Fotorreportagem de Vitori Jumapili. Revisão de texto: Thiago Borges
“Eu comecei a frequentar a várzea quando tinha uns 13 anos porque um dos meus irmãos mais velhos, o Scooby, sempre jogou muita bola. Aí eu comecei a assistir as finais dele dum time aqui da quebrada chamado Cruz Azul. Ele jogou por alguns anos lá, era capitão e tal. […] E depois que eu cresci mais um pouquinho, durante a adolescência, eu passei a jogar nesse time junto com ele”.
Por trás do manto
“É importante a gente jogar luz em um aspecto acerca da produção do uniforme e tal, que é o aspecto econômico, de como o time consegue financiar a produção de uniforme (…) [O time] estabelece relações econômicas com os comércios do bairro ou com políticos eleitos para conseguir a produção do seu material esportivo (…) Então, é o bairro se movimentando para que o time aconteça. É uma produção muito coletiva e tem esse lado da relação com políticos eleitos, que é muito comum”.
“Nesse movimento de mais profissionalização do futebol de várzea, a camiseta do jogo tá ficando com o básico. Vai um patrocínio, o escudo do time, a empresa que confecciona o uniforme e o número (…) Pelo menos do que a gente tem de referência, tem um aspecto muito mais profissional do que uma camisa de torcida, que leva uma ‘pá’ de elementos, leva frases que motivam a quebrada, leva o nome da quebrada…”
“Aí tem kits de atleta, que é o uniforme que o atleta usa para ir para o jogo, antes de vestir o uniforme de jogo. Também é diferente da camisa que a torcida usa. Às vezes, o time produz uma camiseta para bateria do time, por exemplo, porque tem isso também, né? As baterias que ajudam na agitação ali da arquibancada”.
As relações com cada peça
“O vínculo mais bonito entre os artigos esportivos, o uso da camiseta, para mim é do torcedor, porque ele tem orgulho de vestir a camiseta do time do seu bairro. Não é uma parada passageira, né, que ele vai acompanhar só no campeonato, não. Aquilo dali representa parte da vida dele mesmo”.
“O jogador ganha a roupa do time ali que ele tá indo jogar para frequentar os jogos durante aquele campeonato. Ele fica com aquela roupa, mas depois ele geralmente não volta mais naquele time”.
Identidade
“Uso porque amo, porque gosto, eu acho muito bonito e representa o lugar de onde eu venho, a cultura que eu tenho, no caso a cultura do futebol de várzea. A cultura à qual eu sou um sujeito que participa ativamente, que joga, que torce, produz.
E já tive contradição em momentos que passei a frequentar espaços mais centrais da cidade, onde as pessoas circulam de terno, gravata (…) Não me sentia bem, porque cê se sente deslocado memo do espaço, né? Por todos os motivos possíveis, inclusive pela vestimenta.
“Mas é importante a gente ir emancipando o nosso olhar, nossa consciência política, ao passo de que a gente passe a fazer questão de usar essa camiseta quando a gente vai lá e diz: ‘ó aqui, eu venho nesse lugar aqui, eu uso essa camiseta, essa é a minha cultura, e você que se foda aí com o seu olhar de preconceito, porque eu vou continuar usando ela cada vez mais pra vir aqui. Posso até deixar de usar ela na quebrada, mas para vir aqui agora eu faço questão de usar’. Também é um uso político da camiseta de se afirmar enquanto um sujeito de uma cultura específica, de um local específico. Então, faço questão”.
Pertencimento
O torcedor
“Tem uma camisa que fala sobre a minha relação de torcedor que é essa daqui (acima). Essa camiseta eu ganhei quando eu tinha uns 15, 16 anos, já tava jogando na várzea, mas assistia muito jogo também. E aí nesse time tinha um cara chamado Roninho, que era o maior craque assim da quebrada. O cara jogava muita bola, um absurdo, mano! Eu cheguei a jogar junto com ele também, mas ganhei essa quando ia assistir os jogos. Admirava muito ele, sempre dava uma atenção, nós trocava uma ideia e tal, aí um dia ele foi campeão de um campeonato, ganhou essa camiseta do time – ele só usava a camiseta 14. Ele guardou a peça, um dia me procurou no campo e falou: ‘Ó, essa camisa é um presente, tá?’”.
O elo familiar
“Essa camiseta também é especial para mim. É a camisa do Cruz Azul, que foi o primeiro time que eu joguei na várzea. E ela é legal porque eu jogava de volante no time junto com meu irmão, né? Foi um momento muito especial da vida no futebol, onde eu podia dividir um espaço íntimo de um setor do campo junto com meu irmão que era meu ídolo e tal”.
“E na verdade, eu nem jogava com a camiseta 8, eu jogava com a 5. Ele jogava com a 8. Mas quando eu peguei essa camiseta pedi para colocar o número 8, por conta dele. Eu gostava muito dele e ele jogava muita bola, então eu falei: ‘Tem que ser a 8!’”
A lembrança
“Essa camiseta que eu tô usando, por exemplo, é do Colorado do Jardim das Imbuias, lá no Jardim Iporanga [Extremo Sul de São Paulo]. Essa camiseta aqui, mano, é a que eu mais me sinto à vontade e gosto de usar, porque ela é uma camiseta que eu ganhei do Alisson, que é um moleque que eu conheci jogando na cidade de Nova Europa (SP), lá depois de Araraquara, quando tinha 16 anos”.
“A gente jogava num clube lá, aí conheci esse moleque, um moleque que era da mesma região que eu, jogando em outra cidade, e antes de a gente voltar, depois que a gente saiu do campeonato lá, ele me chamava de Bigode, e falou: ‘Bigode, leva essa camisa com você, mano’. Porra, nunca mais achei esse moleque, e ele mora no Iporanga, né? Nunca mais achei ele, mas porra essa camisa aqui é muito bonita e eu tenho muito orgulho também de usar ela. Acho ela linda e representa muito, né?”
Vitori Jumapili, Thiago Borges