Saturação em Paraisópolis: Quando a população paga a conta

Saturação em Paraisópolis: Quando a população paga a conta

Residentes da maior favela de São Paulo denunciam repressão policial após casos de grande repercussão midiática

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Tempo de leitura: 8 minutos

Colaboração de Julia Vitoria (texto e fotos). Edição de Thiago Borges

“O drama da cadeia e favela: túmulo, sangue, sirene, choros e velas”. 

Os versos cantados por Racionais MCs continuam fazendo sentido para explicar o que vira e mexe a população de Paraisópolis sofre: a brutalidade policial logo após casos de grande repercussão midiática. Desde junho, a favela que fica incrustada na região de imóveis caros do Morumbi (zona Sul de São Paulo) vivencia a operação Saturação, que tem causado pânico entre habitantes. 

“Eu tenho 4 crianças; 3 delas estavam brincando na viela. Os caras empurraram meus filhos para dentro de casa, me puxaram pelo braço e ficaram me oprimindo na porta de casa, na frente dos meus filhos”, diz um morador que não quis se identificar.

Na terça-feira passada (dia 29 de junho), ele foi às ruas contra a violência. “A gente está com o protesto porque a gente não aguenta mais ser oprimido na porta de casa, de não poder sair nem para comprar um pão para as crianças”.

Ato pela paz e contra violência policial em Paraisópolis (Foto Julia Vitoria)

A manifestação foi organizada pela Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio e o G10 Favelas. Com bexigas brancas e cartazes pedindo justiça, mães, crianças, jovens e idosos pediram fim à violência praticada pela Polícia de São Paulo na favela. Também foram lembrades e homenageades 9 jovens mortes em ação policial no baile da DZ7, em 2019.

“A gente entende que o papel da polícia é trazer segurança. Nós não somos contra o trabalho policial, mas a gente é contra a polícia praticar violência, oprimir a população”, observa Elizandra Cerqueira, líder comunitária e empreendedora no restaurante Mãos de Maria

Vídeos enviados para a nossa reportagem mostram cenas de agressão. Um deles é adolescente e está no chão com policiais em cima, gritando por socorro à mãe que assiste a tudo sem poder se aproximar. Logo após o vídeo ser compartilhado e saído em reportagens, vizinhos contam que a polícia voltou a casa do adolescente. Com medo, ele não quis falar sobre o assunto. 

Um morador que estava presente na manifestação e não quis se identificar conta que poucos dias antes havia sido agredido por policiais. Ele acredita que 20 a 30 moradores devem já ter sofrido abordagens parecidas durante o período de ocupação da PM em Paraisópolis. 

Sobre as denúncias, a Ouvidoria da Polícia Militar não respondeu aos contatos até a publicação deste texto. Em nota enviada à reportagem da Periferia em Movimento, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo apresenta o “saldo” da operação:

“Desde 15/06, a Polícia Militar está em Paraisópolis com a Operação Saturação, que tem objetivo de intensificar o policiamento e garantir a segurança na região. Os policiais prenderam 19 criminosos em flagrante, recapturaram oito procurados pela Justiça e apreenderam sete menores infratores. Mais de 293 quilos de drogas foram apreendidos, 236 veículos vistoriados e quatro armas ilegais retiradas das ruas, até o dia 25.  A Corregedoria da instituição está à disposição para receber e apurar todas as denúncias”. 

O medo vende

A repressão entrou em cena após o desaparecimento de Julia Renata Garcia e Claudia Cristina Pinto, que foram vistas pela última vez no dia 3 de junho em uma festa que acontecia na região. Os corpos das vítimas foram achados 12 dias depois no quilômetro 48 do Rodoanel, na divisa entre São Paulo com Itapecerica da Serra. Segundo informações da investigação, o dono da boate onde a festa aconteceu é um dos investigados pelo crime.

Acontece que, desde então, a polícia tem invadido casas, agredido adolescentes, ameaçado e abordado de forma irregular quem mora Paraisópolis.

“A gente tá sentado na esquina, dando banho de sol na criança, não pode. Eles mandam entrar, isso se não bater, né. A gente não sabe o que aconteceu, a gente não sabe de nada. A gente está aqui [na manifestação] pra ter respeito mesmo”, conta mais uma moradora não identificada.

“A gente nem tava sabendo disso aí. Ficamos sabendo pela TV igual todo mundo. Isso não foi coisa da gente”, aponta outra moradora.

A busca pelos culpados e a operação têm sido televisionada por grandes mídias, com manchetes como “agora: polícia cerca Paraisópolis”. Durante as transmissões ao vivo que acontecem nos finais da tarde, se via policiais com cavalos, carros da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) pelas ruas e alguns grupos da PM a pé correndo atrás de outras pessoas. 

“A mídia possui papel relevante na propagação da violência e na disseminação do medo e insegurança, pois realiza tal propagação com a transformação dos fatos, os tornando atrativos e chocantes ao público – a espetacularização da mídia –, sendo essa atitude geradora do medo e da insegurança. Por isso, a “mídia é amplamente reconhecida como um elemento estratégico na produção simbólica das violências”, observa Theophilos Rifiotis, professor do Departamento de Antropologia da da Universidade Federal de Santa Catarina, em um texto sobre imprensa e violência policial.

Durante o protesto, manifestantes pediam para a Record TV (que estava fazendo a cobertura) parar de associar o ato às mortes das duas jovens. O objetivo da manifestação era o fim da repressão policial contra quem mora na comunidade, que mesmo dizendo não saber ou ter informações sobre esse caso vêm sendo associades diretamente a ele. 

“A polícia acaba atuando na favela de uma forma muito mais violenta do que ela atua nos bairros. Os meios de comunicação passam como se nas favelas fosse os lugares onde ocorrem diversos crimes, como se as pessoas que morassem aqui na periferia fossem bandidos, fossem criminosos – o que não é verdade”, ressalta André Lozano, advogado criminalista que acompanhou o ato.

Ato pela paz e contra violência policial em Paraisópolis (Foto Julia Vitoria)
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