Grafiteiras periféricas fundam produtora para driblar “atravessadores” da arte de rua

Grafiteiras periféricas fundam produtora para driblar “atravessadores” da arte de rua

Mimura Rodriguez e Amanda Pankill querem transformar segmento e empoderar artistas mulheres. Primeiro projeto contempla oito murais na zona Sul paulistana

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Tempo de leitura: 6 minutos

O ano de 2025 começa mais colorido no Conjunto Habitacional Campo Limpo, localizado no Jardim São Luís (zona Sul de São Paulo). O lugar ganhou sete murais selecionados pelo programa Museu de Arte de Rua (MAR), da Prefeitura de São Paulo.

Em comum, boa parte das obras conta histórias de protagonismo feminino e a maioria das artistas também é formada por mulheres – algo ainda pouco comum na cena do graffiti e arte urbana.

Foi justamente para mudar o cenário que as artistas Mimura Rodriguez e Amanda Pankill fundaram a Seiva Cultural, produtora que apoiou a realização das obras.

A iniciativa surgiu como um ato de resistência contra “atravessadores”, geralmente homens. Essa é uma referência a Carol Itzá, artista e pesquisadora que utiliza o termo para falar sobre pessoas que centralizam parte do processo de uma arte conhecida por seu caráter democrático.

“Os atravessadores não necessariamente estão ali pra somar de forma igualitária ou não compreendem, não valorizam tanto o trabalho do artista. E aí, a gente quis começar a produzir exatamente para encurtar esse caminho entre a grana e o conhecimento, das questões envolvidas entre a produção cultural e o artista”, conta a grafiteira Mimura Rodriguez, 35 anos, cria do Jabaquara, zona Sul de São Paulo.

“Ananse sabedoria, esperteza e criatividade”, de Mina Ribeirinha (foto de Miguel Salvatore)

“Ananse sabedoria, esperteza e criatividade”, de Mina Ribeirinha (foto de Miguel Salvatore)

Caminho direto

Após se conhecerem pintando um graffiti com amizades em comum, Pankill e Mimura notaram que carregavam a mesma angústia. Elas entenderam que a solução seria os próprios artistas se aprimorarem para cumprir os trampos, priorizando pontos como segurança, remuneração justa e transparência.

Os trabalhos da Seiva Cultural começaram, então, com a produção de oito graffitis em empenas (fachada lateral de prédio, geralmente sem janelas ou portas), sendo sete de outras artistas e um de Pankill. No total, 12 projetos foram inscritos pela produtora no edital do MAR – destes, 10 de mulheres – e oito foram aprovados.

“Foi muito legal pra gente começar já com esse time e perceber que nosso trabalho tem essa força. Acho importante ter duas mulheres produzindo num meio onde muitas vezes, só pelo fato de ser mulher, a abordagem é diferente”, pontua Amanda Pankill, 41 anos, que não deixa de citar que o trabalho de mulheres ainda é rebaixado na arte.

“Sei como a abordagem é com a gente, como o respeito ao nosso trabalho é bem menor do que com os homens. Muitas vezes somos convidadas para participar das coisas [para cumprir uma] cota. Foi muito importante contemplar essas artistas, sermos mulheres fazendo também, mostrando que somos capazes. Serviu muito pra fortalecer a gente”, diz a artista nascida e criada na Penha, na zona Leste, e agora moradora da região central.

Lado a lado

As produtoras começaram a trampar cerca de três meses antes da inscrição em si. Elas ajudaram as artistas com representação jurídica e toda a documentação exigida no edital.

“É um processo bem chato de, sei lá, mais de 20 documentos. A produção executiva começa aí, né? Alguns já tinham portfólio, outros não tinham, a gente ainda montou portifólio”, conta Pankill.

Além dessa produção, Mimura destaca a importância de compreender a pessoa artista para fazer as melhores escolhas visando o sucesso da produção e do projeto. Ela também cita uma experiência negativa que teve.

Amanda e Mimura (foto: Don Salvatore)

Amanda e Mimura (foto: Don Salvatore)

“Teve trabalhos que fiz como artista em que ganhei 10% da verba destinada ao meu projeto porque mais de 50% ficou como cachê da produtora e sua equipe. E tem isso que falei das questões práticas: não ter conhecimento sobre os melhores materiais, não se importar em procurar fornecedores com os melhores preços, etc”.

“A gente não tá trabalhando de graça, eu e a Mimura. E ainda assim, a gente tem conseguido fazer todos esses trabalhos, conseguir um cachê legal sem explorar ninguém”, complementa Amanda Pankill, visando transparência nos trampos.

Além da resistência contra esses “atravessadores”, as artistas lutam para fazer com que a arte urbana seja reconhecida como uma vertente contemporânea e não como algo “menos sério” que as demais modalidades, resultando em cachês baixos, menos oportunidades em espaços importantes e até mesmo menor quantidade de políticas públicas.

“A gente é muito subestimada nesse sentido, e acredito que as produtoras [convencionais] já vêm com esse pensamento. Então, elas entendem que é uma galera que vão conseguir tirar um pouco mais, sabe? Eu sempre percebi isso”, conta Pankill.

Representatividade

As obras realizadas pelas grafiteiras produzidas pela Seiva Cultural têm um trabalho focado em mulheres e representatividade.

“Acho que impacta a vida das pessoas quando elas se sentem representadas de alguma forma, quando a gente se sente vista. Trago bastante do que vivo, do que eu passo como mulher, mestiça, mãe, mulher periférica. Acho que é muito importante perceber que a gente também existe e faz parte da sociedade”, diz Mimura.

Para 2025 o plano da dupla é seguir buscando editais públicos, mas também almejar e trabalhar para conseguir espaço no mercado privado.

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