“Assassinaram meu filho”: Familiares das 9 vítimas de Paraisópolis marcham por justiça após 3 anos do massacre

“Assassinaram meu filho”: Familiares das 9 vítimas de Paraisópolis marcham por justiça após 3 anos do massacre

Em 2019, policiais militares invadiram Baile da DZ7 e encurralaram jovens em operação na favela da zona Sul de São Paulo. Até hoje, nenhum agente foi responsabilizado e preso pelas mortes

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Tempo de leitura: 9 minutos

Reportagem de Julia Vitoria, com fotos de Vitori Jumapili. Edição de texto: Thiago Borges

 “Eu sepultei meu filho acreditando que ele tinha sido pisoteado, mas hoje a gente sabe que não foi pisoteamento. Foi um massacre. Assassinaram meu filho. Não é fácil para mim estar aqui, mas eu estou porque Dennys Guilherme tem mãe”

Em lágrimas, Adriana Regina dos Santos desabafa no microfone. Ela é a mãe de Dennys, então com 16 anos quando morreu após uma emboscada realizada por policiais militares no Baile da DZ7. O chamado massacre de Paraisópolis deixou 9 vítimas, entre elas o adolescente, e completou 3 anos no dia 1 de dezembro de 2022.

No último sábado (3/12), debaixo de chuva, Adriana e outras mães, avós e familiares das vítimas fizeram uma Caminhada pela Verdade. O ato saiu da estação de metrô Capão Redondo, seguiu pela estrada de Itapecerica e terminou no Hospital Campo Limpo, para onde os corpos tinham sido levados naquela madrugada já sem vida. O ato foi puxado por movimentos de familiares de vítimas como Mães de Maio, Mães da Leste e Amparar, além de coletividades como a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e Fórum em Defesa da Vida, entre outros grupos (veja lista nos parágrafos a seguir).

Fernanda, que é irmã de Dennys, diz que foi somente lá que a família recebeu a notícia da morte. Mas todo o processo foi violentado: no Instituto Médico Legal (IML), impediram de reconhecer o corpo. A certeza aconteceu apenas no sepultamento, quando abriram o caixão e ela pode confirmar que de fato era seu irmão ali.

“Nós recebemos a notícia aqui que ele tinha sido morto, mas não recebemos as roupas dele até hoje. Eles disseram que não podia ver por possível contaminação. Eu não podia enterrar meu irmão com dúvida e, dentro do velório, pedi para que saíssem da sala para ver meu irmão. Isso para vocês verem o tamanho do descaso que sofremos até hoje”, conta.

 

Camburão

“Foi nesse hospital que fomos chegando pra ver a notícia. Os repórteres já estavam tudo aí. Foi nesse hospital aqui. Eles [policiais] já trouxeram todos mortos. Eles não deixaram as ambulância chegar [em Paraisópolis]. Eles mesmo que trouxeram dentro daquele camburão eles tudo morto”, lembra Alvina Fagundes da Silva.

Ela é avó da vítima Marcos Paulo, então com 16, e foi quem criou o neto desde os 3 anos de idade. A família morava no Jaraguá (zona Noroeste de São Paulo), mas depois do ocorrido Alvina se mudou para a baixada santista.

“Ele me chamava de ‘minha nega’. No ano em que aconteceu isso com ele, eu operei (…) e naquela semana, eu tive que parar o tratamento. Era ele quem me ajudava, me acompanhava. Foi um pedaço de mim que foi-se embora. Depois disso, eu que fui embora porque não aguentei mais”, relata, chorando.

Desde que Marcos foi enterrado, Alvina ainda não voltou ao túmulo do neto. Ela também evita fotos e notícias. Mesmo assim, chegou a São Paulo quarta-feira (30/11) para participar de todas as manifestações que aconteceram sobre os 3 anos do massacre – no dia 1, um ato interreligioso na Catedral da Sé rememorou o acontecimento.

“Aí as pessoas falam: ‘vai pra lá fazer o quê?’. Os familiares dos outros estão tudo aí, e não vai ter um do Marcos? Eu sempre tive amor por ele. Enquanto estiver aguentando, tiver vida, eu venho. Não é agora que eu vou largar ele. As pessoas falam assim porque nunca perderam um ente querido nessa situação. Quando é uma doença, até se for um acidente, você se conforma mais. Mas do jeito que foi, é muito difícil”.

O ato contou com movimentos de mães e familiares de outras vítimas da violência do Estado. É o caso de Celine (nome trocado a pedido da entrevistada), que também teve o filho de 16 anos assassinado em Paraisópolis. Mas o adolescente foi morto este ano, no dia 1º de outubro, com um tiro no pescoço que foi disparado por um PM. Celine teve acesso apenas à meia do filho e tenta conseguir gravações da câmera do hospital para descobrir o que fizeram com ele. Ela conta que muitas outras amigas também perderam entes em operações policiais na região – e tem medo do que pode acontecer com ela.

“Eu já coloquei grade no meu portão, para tentar ter mais segurança, sabe? Porque eles estão assim, invadindo a casa dos outros. Eu não vou aceitar. Só quero que o culpado pague por isso. Perder um filho destrói a vida da gente.”

Participaram da manifestação pessoas que militam ou integram movimentos, organizações e mandatos políticos como Mães de Maio, Mães da Leste, Cordão da Mentira , Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, CDHEP – Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo, Sociedade Santos Mártires, Coletivo Juntos, Rede Emancipa, Coletivo Comum, Fórum em Defesa da Vida, CONDEPE-Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Quilombo Periférico, Coletivo Juntas, REM – Rede Estudantil De Mobilização, Brasilandia Nossas Vidas Importam, , UJC – Uniao da Juventude Comunista, Mandato Sâmia Bomfim, Mandato Monica Seixas, Mandato Luana Alves, Defensoria Pública do Estado de São Paulo, CAAF – Centro de Antropologia Forense/Unifesp, Linhas de Sampa, Amparar, Frente Nacional de mulheres do Funk, Frente Estadual pelo Desencarceramento, Mandato Eduardo Suplicy, Democracia Corinthiana, Mandato Erica Malunguinho, Uneafro, Coalizão Negra, Comitê Brasilândia em Luta e Movimento de Defesa das Favelas.

Viela 

O Baile da DZ7 acontece há mais de 10 anos em Paraisópolis e é um dos maiores eventos da capital paulista. Frequentado por jovens de toda São Paulo, ele faz parte da programação de uma grande parcela de adolescentes que querem se reunir, tirar um lazer e curtir o funk.  O encontra toma as principais vias comerciais da região e, mesmo com o barulho, é apontado pela comunidade como fator determinante para o crescimento do comércio local.

Numa ação violenta e muito comum nos bailes, a Polícia Militar joga bombas gás lacrimogêneo, dispara balas de borracha e agride fisicamente para dispersar jovens e acabar com a aglomeração. Mas naquela madrugada de sábado para domingo, em 1 de dezembro de 2019, a PM foi ainda mais truculenta. Agentes encurralaram jovens em becos e fecharam as rotas de saída. Vídeos mostram policiais dando pauladas até em jovens com deficiência. Outros vídeos e relatos foram espalhados neste dia e todos evidenciando ações ilegais e violentas dos policiais.

A emboscada em becos e vielas deixou jovens com lesões na perna, corpo e rosto, segundo relatório do Corpo de Bombeiros. E além de Dennys Guilherme e Marcos Paulo, morreram Denys Henrique Quirino, Mateus dos Santos Costa, Eduardo Silva, Bruno Gabriel dos Santos, Luara Victoria Oliveira, Gabriel Rogério de Moraes, Gustavo Cruz Xavier, jovens de 14 a 23 anos de idade.

Segundo relatório, a PM afirmou que estaria perseguindo 2 homens que teriam disparado contra policiais e fugido de moto em direção a multidão. No entanto, o relato da comunidade conta que era impossível no meio de uma enorme multidão isso acontecer. Pessoas locais relataram na época que, desde o início do mês de novembro de 2019, as abordagens se tornaram mais constantes e o grau de agressividade por parte de agentes também aumentou. O Baile da DZ7 vinha se tornando um dos principais alvos.

O processo contra 12 policiais que estavam no local é uma disputa sobre o que aconteceu em 21 minutos – período de um apagão das comunicações entre as viaturas e a central da polícia. Áudios analisados pelo portal UOL revelam muitas contradições dos PMs envolvidos no massacre. Foi neste intervalo – entre 3h48 e 4h09 da madrugada – que policiais cercaram o quarteirão. Sem ter como fugir, uma parte da multidão estimada em até 8 mil pessoas correu para uma viela, onde foi encurralada. Nenhum policial foi preso até hoje.

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Reportagem de Julia Vitoria, com fotos de Vitori Jumapili. Edição de texto: Thiago Borges

 “Eu sepultei meu filho acreditando que ele tinha sido pisoteado, mas hoje a gente sabe que não foi pisoteamento. Foi um massacre. Assassinaram meu filho. Não é fácil para mim estar aqui, mas eu estou porque Dennys Guilherme tem mãe”

Em lágrimas, Adriana Regina dos Santos desabafa no microfone. Ela é a mãe de Dennys, então com 16 anos quando morreu após uma emboscada realizada por policiais militares no Baile da DZ7. O chamado massacre de Paraisópolis deixou 9 vítimas, entre elas o adolescente, e completou 3 anos no dia 1 de dezembro de 2022.

No último sábado (3/12), debaixo de chuva, Adriana e outras mães, avós e familiares das vítimas fizeram uma Caminhada pela Verdade. O ato saiu da estação de metrô Capão Redondo, seguiu pela estrada de Itapecerica e terminou no Hospital Campo Limpo, para onde os corpos tinham sido levados naquela madrugada já sem vida. O ato foi puxado por movimentos de familiares de vítimas como Mães de Maio, Mães da Leste e Amparar, além de coletividades como a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e Fórum em Defesa da Vida, entre outros grupos (veja lista nos parágrafos a seguir).

Fernanda, que é irmã de Dennys, diz que foi somente lá que a família recebeu a notícia da morte. Mas todo o processo foi violentado: no Instituto Médico Legal (IML), impediram de reconhecer o corpo. A certeza aconteceu apenas no sepultamento, quando abriram o caixão e ela pode confirmar que de fato era seu irmão ali.

“Nós recebemos a notícia aqui que ele tinha sido morto, mas não recebemos as roupas dele até hoje. Eles disseram que não podia ver por possível contaminação. Eu não podia enterrar meu irmão com dúvida e, dentro do velório, pedi para que saíssem da sala para ver meu irmão. Isso para vocês verem o tamanho do descaso que sofremos até hoje”, conta.

 

Camburão

“Foi nesse hospital que fomos chegando pra ver a notícia. Os repórteres já estavam tudo aí. Foi nesse hospital aqui. Eles [policiais] já trouxeram todos mortos. Eles não deixaram as ambulância chegar [em Paraisópolis]. Eles mesmo que trouxeram dentro daquele camburão eles tudo morto”, lembra Alvina Fagundes da Silva.

Ela é avó da vítima Marcos Paulo, então com 16, e foi quem criou o neto desde os 3 anos de idade. A família morava no Jaraguá (zona Noroeste de São Paulo), mas depois do ocorrido Alvina se mudou para a baixada santista.

“Ele me chamava de ‘minha nega’. No ano em que aconteceu isso com ele, eu operei (…) e naquela semana, eu tive que parar o tratamento. Era ele quem me ajudava, me acompanhava. Foi um pedaço de mim que foi-se embora. Depois disso, eu que fui embora porque não aguentei mais”, relata, chorando.

Desde que Marcos foi enterrado, Alvina ainda não voltou ao túmulo do neto. Ela também evita fotos e notícias. Mesmo assim, chegou a São Paulo quarta-feira (30/11) para participar de todas as manifestações que aconteceram sobre os 3 anos do massacre – no dia 1, um ato interreligioso na Catedral da Sé rememorou o acontecimento.

“Aí as pessoas falam: ‘vai pra lá fazer o quê?’. Os familiares dos outros estão tudo aí, e não vai ter um do Marcos? Eu sempre tive amor por ele. Enquanto estiver aguentando, tiver vida, eu venho. Não é agora que eu vou largar ele. As pessoas falam assim porque nunca perderam um ente querido nessa situação. Quando é uma doença, até se for um acidente, você se conforma mais. Mas do jeito que foi, é muito difícil”.

O ato contou com movimentos de mães e familiares de outras vítimas da violência do Estado. É o caso de Celine (nome trocado a pedido da entrevistada), que também teve o filho de 16 anos assassinado em Paraisópolis. Mas o adolescente foi morto este ano, no dia 1º de outubro, com um tiro no pescoço que foi disparado por um PM. Celine teve acesso apenas à meia do filho e tenta conseguir gravações da câmera do hospital para descobrir o que fizeram com ele. Ela conta que muitas outras amigas também perderam entes em operações policiais na região – e tem medo do que pode acontecer com ela.

“Eu já coloquei grade no meu portão, para tentar ter mais segurança, sabe? Porque eles estão assim, invadindo a casa dos outros. Eu não vou aceitar. Só quero que o culpado pague por isso. Perder um filho destrói a vida da gente.”

Participaram da manifestação pessoas que militam ou integram movimentos, organizações e mandatos políticos como Mães de Maio, Mães da Leste, Cordão da Mentira , Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, CDHEP – Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo, Sociedade Santos Mártires, Coletivo Juntos, Rede Emancipa, Coletivo Comum, Fórum em Defesa da Vida, CONDEPE-Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Quilombo Periférico, Coletivo Juntas, REM – Rede Estudantil De Mobilização, Brasilandia Nossas Vidas Importam, , UJC – Uniao da Juventude Comunista, Mandato Sâmia Bomfim, Mandato Monica Seixas, Mandato Luana Alves, Defensoria Pública do Estado de São Paulo, CAAF – Centro de Antropologia Forense/Unifesp, Linhas de Sampa, Amparar, Frente Nacional de mulheres do Funk, Frente Estadual pelo Desencarceramento, Mandato Eduardo Suplicy, Democracia Corinthiana, Mandato Erica Malunguinho, Uneafro, Coalizão Negra, Comitê Brasilândia em Luta e Movimento de Defesa das Favelas.

Viela 

O Baile da DZ7 acontece há mais de 10 anos em Paraisópolis e é um dos maiores eventos da capital paulista. Frequentado por jovens de toda São Paulo, ele faz parte da programação de uma grande parcela de adolescentes que querem se reunir, tirar um lazer e curtir o funk.  O encontra toma as principais vias comerciais da região e, mesmo com o barulho, é apontado pela comunidade como fator determinante para o crescimento do comércio local.

Numa ação violenta e muito comum nos bailes, a Polícia Militar joga bombas gás lacrimogêneo, dispara balas de borracha e agride fisicamente para dispersar jovens e acabar com a aglomeração. Mas naquela madrugada de sábado para domingo, em 1 de dezembro de 2019, a PM foi ainda mais truculenta. Agentes encurralaram jovens em becos e fecharam as rotas de saída. Vídeos mostram policiais dando pauladas até em jovens com deficiência. Outros vídeos e relatos foram espalhados neste dia e todos evidenciando ações ilegais e violentas dos policiais.

A emboscada em becos e vielas deixou jovens com lesões na perna, corpo e rosto, segundo relatório do Corpo de Bombeiros. E além de Dennys Guilherme e Marcos Paulo, morreram Denys Henrique Quirino, Mateus dos Santos Costa, Eduardo Silva, Bruno Gabriel dos Santos, Luara Victoria Oliveira, Gabriel Rogério de Moraes, Gustavo Cruz Xavier, jovens de 14 a 23 anos de idade.

Segundo relatório, a PM afirmou que estaria perseguindo 2 homens que teriam disparado contra policiais e fugido de moto em direção a multidão. No entanto, o relato da comunidade conta que era impossível no meio de uma enorme multidão isso acontecer. Pessoas locais relataram na época que, desde o início do mês de novembro de 2019, as abordagens se tornaram mais constantes e o grau de agressividade por parte de agentes também aumentou. O Baile da DZ7 vinha se tornando um dos principais alvos.

O processo contra 12 policiais que estavam no local é uma disputa sobre o que aconteceu em 21 minutos – período de um apagão das comunicações entre as viaturas e a central da polícia. Áudios analisados pelo portal UOL revelam muitas contradições dos PMs envolvidos no massacre. Foi neste intervalo – entre 3h48 e 4h09 da madrugada – que policiais cercaram o quarteirão. Sem ter como fugir, uma parte da multidão estimada em até 8 mil pessoas correu para uma viela, onde foi encurralada. Nenhum policial foi preso até hoje.

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