Mais de cinco mil mulheres indígenas entregam carta ao governo em marcha histórica em Brasília

Mais de cinco mil mulheres indígenas entregam carta ao governo em marcha histórica em Brasília

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Tempo de leitura: 9 minutos

Por Instituto Socioambiental (ISA)

Na última semana, a IV Marcha das Mulheres Indígenas levou os cantos, danças e reivindicações de cerca de 5 mil mulheres indígenas, de mais de 100 povos, às ruas de Brasília. Organizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), a Marcha é realizada a cada dois anos, e reúne mulheres indígenas de todos os biomas do país para debater pautas como a demarcação de seus territórios, violência contra a mulher indígena, saúde, educação e bem-viver. 

A caminhada em direção à Praça dos Três Poderes terminou com um uma sessão solene em homenagem à IV Marcha das Mulheres Indígenas, no plenário da Câmara dos Deputados, onde ocorreu a entrega ao Congresso Nacional da Carta dos Corpos-Territórios em Defesa da Vida.

“Para nós, mulheres, é sempre um grande desafio oportunizar esse grande encontro, mas principalmente, esse grande debate que nós, mulheres indígenas, fazemos acerca dos temas que são prioritários para nós e que queremos trazer a Brasília para a gente poder ecoar as nossas vozes, ecoar os nossos desejos, mas ecoar também a defesa dos nossos direitos” , afirmou Joziléia Kaingang, diretora-executiva da Anmiga, na plenária. 

Na ocasião, a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) Joenia Wapichana destacou a importância do momento: “Estar hoje no Congresso Nacional é reafirmar direitos e também as nossas capacidades”. Ela lembrou ainda as mudanças no cenário político nos últimos três anos, fruto da luta indígena.

Veta, Lula!

Na plenária e nas ruas, o grito “veta, Lula” fortalecia o protesto das mulheres pelo veto à ao Projeto de Lei nº 2159/21, conhecido como PL da Devastação, que coloca em risco a proteção ambiental de seus territórios. 

Uma das pautas prioritárias da marcha foi o veto total do presidente Lula ao Projeto de Lei nº2159/21, conhecido como ‘PL da Devastação’. Foto: Mariana Soares/ISA

“Esse PL vai causar um grande dano à nossa vida, à nossa saúde, mudando os nossos modos de viver. Porque nós, pajés, vivemos de oração, de cura, das ervas medicinais que ali se encontram e para nós isso é indispensável. Nós protegemos as nossas matas, nós não derrubamos mata em pé.”, lamentou a Pajé Analice Tuxá, do povo Tuxá, em repúdio ao PL. 

Ainda na sexta-feira (08/08), o presidente Lula assinou o veto parcial, excluindo 63 dos 400 dispositivos da lei. Agora, o projeto volta ao Congresso, que pode aprovar ainda a derrubada dos vetos.

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Pressão política e eleições 2026

Uma das principais pautas anunciadas na mobilização foi a ampliação no número de mulheres indígenas eleitas no pleito do próximo ano. Atualmente, o Congresso Nacional conta com apenas duas representantes da Bancada do Cocar: Célia Xakriabá e Juliana Cardoso. 

“Nós iremos eleger dez deputadas federais para enfrentar a bancada que mais tem atacado o direito dos povos indígenas. Vamos aldear a política e replantar nossas vozes”,  bradou Célia Xakriabá, durante sessão solene no plenário.

Oé Kayapó, liderança Mẽbengôkre Kayapó; Célia Xakriabá, deputada federal; Sonia Guajajara; Joziléia Kaingang, diretora-executiva da ANMIGA; e mulheres mẽbengôkre kayapó, durante sessão solene em homenagem à IV Marcha das Mulheres Indígenas. André Corrêa/MPI

Carta final

A leitura da carta final da IV Marcha das Mulheres Indígenas, “Carta dos Corpos-Territórios em Defesa da Vida”, aconteceu na noite da quinta-feira, e contou com uma apresentação da rapper MC Anarandá, do povo Guarani Kaiowá e um desfile ancestral. “Somos guardiãs do planeta pela cura da terra. Nosso corpo é território. É terra, é água, é semente. E pela força do que somos, vamos transformar o mundo. Estamos em Marcha e caminharemos sempre pelo bem-viver”, afirma o documento. 

Leia a carta na íntegra aqui.

Conferência histórica e a construção coletiva de políticas públicas

A IV Marcha também foi palco da 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas. Realizada entre os dias 4 e 6 de agosto, a Conferência é fruto de uma parceria da Anmiga com os Ministérios dos Povos Indígenas e das Mulheres e integrou a programação da semana. 

“Essa conferência nos deu a oportunidade de colocar na mesa do governo federal as propostas prioritárias nos eixos de saúde, educação, emergência climática, defesa dos nossos corpos e gestão ambiental e territorial”, avaliou Joziléia Kaingang.

Ao longo do evento, grupos de trabalho se debruçaram em discussões acerca de cinco eixos temáticos: Direito e Gestão Territorial; Emergência Climática; Políticas Públicas e Violência de  Gênero; Saúde; e Educação e a Transmissão de Saberes Ancestrais para o Bem Viver.

Ao fim das discussões, foram priorizadas 49 propostas que integraram o Caderno de Resoluções da Conferência, entregue às ministras Sonia Guajajara e Márcia Lopes em cerimônia de encerramento. O Caderno intitulado “Carta Pela Vida e Pelos Corpos-Territórios: “Nosso corpo é território! Somos as guardiãs do planeta pela cura da terra!”, foi resultado de um processo iniciado nas sete etapas regionais e concluído na Conferência. 

Leia o documento completo aqui. 

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, fala sobre as sete etapas regionais da Conferência das Mulheres Indígenas, durante abertura da 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas. Foto: Mariana Soares/ISA

Na cerimônia de encerramento, foi anunciada a assinatura de uma portaria que instaura um Grupo de Trabalho responsável por consolidar as propostas trazidas no Caderno de Resoluções a fim de estabelecer a normativa da Política Nacional para Mulheres Indígenas (PNMI), também anunciada durante o evento. O GT recém instaurado terá caráter interministerial e colaborativo, reunindo diferentes atores como órgãos do governo, lideranças indígenas e representantes da sociedade civil. 

A criação do Prêmio Nega Pataxó também foi oficializada na ocasião. Uma homenagem à pajé Maria de Fátima Muniz Andrade, conhecida como Nega Pataxó, do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, o programa tem como objetivo o fortalecimento da autonomia, da participação política e da proteção integral das mulheres indígena.

Além disso, também foi anunciada a criação do Prêmio Mre Gavião, para comunicadores indígenas, em homenagem a Mre Gavião, fotógrafo e servidor do MPI que faleceu neste ano. Por fim, foi anunciada a reestruturação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) pela presidenta Joenia Wapichana, que se comprometeu a lutar por um orçamento digno para apoiar as necessidades específicas das mulheres indígenas. 

Demarcações

Na cerimônia de encerramento da Conferência, também foram anunciadas as homologações de três Terras Indígenas no Ceará. São elas: A Terra Indígena Pitaguary, do povo Pitaguary; Lagoa Encantada, do povo Jenipapo-Kanindé; e Tremembé de Queimadas, do povo Tremembé. A assinatura das portarias aconteceu no Palácio do Planalto, na quarta-feira (06/08).

Juliana Alves, conhecida como Cacika Irê, do povo Jenipapo Kanindé e atual Secretária dos Povos Indígenas do Ceará, celebrou a decisão durante a Marcha. “Ontem (06/08) foi um dia significativo, foi um dia muito festivo, nós estamos muito felizes em poder estar festejando um momento desse tão significativo na vida dos povos do estado do Ceará, dentro da nossa IV Marcha”. 

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