Com polícia que mata principalmente juventude negra, governo Tarcísio atua em favor de militarização

Com polícia que mata principalmente juventude negra, governo Tarcísio atua em favor de militarização

O número de mortes causadas pela polícia paulista entre janeiro e setembro é maior que em todo ano de 2023 e reforça tendência de alta na violência estatal. Boletim “Pele Alvo” aponta padrão de vítimas jovens e negras

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Escolas públicas comandadas por policiais, cargos legislativos ocupados por agentes de segurança, perfis de militares seguidos por milhares de pessoas… Há um movimento de militarização, e o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) intensifica isso com uma série de ações que resultam em mais mortes.

Segundo dados da própria Secretaria de Segurança Pública (SSP) apresentados na quinta passada (31/10), entre janeiro e setembro de 2024 a polícia paulista matou mais pessoas do que em todo o ano passado: nos nove primeiros meses do ano, foram 580 vítimas – 55% mais do que no mesmo período do ano passado, conforme publicado na Ponte Jornalismo.

Em todos os 12 meses de 2023, agentes de segurança do governo Tarcísio mataram 510 pessoas – alta de 21% em um ano.

Esse último dado foi levantado pela Rede de Observatórios de Segurança, que nesta quinta (7/11) divulga o boletim “Pele Alvo: Mortes que revelam um padrão” por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Francine Ribeiro, pesquisadora

Francine Ribeiro, pesquisadora

“Quando a gente pensa em Segurança Pública em São Paulo, há uma tendência de ter uma polícia letal, violenta, e em algum momento há um desvio do crescimento do número de mortes. Mas historicamente o que temos é essa tendência de letalidade”, observa Francine Ribeiro, pesquisadora da Rede de Observatórios em São Paulo.

Francine ressalta que o eleitorado paulista coloca a segurança pública como critério central na escolha para governador. E Tarcísio aprofunda isso com o desinvestimento em programas como as câmeras corporais nas fardas e operações policiais em periferias e favelas.

“Com as operações sangrentas, a ideia não é que ela seja vista como bem sucedida, porque as denúncias chegam na ONU com as críticas dos movimentos sociais. No momento em que o governador fala ‘tô nem aí’, ele sinaliza algo que é ignorar a proteção da sociedade como um todo”, complementa.

Moderado?

O ano de 2023 marca o início do governo Tarcísio, que promoveu a militarização da Secretaria de Segurança Pública com a nomeação de Guilherme Derrite, ex-capitão da Rota, para dirigir a pasta.

De todas as 510 mortes cometidas por agentes de segurança paulistas no ano passado, a maioria (176) aconteceu na capital paulista. Mais da metade (52,3%) tinha entre 12 e 29 anos de idade.

Entre as vítimas, 321 pessoas eram negras (pretas ou pardas) e 163 brancas. Apesar de serem 40,9% da população paulista, as pessoas negras correspondem a 66,3% das vítimas das polícias do Estado.

O governador bolsonarista é apontado como “moderado” pela grande mídia e cotado como candidato da extrema-direita à Presidência da República nas eleições de 2026.

Mas a realidade é que seu governo marca a inversão de uma tendência de quatro anos de queda da letalidade policial.

Segundo o boletim Pele Alvo, houve um corte de R$ 98 milhões em programas de prevenção e em ações de inteligência em relação aos gastos de 2022, incluindo a verba destinada ao uso de câmeras corporais por agentes em ação.

Ao mesmo tempo, Derrite liderou as operações Escudo e Verão, que resultaram em dezenas de homicídios na Baixada Santista e foram denunciadas em cortes internacionais pelo caráter de “vingança” após mortes de policiais.

Entre julho e agosto de 2023, a Operação Escudo resultou em 32 mortes e elevou o município de Guarujá ao segundo lugar com maior letalidade policial. E de dezembro do ano passado e abril deste ano, a Operação Verão deixou 56  pessoas mortas no litoral.

Entre as vítimas, está Edneia Fernandes Silva, mulher negra, mãe de seis crianças, morta com um tiro na cabeça.

“Como a sociedade tem reagido a isso? A gente tem que repensar (…) A sociedade como um todo me parece descolada da realidade de que existe essa letalidade policial e o racismo”, questiona a pesquisadora.

Governador defende militarização de escolas estaduais

Governador defende militarização de escolas estaduais

Enquanto isso, Francine nota a instabilidade criada na área com a valorização de policiais militares em detrimento de civis, o que pode gerar conflitos entre as polícias. A presença de mais PMs em vez de juristas no comando da SSP e o início do processo investigativo (atribuição da Polícia Civil) com termos circunstanciados pelos militares são outros exemplos da militarização.

Por outro lado, o índice de suicídios entre policiais está em alta e supera as mortes em confrontos.

“Temos uma Polícia Militar que mata em excesso e morre mais de problemas psicológicos causados pela profissão do que em confrontos. Problema que é reiterado pela inexistência de revisão das políticas de segurança – mesmo diante do aumento dos homicídios – e pelas declarações por parte do governo estadual parabenizando operações letais e incentivando um tipo de conduta violenta”, aponta o relatório.

“Padrão”

O novo boletim “Pele Alvo” evidencia a  letalidade resultante da ação policial. Em 2023, pelo menos sete pessoas negras foram mortas pela polícia a cada dia nos nove estados monitorados — Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.

Ao todo, esses estados somaram 4.025 vítimas da polícia. Destas, 3.169 tinham registro de sua raça e cor, constatando-se que 2.782 (87,8%) dos mortos eram pessoas negras.

“Assim como aconteceu em 2019, primeiro ano de monitoramento para o boletim Pele Alvo, 2023 se destaca por ser ano de início do mandato de novos governadores estaduais. E é revoltante e angustiante não ter havido mudanças concretas em políticas públicas de segurança, considerando principalmente as desigualdades raciais. O que continuamos a observar são ações bárbaras sob a justificativa de guerra às drogas, com um impacto brutal para a sociedade, principalmente para a população negra, e a persistência de um padrão da letalidade policial”, diz a cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança.

As informações completas dos outros estados analisados no boletim podem ser acessadas aqui.

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