, o artista se anuncia. Me pareceu que foram necessárias três produções para que ele se colocasse em primeira pessoa. Neste trabalho, Jonnas brinca com a ideia do profeta bíblico de mesmo nome.
“Estamos derrubando os muros e construindo as ponte.”
A faixa “2025 Freestyle” abre os trabalhos e já mostra essa relação com o personagem bíblico e o universo da espiritualidade. O flerte com as citações das religiões cristãs são uma constante no rap e sempre me remetem à presença negra em religiões pentecostais, desde o show de Aretha Franklin na igreja onde foi criada ao “Sobrevivendo no Inferno” dos Racionais.
Isso se mantém na faixa “Tudo preto 2”, onde há o posicionamento de um Jesus negro e defensor dos direitos humanos. Além disso, conta com a presença da “pastora” Jup do Bairro, que já logo anuncia “cansei de esperar milagres”.
Se há alguns meses o rapper Veigh foi duramente criticado pelos seus fãs ao apoiar a causa de pessoas trans – e isso já revela uma camada profunda da apolitização do rap como movimento –, é um alívio que haja pessoas que reconheçam a potência da cena trans negra no rap.
A presença de Jup, artista com uma longa trajetória independente, aponta um caminho possível de diálogo.
No meio do álbum somos apresentados a uma face romântica do artista. Em “Chamego”, os amores e desejos são articulados em um som dançante e um feat. com Peninha e K4rinhoza, artistas independentes. Trago um destaque para o momento em que o artista versa em cima do violão à la João Gilberto.
O visual
Um grande destaque desse trabalho, além de uma qualidade impecável na produção e composição das músicas, são os visuais disponíveis no canal do YouTube do artista.
Em “Chamego”, por exemplo, é possível ver a dança de dois jovens negros apaixonados na laje, com a quebrada de fundo. Também vemos uma discussão em um carro em “Tinha que ser assim”, uma música sobre término e a impossibilidade do diálogo em uma relação afetivo amorosa que segue na toada romântica do artista.
“Daria um roteiro pro Spike Lee, nós tá no Capão” – Jonnas diz na faixa “Longe de menos”, single lançado quatro meses antes do álbum, com um feat. com Dandara e Mack Carmo.
Eu concordo com Jonnas, essa trajetória de autodeterminação de produzir arte em nosso país, em especial sendo um jovem negro, seria um bom roteiro na mão do diretor que sempre se interessou pela cena negra underground das ruas em que viveu.

Crédito: Tons (@tonsdefoto)
Eu vejo isso em consonância forte com a música e o vídeo, uma espécie de vlog em que o artista mostra parcelas de felicidades em sua vida. “Cuidado pra não ir longe de menos” – nos alerta. É possível sonhar além.
E aí chegamos em “10 anos atrás”, (a minha preferida do álbum), uma espécie de diário do rapper, onde ele passa ano por ano, relatando as dificuldades e os prazeres de se manter artista numa cidade tão desigual como São Paulo. O bonito nesse relato é o quanto a pessoalidade pode tocar uma outra pessoa pelas similaridades das vivências (talvez aqui haja uma pista para minha questão inicial).
No visual dessa música, a gente assiste aos bastidores das gravações dos clipes e há algo de emocionante na coletividade que forma o Jonnas artista, que de alguma forma me convida a enxergar o gênero para além do que a indústria quer que eu entenda como rap hoje.
Tinha que ser um jovem negro sensível e inteligente como ele, para retratar tão bem o bonde que o forma, e correr numa contramão.
“A trilogia está completa.”
Ele anuncia. Eu que acompanhei os três lançamentos, já fico daqui pensando: uma vez encerrado esse ciclo, o que podemos esperar? Espero que seu Orí continue achando modos de continuar produzindo, grafando suas vivências, o Capão, a sua coletividade. Nós.
É…Tinha que ser o Jonnas.
Ficha técnica
Artista: Jonnas Rosa
Produção Musical: Jonnas Rosa, Prod.rell (@prod.rell)
Guitarra: Kezo Nogueira (@kezonogueira)
Percussão: Franja (@rafaelfranja)
Scratch: DJ Flick (djflick_dj)
Mix e Master: Jonnas Rosa
Participações: Jup do Bairro, Peninha, K4rinhoza, Mack Carmo
Audiovisual:
Foto capa e contracapa: Tons (@tonsdefoto)
Lettering: Lia Rosa
Capa e contracapa: Ricardo Paiva (@convoque_ricardo) Direção Criativa e Artística: Francineide Bandeira (@francesismo) Roteiro: Francineide Bandeira, Jonnas Rosa, Thg Costa Direção de Produção: Thg Costa (@tforthg) Produção Executiva: Francineide Bandeira (@francesismo) Direção de Fotografia, Operação de Câmera, Edição, Finalização e Color: Isac Oliveira (@isac_xre) Assistente de Fotografia: Math Souza (@mathdesouza) Making Off: Hiago Igor (@hils_hs) Locação: Dandara (@dands_soul) Styling: ShayAmora (@shayamora__) Acervo: Gabriel Gama (@whogamaz) Coreografia: Riih Banks (riih__banks) Atrizes visualizer: Dandara, Ricardo Paiva, Maria Paiva, Braille, Shay Amora, Peninha, Mack Carmo, Jovem Blues, Vivi e Riih Banks
Projeto:
Direção Geral: Francineide Bandeira e Jonnas Rosa Direção Artística e Criativa: Francineide Bandeira Produção Executiva: Francineide Bandeira e Polvo Produções Direção de Produção: Thg Costa Marketing e Comunicação: Francineide Bandeira e Thg Costa
Agradecimentos: Deck9Rec (@deck9rec) Encrespados (@encrespades)