A conta de água vai aumentar? Privatização da Sabesp preocupa lideranças comunitárias em São Paulo

A conta de água vai aumentar? Privatização da Sabesp preocupa lideranças comunitárias em São Paulo

Principal promessa de campanha do bolsonarista e atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), venda de empresa pode impactar periferias. Movimentos organizam plebiscito popular contra privatizações. Entenda!

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Tempo de leitura: 10 minutos

Por Thiago Borges. Arte: Rafael Cristiano

Tata Silva, de 51 anos, passou quase duas décadas com a incerteza da água na torneira. Moradora do Jardim Manacá da Serra, em Parelheiros (Extremo Sul da cidade de São Paulo), quando ela se mudou o bairro não era conectado à rede de abastecimento. Por isso, a comunidade dependia de poços, que secaram com o tempo. Entre 2015 e 2016, caminhões pipa da Prefeitura forneciam um limite diário à população, até que a Defensoria Pública do Estado conseguiu uma vitória judicial que determinou a regularização do serviço pela Sabesp – a empresa pública de água e saneamento paulista.

foto: Pedro Ariel Salvador / Periferia em Movimento

Hoje, quase 8 anos depois, o receio da torneira seca volta a rondar o Manacá da Serra. “A nossa maior preocupação é não ter acesso à água”, aponta Tata, que é presidente da Associação União de Moradores do bairro e coordenadora social do Movimento de Regularização Fundiária e Urbanismo. Dessa vez, o medo é do aumento da conta de água.  “Mesmo com a tarifa social, tem família que não consegue pagar. Então, imagina perder isso”, observa.

Com cobrança de R$ 35 por mês, a Tarifa Social Residencial é destinada a famílias de baixa renda, pessoas desempregadas, residentes em áreas irregulares e com consumo mensal de até 10 mil metros cúbicos. Estima-se que, na capital paulista, 11% dos lares (cerca de 1,3 milhão de pessoas) estejam inseridos nessa modalidade. Em todo o Estado, 20% da população paga menos na conta de água.

A cobrança diferenciada é possível pelo que a Sabesp chama de “subsídio cruzado”, em que a receita nas maiores cidades garante investimentos nos pequenos e médios municípios e em comunidades isoladas ou de baixa renda. Com a possível privatização, lideranças comunitárias, movimentos sociais e profissionais da própria empresa alertam para o risco da tarifa aumentar.

“No Rio de Janeiro, onde foi privatizada a Cedae, a tarifa social hoje é de R$ 70. Só aí você percebe que existe uma diferença muito grande [entre empresas pública e privada]”, explica Helena Maria da Silva, vice-presidente do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo).

Helena ressalta que, com o controle privado da Sabesp, a tendência é que o número de famílias beneficiárias da tarifa social diminua constantemente até acabar. Além disso, o a cobrança – social ou não – deve aumentar para todo mundo.

“A empresa hoje, como tem tido uma gestão pública, prioriza investimentos independente se é na Paulista, no Jardim Ângela ou Cidade Tiradentes. Quando passa para o controle privado, que visa o lucro, o que a gente tem visto no mundo inteiro é que a primeira coisa a fazer é aumentar a tarifa”, explica Helena.

A venda da Sabesp é uma das principais promessas de governo do bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), que também pretende passar à iniciativa privada o controle do Metrô e da CPTM. Atualmente, as linhas 4-amarela, 5-lilás, 8-diamante e 9-esmeralda já são administradas por empresas privadas – as duas últimas, aliás, registraram mais de 70 falhas em 2023, mais da metade entre todos os ramais metropolitanos.

No último dia 6 de setembro, organizações e movimentos populares lançaram um plebiscito popular contra a venda das companhias públicas paulistas e pretendem coletar mais de 1 milhão de assinaturas. Saiba mais aqui. Na zona Sul de São Paulo, um fórum contra privatizações vai realizar um ato às 6h da próxima quinta-feira (28/9), na avenida Senador Teotônio Vilela (altura do Passa Rápido Rio Bonito); e sindicatos prometem uma greve unificada em 3 de outubro.

Privatizar para quê, afinal?

Criada em 1973, a Sabesp é responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgotos de 375 municípios do Estado de São Paulo. Hoje, a empresa atende 30 milhões de pessoas, o que representa 70% da população paulista.

Atualmente, a Sabesp é uma empresa de capital misto. Apesar de ter acionistas privados, 50,3% estão sob controle do governo estadual. Tarcísio quer diminuir o percentual para 20%, colocando a instituição nas mãos de grupos particulares.

A previsão do governo é vender a empresa em 2024. A justificativa é adiantar a universalização dos serviços de 2033 para 2029. Hoje, a empresa tem 98% de cobertura no abastecimento, 90,7% na coleta de esgotos e 85% no tratamento. Sindicalistas do Sintaema dizem que o argumento não se sustenta, pois com recursos próprios que tem hoje já seria possível fazer essa antecipação – autossustentável, a Sabesp investe R$ 40 bilhões por ano no setor, um terço do que é aplicado em todo o Brasil.

Construção de adutora em 1976 garantiu água tratada a um milhão de pessoas (arquivo Sabesp)

Para ativistas, a venda da empresa também representa um risco à soberania da população paulista e à garantia do direito à água.

Helena chama atenção que, além da tarifa social, o interesse público faz com que a Sabesp atenda uma série de medidas gratuitamente – desde o envio de caminhão pipa a localidades fora da rede até o desentupimento de um ramal de esgoto. “A tarifa em geral pode até não subir, mas todos os serviços passarão a ser cobrados”, observa.

A venda da empresa pública também pode acarretar na qualidade da água fornecida, segundo a trabalhadora. “A Sabesp tem laboratórios específicos para cuidar da qualidade do material que usa no tratamento. Se o material for de baixa qualidade ela recusa, não faz licitação. Mas quando a empresa visa o lucro, é óbvio que vai baixar a qualidade do tratamento”, completa Helena.

Ela lembra ainda que, em tempos de crise hídrica, a Sabesp lançou campanhas de conscientização e deu desconto nas contas para quem reduzisse o consumo. Por outro lado, empresas privadas que fornecem energia elétrica gerada por usinas hidrelétricas adotam o modelo de “bandeiras”, com aumento temporário de tarifas em caso de secas.

Muda pra pior?

A Sabesp não é perfeita, é fato. Moradora do Grajaú (também no Extremo Sul), Nani Cruz, 64, lembra que, ainda hoje, muitas localidades na cidade de São Paulo não têm acesso à água tratada e milhares de pessoas convivem com os cortes de fornecimento.

“Aqui na zona Sul, a partir das 20h não existe água, a torneira seca, e a gente ainda se dá por glorioso quando tem. Mas sabemos de locais que têm água dia sim, dia não” – Nani Cruz, diretora nacional da Central de Movimentos Populares (CMP) e presidente do Centro de Proteção e Resgate à Cidadania Grajaú (Ceprosig).

Porém, o controle do Estado ainda permite que movimentos sociais e os territórios lutem por melhorias de interesse público. “Hoje, você faz essa luta, pressiona enquanto estatal. Depois que virar empresa privada, não consegue nem chegar na porta”, completa Nani.

Um dos exemplos da participação popular é o Programa Água Legal que, de 2017 a 2020, atendeu 145 mil famílias de 476 núcleos habitacionais. A iniciativa substitui as ligações clandestinas ou precárias – os famosos “gatos” – por ligações e hidrômetros da empresa, conferindo regularidade e qualidade no abastecimento.

Para movimentos por moradia, a medida tornou-se estratégica para assegurar a permanência em áreas ocupadas. No Jardim da União, bairro no Grajaú que surgiu a partir de uma ocupação em 2013, o Água Legal regularizou o acesso à rede em 2021 para 640 famílias.

“Tudo isso contribuiu para o nosso processo de regularização fundiária. Conquistar o acesso à água é conquistar nossa cidadania. É dizer ‘eu  sou gente, eu existo’ para o poder público”, salienta Jucineide Ivony, 43, presidente da Associação de Moradores do Jardim da União.

Com a possibilidade do medo do aumento da tarifa, ela teme que o saneamento não chegue a quem ainda não têm acesso. “Nós precisamos lutar juntos para que eles também conquistem esse direito. Se privatizar, esse sonho vai ficar muito mais difícil de conquistar”.

No Manacá da Serra, Tata diz que 60 famílias ainda utilizam “gatos” para ter água e ela acompanha mais de 200 famílias na região, entre Jardim Herplin e Anchieta, que também dependem de ligação clandestina. “Se privatizar, é aí que não vai ter chance mesmo”, completa.

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