Obra abandonada do Rodoanel Norte isola bairro periférico do restante da cidade, denuncia documentário

Obra abandonada do Rodoanel Norte isola bairro periférico do restante da cidade, denuncia documentário

Idealizado por moradora do Sítio Botuquara, na região Noroeste, “Com quantas barreiras se constrói um território?” mostra particularidades e semelhanças de dificuldades do bairro com outras periferias

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Tempo de leitura: 7 minutos

Por Thiago Borges. Fotos: Coletivo Filmes Sem Nome

Dona Nilza Moreira Nunes morou por 50 anos no bairro Sítio Botuquara, que faz parte do distrito de Perus, zona Noroeste de São Paulo. Ela chegou com o marido de Campo Belo (MG), que veio trabalhar em pedreiras na região e fixou moradia ali, entre as montanhas da Serra da Cantareira.

Em 2013, porém, a moradora foi despejada e transferida para um apartamento de 45 metros quadrados em um prédio sem elevadores no Jaraguá. Outras 15 famílias também tiveram de se mudar. O motivo: a construção do trecho Norte do Rodoanel, que passaria sobre seu imóvel. Mas a obra está paralisada desde 2018, o que aumenta a frustração e a sensação de que a remoção “não serviu para nada”. No último dia 25 de abril, a concessionária Via Appia anunciou a retomada das obras.

“O Rodoanel atravessa a cidade em áreas de preservação e chegou com esse intuito colocado pelo Governo do Estado de que seria uma barreira [de proteção ambiental], e que depois dele não poderia ter ocupação. Mas o Rodoanel é como se fosse um imã de ocupação irregular, porque ele cria grandes áreas que ficam desocupadas depois da obra e passam a ser ocupadas por moradias”, observa a urbanista Thaline Nunes Rocha, de 25 anos.

Thaline é neta de dona Nilza. Ela cresceu nas ruas do Botuquara e se recorda da ação de despejo. Por muito tempo, sentiu vergonha de dizer de onde era até que se apropriou da própria história, que rendeu o trabalho final da graduação concluída em 2021.

Agora, essas lembranças também estão presentes no documentário “Com quantas barreiras se constrói um território?”, baseado na pesquisa e roteirizado por Thaline, Jader Monteiro (co-diretor e roteirista) e produzido com o coletivo Filmes Sem Nome.

O curta, feito com apoio do Programa VAI da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, foi lançado em março deste ano embaixo de um viaduto abandonado por onde deveriam passar carretas e automóveis. A próxima exibição acontece nesta quinta-feira (16/5), às 20h30, no Cine Taipas. O evento acontece no Espaço Cultural Libertário Fofão Rock’n Bar, que fica na Estrada Das Taipas, 3827, que fica no Jardim Alvina (zona Noroeste de São Paulo).

Assista o trailer:

Resgate

“Então, a gente vivia mesmo no meio do mato”. “A gente ia trabalhar, tinha que calçar um sapato e levar outro pra trocar e chegar no trabalho”. “A gente trabalhava e as mulheres ficavam em casa. Quem mais se ferrava eram as mulheres”.

Com frases como essas, pessoas que vivem há muito tempo neste bairro relembram histórias que são comuns a muitas periferias paulistanas que surgiram a partir das mãos de migrantes de outras regiões do País que vieram trabalhar em São Paulo.

O filme apresenta ainda fotografias de pessoas da comunidade, registros antigos de crianças e pessoas adultas em festas ou situações cotidianas.

A luz e a água chegaram clandestinamente. As casas foram construídas de forma irregular. A vida foi se instalando, com mais de 2 mil pessoas vivendo no local. Até que veio o Rodoanel modificando tudo.

“Em dias de obras, tocava uma sirene pra gente não sair de casa ou para não ter ninguém dentro do bairro porque poderia ter algum risco”, recorda Thaline.

A linha de ônibus que ligava o bairro à Estação Perus da CPTM foi extinta por “riscos” ao motorista (só ano passado, o serviço de transporte coletivo voltou ao local).

Apesar da proximidade com áreas urbanas, a geografia do local e o corte feito pela obra do Rodoanel provocam o que Thaline chama de “ilhamento social”, um território fragmentado  distante de periferias mais consolidadas.

“E isso impede muito o desenvolvimento social porque a gente não consegue sair, tem medo de voltar pra casa”, aponta Thaline.

Segundo ela, em contato com lideranças de outros bairros cortados pela obra, o histórico é similar: estupros, roubos e mortes povoam o canteiro de obras. Crianças já morreram afogadas em lagos de 10 metros de fundura abertos para drenar a água que corre das montanhas. E a urbanista é convicta de que o curso natural da água foi alterado, afetando inclusive a estrutura das casas.

No que descreve como “cenário de guerra”, pessoas escalam pilhas de entulho em busca do que sobrou, como portas, janelas, pedaços de ferro e madeira que possam ser reaproveitados – quase uma caça ao tesouro.

A diferença também é perceptível na fauna. O som emitido pelo macaco bugio, por exemplo, sumiu da paisagem. Por outro lado, o isolamento criou como uma “fenda temporal”: o ritmo diminuiu e pessoas voltaram a criar animais, como cavalos, e retomaram o cultivo de hortas.

Futuro

Para além das singularidades do Botuquara, o bairro tem questões em comum com outras regiões periféricas – um ciclo que se repete desde que há expansão em São Paulo.

Faltam equipamentos públicos em geral: de saúde, educação, cultura e lazer. Não há trabalho disponível para toda a população.

Em seu curso, Thaline desenvolveu uma proposta de desenvolvimento local, com uso das áreas remanescentes da obra do Rodoanel para escolas, parques, áreas de lazer e cultura, além da geração de renda baseada na sustentabilidade – como estímulo à agroecologia e cooperativas de reciclagem, que já existem no território.

O documentário é uma parte dessa estratégia de rearticulação local.

“Existe a necessidade de investimento no território, esse trabalho precisa ser ampliado. Não sei como serão esses diálogos, mas pretendo levar esse documentário para o Governo do Estado”, completa Thaline.

7 Comentários

  1. Leônidas Borges disse:

    É uma vergonha o descaso e o mal investimento do dinheiro do contribuinte

  2. Carl disse:

    Gostaria de saber quem foram os responsáveis por mais este clamoroso desperdício de dinheiro público.
    O quê vai acontecer com estas estruturas e se corre algum processo contra esse crime!

  3. Eliane disse:

    Desapropriaram mas se apropriaram das terras, pois não indenizaram os proprietários!

  4. Mario Aquino disse:

    Rouboanel, corrigindo a nomenclatura, este governo atual deve seus paulos pretos.

  5. Augusto disse:

    Sou terminantemente contra qualquer invasão desde a prefeitura desastrosa da Erundina que ficou essa poca vergonha ninguém mais trabalha para comprar nada querem tudo de graça usam o álibi da pobreza e invade terras sem planejamento algum depois compram automóveis vendem e invade dinovo verdadeira bagunça

  6. Jair Antonio Dias disse:

    Penso que essas pessoas que hoje criticam, no futuro entram para política e os moradores ficarão a ver navios.

  7. Luciana DE ANDRADE disse:

    É um absurdo nosso dinheiro se deteriorando, meu terreno foi “rasgado” no meio , sofro com invasão, já até anúncio de venda, o processo está em andamento ou seja, além da desapropriação, não fui indenizada, 2 fase de 2018, não terminou ficou um buraco que toda vez q chove forma um lago, simples assim, choro toda vez q chove, e um jogo de empurra DER, DERSA, MP, GOVERNO DO ESTADO, PREFEITURA ARUJÁ, ARTESP

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