Somos o legado de Nalva Maria: A fotógrafa da quebrada que abriu caminhos para a comunicação

Somos o legado de Nalva Maria: A fotógrafa da quebrada que abriu caminhos para a comunicação

Matriarca no Extremo Sul de São Paulo, fotógrafa deixa histórico de aprendizados, luta e muita contribuição para quem faz a comunicação periférica

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Texto: Aline Rodrigues. Foto: Vitori Jumapili

Aos 76 anos, fotógrafa e liderança comunitária do Grajaú (Extremo Sul de São Paulo), Maria Enalva de Souza Silva faleceu na última quinta-feira (29/8) por complicações durante cirurgia.

Ela era conhecida por nós da Periferia em Movimento e por muitas pessoas da região por Nalva Maria.

No dia seguinte ao falecimento, pela manhã, nossa equipe foi surpreendida com a triste notícia da partida de Dona Nalva, enquanto cuidávamos dos preparativos da terceira Roda de Saberes. Menos de um mês antes, no dia 3 de agosto, Nalva Maria esteve ao nosso lado na programação da primeira edição deste ciclo de encontros, que teve como tema “O acesso à informação para garantia de direitos ontem e hoje”.

Na ocasião, ela partilhou sua caminhada como profissional, mas mais do que isso: falou de sua relação de afeto com a fotografia. Nalva sempre fez uso de sua câmera, batizada como “Índia Pataxó” e abençoada no terreiro, para contribuir com a luta por direitos a partir da periferia da zona Sul, em especial no movimento de mulheres d Grajaú.

Ainda jovem, desembarcou por aqui

Cena da dramarturgia Mulher de Retratos, da Cia Enchendo Laje - Foto: Carol-Leone

Cena da dramarturgia Mulher de Retratos, da Cia Enchendo Laje – Foto: Carol-Leone

Ela era adolescente quando um tio que morava em São Paulo visitou sua família no interior da Bahia com uma máquina fotográfica nas mãos. Na época, Nalva Maria ouvia as músicas de Angela Maria pelo rádio, onde também escutava programas que narravam o Brasil.

Aos 16 anos, mudou-se para São Paulo, trabalhou em metalúrgicas e, quando passou a morar no Grajaú, começou a participar da luta de mulheres por melhorias no bairro.

Em 1988, ela ganhou uma bolsa para estudar fotografia no Senac Lapa e chegou a trabalhar na TV Record, onde fotografou artistas de renome e, inclusive, nos contou poder encontrar em um evento a tão escutada por ela Angela Maria, quando pode contar direto para a artista o quanto sonhou conhecê-la pessoalmente.

Mas foi na quebrada que seu trabalho teve maior impacto.

No dia 25 de julho de 2023, em cerimônia no Teatro Municipal Paulo Eiró, em Santo Amaro, a fotógrafa foi laudeada ao lado de outras mulheres com o prêmio Prêmio Ruth Guimarães. Toda feliz e orgulhosa pelo reconhecimento, Nalva compartilhou a conquista pelo whatsapp com algumas pessoas da equipe da Periferia em Movimento.

Abriu caminhos para existirmos

Nós pudemos dizer diretamente para Dona Nalva que ela dava sua contribuição no registro da história periférica bem antes de nós existirmos enquanto mídia – e ela resistiu e desbravou novos espaços para nós hoje conseguirmos atuar.

Nós a conhecemos há bons anos, de quando produzimos a série audiovisual Matriarcas e pudemos nos aproximar de mulheres lideranças na luta por direitos no Extremo Sul da cidade.

De lá para cá, ela sempre se fazia presente em boas conversas com nossa equipe. Seja pessoalmente ou em troca de mensagens, partilhava as últimas notícias que estava acompanhando, contava do seu dia a dia, sobre sua família, inclusive sobre as netas que tinha orgulho de sempre lembrar.

A comunicadora também pode emprestar sua voz para trazer as dúvidas iniciais dos episódios de duas temporadas de nossa série de tutoriais de acesso à direitos “E agora, PEM?”. A produção foi ao ar em nossos canais no segundo semestre de 2023 e no primeiro semestre de 2024.

Manifestações de carinho por Dona Nalva se fizeram presentes nas redes. Amiga de longa data de lutas no território do Grajaú, a professora, escritora  e também do movimento de mulheres do Grajaú, Maria Vilani publicou uma poesia:

“…O meu país 
Está enlutado
Por aquela matriarca
Que fotografou
Miudezas e grandezas
Do Grajaú…”

Ela também foi homenageada pelo grupo de teatro Enchendo Laje & Soltando Pipa, que recentemente encenou a história da matriarca durante o Festival Teatro de Rua “Grajaú é a Cidade” com a dramaturgia “Mulher de Retratos”:

 “…Estamos tristes com sua partida dessa vida… Que sua passagem seja tranquila e que seja recebida com alegria e festa de volta ao Orum…”

Nós da Periferia em Movimento agradecemos publicamente todo o aprendizado e acolhida dada a nós, por Dona Nalva Maria. Seguiremos no compromisso de cuidar de seu legado!

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