O sinal não toca. Crianças e adolescentes não correm nem conversam alto pelos corredores. Professores não entram em debate habitual da sala de convivência. Sem gente nem barulho, a escola é apenas mais um prédio sem vida.
“Parece o apocalipse”, diz Teresa*, que trabalha na gestão de uma escola municipal na região do Grajaú, Extremo Sul de São Paulo. Com medo de represálias, a trabalhadora teve sua identidade preservada pela reportagem.
“Se puder, fique em casa”, dizem os anúncios na TV e o carro de som que circula em ruas das periferias. Desde o início da pandemia, a Periferia em Movimento tem recebido queixas e denúncias de quem atua no serviço público diante das medidas tomadas pelas autoridades.
A quarentena é a estratégia utilizada para frear a covid-19. E por determinação da Prefeitura da capital e do Governo do Estado de São Paulo, desde segunda-feira (23/03) escolas municipais e estaduais entraram em férias – mais uma medida para evitar aglomerações e prevenir o avanço do coronavírus entre a população. Na terça-feira (24/03), o fechamento de comércios e serviços não-essenciais passou a vigorar em todo o Estado.
Mas o recesso e o isolamento não valem para todos.
Escolas-fantasma
Desde o início de março, o avanço do coronavírus já era uma preocupação na escola em que Teresa trabalha. A direção cogitava suspender uma festa e preparava um pedido para as famílias doarem álcool gel, já que a escola não tinha em estoque.
Com a decretação de estado de emergência, pais alarmados questionavam se ainda podiam enviar os filhos para as aulas na semana do dia 16 de março, terceirizados (como equipes de limpeza e cozinha) se perguntavam se perderiam o emprego e professores não sabiam o que fazer.
“Até quarta (18/03), houve aluno. Quinta e sexta, os professores foram até a unidade mas adiantaram seu trabalho”, diz Teresa. “Algumas professoras estavam cortando figuras para atividades de desenho de interferência – praticamente os músicos da banda do Titanic [tocando enquanto o navio afundava]”.
Enquanto estudantes e professores entraram em férias, já que o recesso de julho foi adiantado, os demais funcionários (como direção e quadro de apoio, como secretários e inspetores) seguiram trabalhando. O decreto da Prefeitura dispensou pessoas no grupo de risco (maiores de 60 anos, com outras doenças crônicas, com sintomas gripais e gestantes e lactantes) e determinou a presença de 02 trabalhadores por dia, em esquema de rodízio, para “guardar” o prédio – o que gerou indignação na categoria.
“A educação, neste momento, não configura serviço essencial. Não faz sentido manter gestores e quadro de apoio nas escolas correndo riscos de contaminação, que pode ocorrer no trânsito até as unidades e no contato de pessoas que estarão dentro das unidades”
Leticia Grisolio Dias, diretora de uma escola municipal na Capela do Socorro e dirigente do Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp)
Para Cleiton Gomes da Silva, que é secretário-geral do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), colocar gestores e quadro de apoio para resguardar o prédio público é “desvio de função”.
“Se é esse o objetivo [para manter pessoas trabalhando], é só fechar escola e fazer uma ronda da Guarda Civil ou da Polícia Militar”, diz. Cleiton alerta ainda que, com mais de 90% do funcionalismo da educação formado por mulheres, ao deixar 02 pessoas sozinhas em cada escola a Prefeitura expõe trabalhadoras à violência de gênero.
Tanto o Sinesp quanto o Sinpeem cobram a dispensa de todos os funcionários. Enquanto isso, Teresa se adapta: com pais idosos e filho pequeno, ela tem o “sapato da rua”, que deixa na porta antes de entrar em casa; e assim que chega, toma banho e coloca a roupa pra lavar.
“Estamos lá, propícios a sermos assaltados, esperando que o vírus nos encontre. É triste! É desumano! Isso tudo pra quê? Pra guardar a escola”.
Teresa*, que trabalha na gestão de escola municipal no Extremo Sul de São Paulo
Enquanto isso, na sede da Prefeitura…
A recomendação para empresas privadas é promover o teletrabalho. Apesar disso, se você ligar em várias das secretarias municipais de São Paulo, vai encontrar servidores desempenhando trabalhos administrativos de dentro dos escritórios.
O decreto assinado pelo prefeito Bruno Covas abre margem para o teletrabalho em serviços não essenciais, mas depende de cada secretaria estabelecer como isso vai acontecer. Algumas secretarias já liberaram funcionários, enquanto outras pedem um plano de trabalho para a liberação. Enquanto isso, a Prefeitura orienta o rodízio de trabalhadores para reduzir o perigo de contágio. Por outro lado, o decreto não dá diretrizes sobre trabalhadores terceirizados nas funções de limpeza, copa e secretaria, por exemplo.
“Se a própria Prefeitura mantém um alto risco de contágio nos seus corredores, elevadores e gabinetes, qual o exemplo que ela dá às demais empresas do município? ”, questiona Rosana*, funcionária comissionada que trabalha no mesmo prédio que o prefeito Bruno Covas, que trata um câncer e mora na sede da Prefeitura desde a decretação de emergência. Rosana também teve sua identidade preservada.
Outro lado
Questionada, a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Paulo limitou-se a enviar um link que direciona para uma página com notícias das principais medidas tomadas diante da pandemia. Veja aqui.
Thiago Borges