10 anos da Lei de Cotas: Política pública que mudou a cara das universidades precisa ser mantida e melhorada, diz pesquisa

10 anos da Lei de Cotas: Política pública que mudou a cara das universidades precisa ser mantida e melhorada, diz pesquisa

Graças à luta principalmente do movimento negro, o acesso ao ensino superior público aumentou (inclusive pela ampla concorrência) e alterou perspectivas da juventude. Com possível revisão neste ano, grupo de pesquisa defende aprimoramentos. Entenda!

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Foto em destaque: aula inaugural de cursinho popular da Uneafro Brasil

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que a reserva de vagas para grupos específicos nas universidades era uma medida dentro da Constituição. No mesmo ano, a então Presidenta da República Dilma Rousseff (PT) sancionou a Lei Federal de Cotas. Passou-se uma década, com campanhas contrárias e até mentirosas de uma parcela da sociedade. Mas o tempo é importante para revelar os resultados positivos dessa política pública.

Em 2001, apenas 31% das vagas em universidades públicas eram ocupadas por pessoas pretas, pardas e indígenas; e somente 19% de estudantes eram das classes C, D e E, a parcela mais pobre da população. Em 2020, tanto o número de pessoas de origem mais pobre quanto negras e indígenas saltou para 52% das matrículas nas universidades públicas.

Agora, é preciso continuar avançando.

É o que aponta a pesquisa apresentada na última quinta-feira (11/8) pelo Consórcio das Ações Afirmativas (CAA). O grupo foi criado no ano passado para produzir dados e análises sobre as cotas e articula núcleos de pesquisa em 7 instituições: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Segundo o CAA, a política alterou a perspectiva de uma grande parcela de jovens. A lei também ampliou o número de vagas no ensino superior em geral, ou seja, quem tentou ingressar na ampla concorrência também se beneficiou dela. “A política [de cotas] mudou a forma como as pessoas investem no ensino médio, como buscam o ensino superior”, observa Marcia Lima, professora da USP e pesquisadora que coordena o Afro-Cebrap, núcleo de pesquisa em gênero e raça do  Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

A lei prevê uma revisão do seu funcionamento após 10 anos, mas sem explicar por quem deve ser realizada. No entanto, o pesquisador Luiz Augusto Campos, da UERJ, aponta que a revisão da Lei de Cotas não significa sua extinção. “Se não for modificada, a Lei de Cotas continua valendo até que haja um projeto de lei contrário”, explica. Além disso, todos os resultados exitosos, a aprovação de grande parcela da população e a autonomia das universidades são fatores que favorecem a manutenção dessa política.

Luta antiga

Apesar da Lei de Cotas ter apenas uma década de existência, a luta pelo acesso à educação é pauta histórica do movimento negro brasileiro. Afinal, em 1992, 73% das matrículas nas universidades públicas do País eram de estudantes de origem abastada.

A professora e doutora Sueli Carneiro, fundadora do Instituto Geledés da Mulher Negra, lembra que em 1995 a Marcha de Zumbi dos Palmares entregou um documento ao então governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) cobrando políticas públicas para a população negra.

“É preciso resistência nesses campos de batalha para continuar avançando na proposição de políticas públicas”, destacou ela, durante o seminário sobre os 10 anos das Cotas.

Somente em 2002, a UERJ implantou a primeira medida de reserva de vagas entre universidades públicas brasileiras. Nos anos seguintes, outras instituições adotaram políticas semelhantes. Em 2007, pelo menos 40 universidades públicas brasileiras já tinham alguma cota.

Pouco antes disso, em 2005, houve um importante aumento no acesso a faculdades particulares com a criação do ProUni e do FIES (financiamento estudantil), que garantem bolsas e financiamento estudantil com base nos critérios sociais e raciais.

Em 2012, quando finalmente foi sancionada a Lei Federal, mais de 80% das instituições já tinham cotas. E em 2019, eram 105 com ações afirmativas no País. A legislação apenas uniformizou os critérios de entrada nas universidades federais.

E, ao contrário do que é difundido, a cor ou raça da pessoa não é são o primeiro filtro de entrada.

Metade das vagas de todos os cursos são reservadas a estudantes que vêm de escolas públicas. E entre essas vagas, metade delas são voltadas a estudantes de baixa renda. Somente depois desse critério é que aplica-se a regra racial, que é baseada na composição da população do Estado em que fica aquela instituição. No Estado de São Paulo, por exemplo, com base no Censo de 2010, 34,7% dessas vagas devem ser destinadas a pessoas pretas, pardas ou indígenas.

O que temos e para onde vamos

A pesquisa nota uma diferença nas notas de corte para entrada nos processos seletivos: pessoas pretas, pardas e indígenas e de baixa renda em geral tem desempenho menos satisfatório do que a média de outras pessoas oriundas de escola pública ou que disputam pela ampla concorrência. Porém, essa defasagem se dilui ao longo da graduação e a média de desempenho de igual independente da forma de ingresso de cada estudante.

O grupo chama atenção para a necessidade de ter cotas baseadas em aspectos socioeconômicos e raciais pelo fato de que as desigualdades sociais no Brasil são múltiplas.

Diante de dificuldades de permanência de um grande número de estudantes que evadem (em especial, homens negros), e de vagas reservadas em cursos de prestígio (como o de Medicina na UFBA), o CAA aponta 10 recomendações para aperfeiçoar a política de Cotas no País:

  • Manutenção e expansão do sistema que combina reserva de vagas com base em critérios socioeconômicos para estudantes de escola pública e baixa renda, com cotas raciais para estudantes de cor preta e parda
  • Criação de programas específicos para as populações indígenas,quilombolas e pessoas com deficiência, com vagas superiores à proporção desses grupos nos estados e desatreladas das cotas para quem vem de escolas públicas
  • Revisão do teto de 1,5 salário mínimo per capita para cotistas de baixa renda
  • Constituição de um sistema de dados abertos, transparentes e desidentificados, que possibilite compreender as mudanças no perfil da demanda por ensino superior; a trajetória dentro do sistema de ensino e o perfil de concluintes
  • Constituição de uma política federal de incentivo à permanência estudantil que viabilize a conclusão do curso em tempo regular, aumentando as chances de inserção no mercado de trabalho, e que vá além de uma política de bolsas
  • Proposição de uma lei específica sobre ações afirmativas na pós-graduação
  • Estudos sobre as comissões de heteroidentificação que permitam identificar sua importância e impacto no aprimoramento dainclusão etnico-racial
  • Estudos sobre o impacto das ações afirmativas nos cursos mais seletivos, combinando abordagens quantitativas e qualitativas
  • Estudos sobre as mudanças no perfil da demanda por ensino superior à sua conclusão, considerando não apenas o perfil de quem se beneficiou de ações afirmativas, mas também da ampla concorrência
  • Estudos comparativos das ações afirmativas nas instituições federais e estaduais de ensino superior procurando identificar semelhanças, diferenças e impactos

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