Mais que um corte: Barbearias se destacam com impacto social e cultural nas periferias

Mais que um corte: Barbearias se destacam com impacto social e cultural nas periferias

De referência para novas gerações à democratização do acesso à arte e cultura, barbearias de quebrada se reinventam e oferecem experiências ‘diferentonas’ a clientes

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Tempo de leitura: 18 minutos

Por André Santos. Edição: Thiago Borges. Fotos: Pedro Salvador. Arte: Rafael Cristiano

As barbearias são um importante elemento nas estéticas das quebradas, tanto pela sua presença física e movimentação da economia local pelos inúmeros negócios espalhados em praticamente todos os bairros, quanto pela influência na construção de uma identidade e autoestima periférica. 

“Sabe aquela sensação de ir pra guerra sem colete? Quando você tá na régua, você pode até trocar tiro sem colete (risos). Traz identidade, os moleques se sentem ‘presença’. Você olha pro seu rosto e isso te traz confiança, você se sente outro cara pra chegar em qualquer lugar”, diz Rodrigo Reis de Oliveira, de 27 anos. 

A reportagem da Periferia em Movimento visitou dois estabelecimentos, um no Extremo Leste e outro no Extremo Sul de São Paulo, e conta semelhanças e particularidades dos negócios. 

Arte, cultura e autoestima

Nascido e criado na Cidade Tiradentes, Drigo (como é conhecido) é pai de uma menina de 6 anos, barbeiro e um dos idealizadores da galeria Mema Fita. A barbearia e espaço cultural fica localizada na rua Vitalina de Jesus Schalsc, 1268, também no distrito do Extremo Leste de São Paulo.

Drigo começou a dar os primeiros passos na profissão há 8 anos por influência da mãe, que é cabeleireira, e pelo interesse em arrumar o próprio cabelo. A partir disso, passou a assistir vídeo-aulas no YouTube e começou a fazer os amigos de “cobaia” nos cortes.

“Em 2017 para 2018 eu trabalhei em algumas barbearias para pegar uma experiência com os caras que já tinham um local, e foi aí que tive todo o incentivo para ir atrás de um lugar próprio. Procurei uma cota na quebrada, e todo conhecimento que eu fui buscar fora eu quis trazer pra dentro da quebrada, abrir um espaço e colocar tudo isso lá. Os penteados da moda, o tratamento, barboterapia… É um tipo de serviço que não tinha na quebrada, sinceramente. Era outro tipo de barbearia, que era mais ‘raiz’, mais old school”, conta Rodrigo.

Em meados de 2018, Drigo e um amigo abriram sua primeira barbearia. A parceria durou 3 anos. Em 2021, optaram por seguir caminhos distintos e cada um decidiu abrir o próprio negócio. 

Rodrigo permaneceu no mesmo bairro onde já atuava e, com uma rede de clientes já estabelecida, sua barbearia passou a ser uma das principais referências e pontos de encontro da região.

“O local é um marco, pra quem conhece é bem forte. Ali junta públicos, pessoas que talvez nunca fossem sair juntas. Chega a ser uma sessão de terapia. Da mesma forma que eu estou vendendo autoestima, a gente tá trocando um papo”, conta.

Recentemente, o barbeiro reencontrou dois amigos artistas, Thomaz e Filipe Barbosa, que estavam de volta a São Paulo após temporadas em Santa Catarina e no Rio de Janeiro, respectivamente. 

Rodrigo convidou Thomaz para realizar um trabalho na barbearia e ouviu do amigo sobre a vontade de expor seus trabalhos dentro do território onde cresceram juntos.

“Estávamos conversando e de repente esse outro amigo, o Fe Barbosa, chegou na barbearia pra nos encontrar. Ele já tem um trampo de audiovisual e de curadoria, e então unimos esses três fatores. Eles disseram que por ser um lugar que representa muita coisa, que tem história na quebrada, seria um lugar perfeito por tudo que representa, e por tudo que a gente queria transmitir também”, relembra.

O trio de amigos se debruçou em uma reforma e, em apenas sete dias, modificaram ‘tudo que poderiam’ e transformaram o espaço na Galeria Mema Fita, que foi inaugurada em 30 de maio deste ano.

“A gente pôs a mão na massa. Fizemos um grupo e um cuidou da comunicação, um das artes visuais, um da divulgação… e enquanto isso os três com a mão na massa. Amigos e clientes também nos ajudaram”, diz Rodrigo.

O esforço conjunto foi recompensado.

Hoje, o local é uma espécie de polo cultural para a região. Além de democratizar o acesso à arte, uma vez que boa parte da clientela diz que está tendo esse contato mais direto com exposições pela primeira vez, o empreendimento de Rodrigo também fortalece a cultura da região. Em sua inauguração, o local promoveu a exibição do aclamado curta-metragem ‘Fluxo – O Filme’, dirigido por Filipe Barbosa e gravado nas ruas da Cidade Tiradentes.

“Os moleques brisaram quando entraram pela primeira vez e viram como estava. Tem uma arte na parede que é mó chave, que foi a arte de apresentação, e vários que entraram lá falaram ‘vixe, olha eu aí’, se sentiram representados. O pessoal olha os quadros enquanto a gente troca um papo sobre corte, o poder e a influência disso tudo. Todo mundo curtiu muito”, diz Rodrigo.

Empreendedorismo e espaço de convivência 

Do outro lado da cidade, no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo), Claudio Ferreira edifica um império. 

Claudinho, como é conhecido o profissional de 30 anos de idade, é o dono da Barbearia 28, localizada na Rua José Carlos Heffner, 3, vizinha ao famoso Pagode da 27.

Barbeiro há pouco mais de 10 anos, que desde os 12 anos já pensava em trabalhar e empreender. Vendeu doces, geladinhos, foi camelô, entregador, trabalhou por três anos em um escritório, até que aos 19 anos comprou sua primeira máquina de cortar cabelo.

“Eu cortei o cabelo do meu irmão, meus tios gostaram e falaram ‘pô, corta o meu!’. A rapaziada da rua viu também e ficou bom pra época, por ser o primeiro corte, e daí em diante não parei mais. Comecei a cortar cabelo gratuito durante um bom tempo, depois fiz um curso pra me profissionalizar mais, e quando terminei pedi pra ser mandado embora do serviço, porque cortava cabelo depois do expediente. Trabalhava das 8h às 18h, e depois da hora que eu chegava em casa até umas 22h, 23h de graça”, conta.

Claudinho permaneceu em ‘jornada dupla’ por sete meses. Ao pedir desligamento de seu emprego conseguiu a primeira oportunidade como barbeiro no estabelecimento de um amigo, onde permaneceu por dois anos.

Nesse tempo, juntou dinheiro e convidou o amigo para que investissem em um espaço maior e mais estruturado, mas recebeu uma negativa por ambos possuírem planos diferentes.

“Agradeci a oportunidade, fiquei por mais um mês e, nesse tempo, comecei a reformar um espaço na minha casa. Conversei com minha família, comecei a dormir na sala e transformei o meu quarto na barbearia. Foi assim que começou a Barbearia 28. Em 15 dias estava pronto. Eu investi tudo que tinha”, relembra Claudinho.

Quatro meses depois no novo espaço, ele percebeu que a demanda e o fluxo de clientes pediam por ajustes na estrutura. Então, promoveu uma nova reforma no local.

Em meio a isso, participou pela primeira vez – e venceu – a ‘Batalha dos Barbeiros’, competição entre profissionais do ramo. Claudinho ganhou ainda mais visibilidade, reforçando a necessidade de mais espaço.

Com o sucesso, ele integrou o tio e o irmão à equipe, passou a alimentar o sonho de abrir uma franquia em outras regiões e pensou: “por que não abrir em um bairro nobre?”. 

Passados dois anos de muito esforço e economias, o barbeiro conseguiu inaugurar uma filial em Moema, pouco antes da pandemia, e posteriormente também abriu uma unidade em Santo Amaro. Ao mesmo tempo, planejou trazer o “mesmo luxo” que fornecia em Moema também no Grajaú.

“Trabalhei nos últimos três anos em busca disso. Para fazer esse projeto de 125 metros quadrados, eu precisei comprar a casa da minha tia e convencer minha mãe a construir uma pra ela em cima da barbearia. Era um projeto audacioso. Os engenheiros falavam: ‘nossa, mas você quer fazer algo desse tamanho aqui?’, ‘você acha que vale a pena?’. E eu dizia que sim. Ninguém botava fé”, conta.

Mesmo contrariado, Claudinho deu sequência ao projeto, que já está em funcionamento há alguns meses. A rápida ascensão possibilitou que o barbeiro propiciasse melhores condições para sua família, a quem agradece por todo o apoio, e também que explorasse novas possibilidades dentro de seu próprio território.

“A ideia sempre foi trazer uma experiência diferente pra quebrada. Sempre pensando no cliente, na comunidade… Por que precisamos ter um comércio inferior, sendo que na quebrada é de onde saem os maiores talentos e onde tem os melhores cortes? Por que não podemos ter uma estrutura dessa?”, relembra.

As estratégias para atrair o público são diferentes. As crianças, por exemplo, ganham um espaço exclusivo equipado com decoração personalizada, cadeiras temáticas de carros de corrida, videogames e TVs individuais. Jovens são atraídos pelos cortes modernos. E o público adulto, pela boa e velha cerveja.

Espaço seguro

As barbearias da quebrada são um exemplo de como a resiliência, a criatividade e o senso de comunidade podem transformar realidades e inspirar novas gerações.

Além de um local que trata da estética e autoestima, esses ambientes também podem exercer uma função social de ser um espaço de segurança, troca de ideias e ensinamentos. 

As duas barbearias citadas na reportagem têm propostas distintas, mas que se interligam em um ponto: a construção de um legado.

Drigo valoriza o acesso à arte e cultura e avalia que esses fatores são essenciais para que pessoas periféricas se localizem, se identifiquem e alimentem novas perspectivas, sonhos e aspirações. 

“A barbearia está ali para reunir um público no dia a dia que precisa tomar um ar, e vender autoestima, que é o mais importante. Mostrar pros ‘menor’ que eles podem ser barbeiros porque se inspiram no trampo, e não porque entrou só pela necessidade, tentar mudar esse cenário. Trampar com estética é lindo, é inspirador”, diz Drigo.

O profissional entende as barbearias como um ambiente ‘seguro’, onde clientes além de cuidarem do cabelo também cuidam da cabeça ao conseguirem dialogar com outras pessoas sobre problemas do cotidiano.

“Tem que trocar um papo, estar falando com a pessoa ali, ver como ela está. Na barbearia a gente troca um papo que não troca nem em conversa de bar, isso é real. ‘Nego’ vai lá, tá revoltado com alguma coisa e precisa desabafar. Ele está em um ambiente que está mais familiarizado, que não se sente meio assim de falar alguma coisa ou outra”, conta Drigo.

Claudinho quer estimular que as pessoas invistam, produzam e circulem renda dentro de seus próprios bairros, além da ideia de que as periferias devem ter a mesma qualidade de serviço e atendimento que é encontrada em outras regiões da cidade.

O barbeiro entende que essa valorização só tende a acrescentar na infraestrutura local e na qualidade de vida da população. 

“Tudo sai daqui, tudo vem daqui, tudo que a gente faz vira moda. Sempre falo pra amigos que investir em empreendedorismo na quebrada é o ideal. Tem muita gente que empreende, ganha um dinheiro e vai gastar esse dinheiro em outro bairro, e aí acaba usando a periferia só como meio de ganhar dinheiro, e essa nunca foi minha ideia. Minha ideia é tentar valorizar, ser espelho, inspirar pessoas e trazer o melhor para a periferia”, finaliza Cláudio.

Conheça outras barbearias que oferecem serviços ‘diferentes’:

Josyas Barbershop – R. Amaro Velho, 111 – Jardim São Luís, zona Sul de São Paulo.

A barbearia é uma das mais famosas da região. Com 30 anos de atividade e uma cartela de clientes de causar inveja em muitos lugares, com a presença constante de integrantes do Racionais MCs entre o público, a barbearia se destaca pela especialidade em lidar com cortes afro, além de fornecer cursos e workshops para profissionais que buscam especialização dentro do nicho.

Espaço SenderoRua São Tomás Mouro 77, Santo André, Grande São Paulo.

Localizada no Sítio dos Vianas, bairro periférico na cidade de Santo André, o Espaço Sendero tem chamado atenção pela proposta de unir o cuidado com a autoestima à música. O Projeto ‘Cabelo, Barba e Hip Hop’ promove apresentações de artistas locais ligados ao movimento Hip Hop uma vez por mês. O projeto é fruto de um financiamento feito pelo fundo municipal de Cultura da cidade de Santo André.

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Por André Santos. Edição: Thiago Borges. Fotos: Pedro Salvador. Arte: Rafael Cristiano

As barbearias são um importante elemento nas estéticas das quebradas, tanto pela sua presença física e movimentação da economia local pelos inúmeros negócios espalhados em praticamente todos os bairros, quanto pela influência na construção de uma identidade e autoestima periférica. 

“Sabe aquela sensação de ir pra guerra sem colete? Quando você tá na régua, você pode até trocar tiro sem colete (risos). Traz identidade, os moleques se sentem ‘presença’. Você olha pro seu rosto e isso te traz confiança, você se sente outro cara pra chegar em qualquer lugar”, diz Rodrigo Reis de Oliveira, de 27 anos. 

A reportagem da Periferia em Movimento visitou dois estabelecimentos, um no Extremo Leste e outro no Extremo Sul de São Paulo, e conta semelhanças e particularidades dos negócios. 

Arte, cultura e autoestima

Nascido e criado na Cidade Tiradentes, Drigo (como é conhecido) é pai de uma menina de 6 anos, barbeiro e um dos idealizadores da galeria Mema Fita. A barbearia e espaço cultural fica localizada na rua Vitalina de Jesus Schalsc, 1268, também no distrito do Extremo Leste de São Paulo.

Drigo começou a dar os primeiros passos na profissão há 8 anos por influência da mãe, que é cabeleireira, e pelo interesse em arrumar o próprio cabelo. A partir disso, passou a assistir vídeo-aulas no YouTube e começou a fazer os amigos de “cobaia” nos cortes.

“Em 2017 para 2018 eu trabalhei em algumas barbearias para pegar uma experiência com os caras que já tinham um local, e foi aí que tive todo o incentivo para ir atrás de um lugar próprio. Procurei uma cota na quebrada, e todo conhecimento que eu fui buscar fora eu quis trazer pra dentro da quebrada, abrir um espaço e colocar tudo isso lá. Os penteados da moda, o tratamento, barboterapia… É um tipo de serviço que não tinha na quebrada, sinceramente. Era outro tipo de barbearia, que era mais ‘raiz’, mais old school”, conta Rodrigo.

Em meados de 2018, Drigo e um amigo abriram sua primeira barbearia. A parceria durou 3 anos. Em 2021, optaram por seguir caminhos distintos e cada um decidiu abrir o próprio negócio. 

Rodrigo permaneceu no mesmo bairro onde já atuava e, com uma rede de clientes já estabelecida, sua barbearia passou a ser uma das principais referências e pontos de encontro da região.

“O local é um marco, pra quem conhece é bem forte. Ali junta públicos, pessoas que talvez nunca fossem sair juntas. Chega a ser uma sessão de terapia. Da mesma forma que eu estou vendendo autoestima, a gente tá trocando um papo”, conta.

Recentemente, o barbeiro reencontrou dois amigos artistas, Thomaz e Filipe Barbosa, que estavam de volta a São Paulo após temporadas em Santa Catarina e no Rio de Janeiro, respectivamente. 

Rodrigo convidou Thomaz para realizar um trabalho na barbearia e ouviu do amigo sobre a vontade de expor seus trabalhos dentro do território onde cresceram juntos.

“Estávamos conversando e de repente esse outro amigo, o Fe Barbosa, chegou na barbearia pra nos encontrar. Ele já tem um trampo de audiovisual e de curadoria, e então unimos esses três fatores. Eles disseram que por ser um lugar que representa muita coisa, que tem história na quebrada, seria um lugar perfeito por tudo que representa, e por tudo que a gente queria transmitir também”, relembra.

O trio de amigos se debruçou em uma reforma e, em apenas sete dias, modificaram ‘tudo que poderiam’ e transformaram o espaço na Galeria Mema Fita, que foi inaugurada em 30 de maio deste ano.

“A gente pôs a mão na massa. Fizemos um grupo e um cuidou da comunicação, um das artes visuais, um da divulgação… e enquanto isso os três com a mão na massa. Amigos e clientes também nos ajudaram”, diz Rodrigo.

O esforço conjunto foi recompensado.

Hoje, o local é uma espécie de polo cultural para a região. Além de democratizar o acesso à arte, uma vez que boa parte da clientela diz que está tendo esse contato mais direto com exposições pela primeira vez, o empreendimento de Rodrigo também fortalece a cultura da região. Em sua inauguração, o local promoveu a exibição do aclamado curta-metragem ‘Fluxo – O Filme’, dirigido por Filipe Barbosa e gravado nas ruas da Cidade Tiradentes.

“Os moleques brisaram quando entraram pela primeira vez e viram como estava. Tem uma arte na parede que é mó chave, que foi a arte de apresentação, e vários que entraram lá falaram ‘vixe, olha eu aí’, se sentiram representados. O pessoal olha os quadros enquanto a gente troca um papo sobre corte, o poder e a influência disso tudo. Todo mundo curtiu muito”, diz Rodrigo.

Empreendedorismo e espaço de convivência 

Do outro lado da cidade, no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo), Claudio Ferreira edifica um império. 

Claudinho, como é conhecido o profissional de 30 anos de idade, é o dono da Barbearia 28, localizada na Rua José Carlos Heffner, 3, vizinha ao famoso Pagode da 27.

Barbeiro há pouco mais de 10 anos, que desde os 12 anos já pensava em trabalhar e empreender. Vendeu doces, geladinhos, foi camelô, entregador, trabalhou por três anos em um escritório, até que aos 19 anos comprou sua primeira máquina de cortar cabelo.

“Eu cortei o cabelo do meu irmão, meus tios gostaram e falaram ‘pô, corta o meu!’. A rapaziada da rua viu também e ficou bom pra época, por ser o primeiro corte, e daí em diante não parei mais. Comecei a cortar cabelo gratuito durante um bom tempo, depois fiz um curso pra me profissionalizar mais, e quando terminei pedi pra ser mandado embora do serviço, porque cortava cabelo depois do expediente. Trabalhava das 8h às 18h, e depois da hora que eu chegava em casa até umas 22h, 23h de graça”, conta.

Claudinho permaneceu em ‘jornada dupla’ por sete meses. Ao pedir desligamento de seu emprego conseguiu a primeira oportunidade como barbeiro no estabelecimento de um amigo, onde permaneceu por dois anos.

Nesse tempo, juntou dinheiro e convidou o amigo para que investissem em um espaço maior e mais estruturado, mas recebeu uma negativa por ambos possuírem planos diferentes.

“Agradeci a oportunidade, fiquei por mais um mês e, nesse tempo, comecei a reformar um espaço na minha casa. Conversei com minha família, comecei a dormir na sala e transformei o meu quarto na barbearia. Foi assim que começou a Barbearia 28. Em 15 dias estava pronto. Eu investi tudo que tinha”, relembra Claudinho.

Quatro meses depois no novo espaço, ele percebeu que a demanda e o fluxo de clientes pediam por ajustes na estrutura. Então, promoveu uma nova reforma no local.

Em meio a isso, participou pela primeira vez – e venceu – a ‘Batalha dos Barbeiros’, competição entre profissionais do ramo. Claudinho ganhou ainda mais visibilidade, reforçando a necessidade de mais espaço.

Com o sucesso, ele integrou o tio e o irmão à equipe, passou a alimentar o sonho de abrir uma franquia em outras regiões e pensou: “por que não abrir em um bairro nobre?”. 

Passados dois anos de muito esforço e economias, o barbeiro conseguiu inaugurar uma filial em Moema, pouco antes da pandemia, e posteriormente também abriu uma unidade em Santo Amaro. Ao mesmo tempo, planejou trazer o “mesmo luxo” que fornecia em Moema também no Grajaú.

“Trabalhei nos últimos três anos em busca disso. Para fazer esse projeto de 125 metros quadrados, eu precisei comprar a casa da minha tia e convencer minha mãe a construir uma pra ela em cima da barbearia. Era um projeto audacioso. Os engenheiros falavam: ‘nossa, mas você quer fazer algo desse tamanho aqui?’, ‘você acha que vale a pena?’. E eu dizia que sim. Ninguém botava fé”, conta.

Mesmo contrariado, Claudinho deu sequência ao projeto, que já está em funcionamento há alguns meses. A rápida ascensão possibilitou que o barbeiro propiciasse melhores condições para sua família, a quem agradece por todo o apoio, e também que explorasse novas possibilidades dentro de seu próprio território.

“A ideia sempre foi trazer uma experiência diferente pra quebrada. Sempre pensando no cliente, na comunidade… Por que precisamos ter um comércio inferior, sendo que na quebrada é de onde saem os maiores talentos e onde tem os melhores cortes? Por que não podemos ter uma estrutura dessa?”, relembra.

As estratégias para atrair o público são diferentes. As crianças, por exemplo, ganham um espaço exclusivo equipado com decoração personalizada, cadeiras temáticas de carros de corrida, videogames e TVs individuais. Jovens são atraídos pelos cortes modernos. E o público adulto, pela boa e velha cerveja.

Espaço seguro

As barbearias da quebrada são um exemplo de como a resiliência, a criatividade e o senso de comunidade podem transformar realidades e inspirar novas gerações.

Além de um local que trata da estética e autoestima, esses ambientes também podem exercer uma função social de ser um espaço de segurança, troca de ideias e ensinamentos. 

As duas barbearias citadas na reportagem têm propostas distintas, mas que se interligam em um ponto: a construção de um legado.

Drigo valoriza o acesso à arte e cultura e avalia que esses fatores são essenciais para que pessoas periféricas se localizem, se identifiquem e alimentem novas perspectivas, sonhos e aspirações. 

“A barbearia está ali para reunir um público no dia a dia que precisa tomar um ar, e vender autoestima, que é o mais importante. Mostrar pros ‘menor’ que eles podem ser barbeiros porque se inspiram no trampo, e não porque entrou só pela necessidade, tentar mudar esse cenário. Trampar com estética é lindo, é inspirador”, diz Drigo.

O profissional entende as barbearias como um ambiente ‘seguro’, onde clientes além de cuidarem do cabelo também cuidam da cabeça ao conseguirem dialogar com outras pessoas sobre problemas do cotidiano.

“Tem que trocar um papo, estar falando com a pessoa ali, ver como ela está. Na barbearia a gente troca um papo que não troca nem em conversa de bar, isso é real. ‘Nego’ vai lá, tá revoltado com alguma coisa e precisa desabafar. Ele está em um ambiente que está mais familiarizado, que não se sente meio assim de falar alguma coisa ou outra”, conta Drigo.

Claudinho quer estimular que as pessoas invistam, produzam e circulem renda dentro de seus próprios bairros, além da ideia de que as periferias devem ter a mesma qualidade de serviço e atendimento que é encontrada em outras regiões da cidade.

O barbeiro entende que essa valorização só tende a acrescentar na infraestrutura local e na qualidade de vida da população. 

“Tudo sai daqui, tudo vem daqui, tudo que a gente faz vira moda. Sempre falo pra amigos que investir em empreendedorismo na quebrada é o ideal. Tem muita gente que empreende, ganha um dinheiro e vai gastar esse dinheiro em outro bairro, e aí acaba usando a periferia só como meio de ganhar dinheiro, e essa nunca foi minha ideia. Minha ideia é tentar valorizar, ser espelho, inspirar pessoas e trazer o melhor para a periferia”, finaliza Cláudio.

Conheça outras barbearias que oferecem serviços ‘diferentes’:

Josyas Barbershop – R. Amaro Velho, 111 – Jardim São Luís, zona Sul de São Paulo.

A barbearia é uma das mais famosas da região. Com 30 anos de atividade e uma cartela de clientes de causar inveja em muitos lugares, com a presença constante de integrantes do Racionais MCs entre o público, a barbearia se destaca pela especialidade em lidar com cortes afro, além de fornecer cursos e workshops para profissionais que buscam especialização dentro do nicho.

Espaço SenderoRua São Tomás Mouro 77, Santo André, Grande São Paulo.

Localizada no Sítio dos Vianas, bairro periférico na cidade de Santo André, o Espaço Sendero tem chamado atenção pela proposta de unir o cuidado com a autoestima à música. O Projeto ‘Cabelo, Barba e Hip Hop’ promove apresentações de artistas locais ligados ao movimento Hip Hop uma vez por mês. O projeto é fruto de um financiamento feito pelo fundo municipal de Cultura da cidade de Santo André.

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