Por Julia Vitoria (texto e fotos). Colaboração de Vitori Jumapili (fotos e edição de imagens). Edição de texto: Thiago Borges
Noite de quinta-feira, dia 9 de fevereiro. Maria Cristina Oliveira terminava o reparo nas fantasias inspiradas no jornal O Pasquim. A ala 10, que é chefiada por Tina (como é conhecida), vai abordar as charges dos jornais no desfile da Estrela do Terceiro Milênio.
É uma corrida contra o tempo para outra noite importantíssima, a deste sábado (18/2). Afinal, a escola de samba do Grajaú (Extremo Sul de São Paulo) estreia no grupo especial do carnaval paulistano. Com uma homenagem ao humor, 1.600 integrantes devem atravessar o sambódromo do Anhembi com direito a paradinhas da bateria.
“É o sonho do povo do Grajaú, né? E agora que a gente conseguiu, vamos trabalhar e mostrar que o Grajaú tem escola de samba, que o Grajaú tem comunidade”, conta Tina. Aos poucos, mais mulheres vão chegando para ajudar a finalizar as fantasias. A ala 10 tem 63 integrantes. “O povo aqui já está há bastante tempo [na escola], a maioria. A ala é só uma gotinha do que representa tudo aqui”, continua.
Fundada em 1998, a Estrela do Terceiro Milênio já disputou o carnaval em grupos de bairro até galgar posições mais altas. Entre quedas e ascensões, a inédita classificação para o grupo principal veio em 2022 com um samba enredo sobre as mulheres no samba – que são maioria na agremiação. Depois de 25 anos de trabalho, cada ala espera fazer história em 25 minutos – o tempo médio para os grupos percorrerem a avenida.
“Quem faz parte disso é porque ama. Tá por amor, entendeu? Então, se eu puder falar de referência de comunidade, eu pego elas duas”, diz Tina, sobre as colegas Sonia Melo, há muito tempo na escola responsável pela harmonia da ala 10, e Glória, imigrante colombiana que há 3 anos compõe o grupo.
Tina é a primeira da direita para esquerda, de jaqueta azul; e Soninha, a quarta, de camiseta rosa. O tema da ala 10 é “Nos jornais com as charges da democracia”
Carnaval é compromisso
Após sair do barracão em que acontecem as confecções, as fantasias vão para a quadra da escola localizada ao lado do Centro Cultural Grajaú para receber os reparos finais. Integrantes pegam as fantasias emprestadas e devolvem para a escola ao final do desfile.
Maria Lucia, 56, também fazia ajustes nas fantasias da ala 5, que retrata o personagem Don Quixote de Miguel de Cervantes. “Eu acompanhei o nascimento da escola e até hoje vou acompanhando e estou me sentindo a própria Rainha de La Mancha (risos)”, diz ela, que mora no Grajaú há 42 e chegou à agremiação por meio da nora.
“Tenho o samba na ponta da língua, gosto de tudo, mas tem uma parte que mexe comigo: ‘sou eu o gesto que faz sorrir, sou eu, sou eu comédia profana e sagrada…’. Sorriso, alegria! Pretendo seguir por muito tempo na escola”, promete.
O compromisso com o carnaval se expressa em diferentes histórias. O cabeleireiro Diego Domingues, 26, que o diga. Também morador da região, ele começou sua trajetória na escola de samba no dia de seu aniversário, em 2012. Naquele ano, Diego deixou a festa pra trás para participar de uma audição.
“Eu deixei a galera inteira em casa, cortaram o bolo para eles porque eu vim fazer uma audição para passar na comissão de frente. Acho que eu tive um dos maiores presentes da minha vida e, desde o Carnaval de 2012, eu faço parte dessa história linda”, lembra.
Depois da comissão, Diego já foi passista, destaque de carro, elemento surpresa e agora ele vem como muso, destaque de chão na frente do terceiro carro da escola, com o tema “televisão”.
“Eu sempre quis muito vir de muso em frente a uma alegoria. Então, para mim tá sendo uma honra eu poder realizar esse sonho, que no Carnaval a gente vê tantas mulheres na frente de carro e poucos meninos. E a Terceiro Milênio, que é a minha escola do coração, me dá essa oportunidade. Eu não tenho nem palavras para agradecer. Eu tenho muito orgulho na minha trajetória até aqui”, conta Diego, que falta a ensaios apenas por motivos de saúde ou situações impossíveis.
A organização começa muito antes do Carnaval. O cuidado vai desde a alimentação até a presença em todos os ensaios e atividades da escola. “A gente descansa mesmo aqueles 40 dias após o final, porque logo em seguida já começa toda uma preparação, porque já tem o aniversário da escola e todos os eventos”, explica Diego.
É essa insistência e amor que levou a Estrela do Terceiro Milênio a abrir os desfiles do grupo especial deste ano. A escola coleciona várias premiações, entre elas a de que recebeu após terminar seu último ensaio técnico no Sambódromo do Anhembi (03/02) de Melhor Harmonia de 2022.
Convivência e coletividade
O clima é de celebração. Para integrantes da Estrela do Terceiro Milênio, a vitória é uma certeza pela qualidade nas apresentações e integração entre componentes. No último ensaio no Anhembi, em 3 de fevereiro, a escola ganhou a premiação de Melhor Harmonia.
Aline Beatriz, 30, está na escola há 4 anos e nesse desfila como destaque e quer transmitir muita alegria após tudo o que passamos na pandemia. “Foi um momento de muita tristeza, então esse ano vem para alegrar, para mostrar para as pessoas que ainda tem como ser feliz, tem como sorrir”, diz ela, que mora no Capão Redondo e sempre traz a família nos ensaios. “Vem gente de todo lugar participar, Capão, Diadema. É maravilhoso!”.
Raul Lima, 30, desfila como o personagem Capitão Gay no carro 3. “Eu adorei minha fantasia, porque é um personagem que passou na vida de gerações. Nossa escola vai trazer uma experiência única para quem assistir”, aponta.
Coordenador da ala das Baianas, Francisco dos Santos, 57, que entrou como componente junto de sua esposa Maria dos Santos, 61. “São vários carnavais e esse ano chegamos com um tema que fala de alegria. É um prazer saber que está chegando no domingo e tem ensaio na quadra, [estar] reunido com o pessoal que a gente gosta. A gente vem aqui para ajudar a vestir as baianas, ensaiar as baianas”, diz ele.
Integrante da Terceiro Milênio há 17 anos, Deusa Maria de Souza, 68, faz parte da ala das baianas e vê a escola como um ambiente que promove a própria saúde mental.
“Eu amo a escola. Amo meu pavilhão, meus amigos e as baianas. O carnaval representa alegria, é tudo na minha vida. A escola não me deixa entrar em depressão, não me deixa ficar triste. É uma ocupação para não pensar nos problemas lá fora. Minha família toda já participou da escola”, completa.
Julia Vitoria, Vitori Jumapili, Thiago Borges