Reportagem de Carolina Messias. Edição de texto por Thiago Borges. Foto em destaque: Adimildo Martinho
Quando foi a última vez que você sentou, refletiu e conversou sobre a real situação da violência que afeta seu bairro ou sobre a importância de cuidar e zelar por nossos corpos? Pare e pense.
Localizado na Zona Sul de São Paulo, o Cemitério São Luiz ficou marcado como destino de milhares pessoas que morreram vítimas da violência e violação de direitos na região, principalmente nos anos 1990. O que mudou desde então?
O assunto foi debatido em setembro durante a FELIZS (Feira Literária da Zona Sul), com a participação do Padre Jaime Crowe e Frei Betto. Eles abordaram a violência comunitária, a irrelevância de ver mais um corpo no chão ou a invisibilidade daquele morador de rua que fica em frente ao supermercado da rua de cima.
Na madrugada do dia 16 de setembro, véspera do evento, houve uma chacina de 03 homens no Jardim Ângela que não foi noticiada pela mídia.
“Se fossem 03 jovens de Moema, Paraíso ou Jardins todo mundo estaria sabendo. Mas como são de periferia, tem um suspiro de alívio aí que diz: 03 a menos para nos assaltar”, aponta o Padre Jaime, que possui vivência na região desde o final do século passado. Desde sua chegada no Jardim Ângela, ele tem lutado para diminuir o impacto da violência no bairro.
Cansado de enterrar pessoas e rezar missas de sétimo dia sem qualquer resposta do Estado para a situação da região, em novembro de 1996 Padre Jaime organizou a Caminhada pela Vida e pela Paz, com um trajeto da igreja ao cemitério que mobilizou 5 mil pessoas.
Ao notar que corpos de pobres, pretos e periféricos são alvo principal da violência do Estado contra a população, também ajudou a criar o Fórum em Defesa da Vida – grupo que é composto por mais de 200 organizações sociais e entidades da região, que ganham poder de reivindicação diante do governo.
Neste sábado (02 de novembro), feriado de Finados, acontece mais uma caminhada. Às 08h da manhã, moradores se concentram em 03 pontos diferentes da região: na Paróquia Santos Mártires (rua Luís Baldinato, 9 – Jardim Ângela), no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular – CDHEP (rua Dr. Luís da Fonseca Galvão, 180 – Capão Redondo) e no CEU Casablanca (rua João Damasceno, 85). De lá, seguem para o Cemitério São Luiz.
Afinal, depois de 24 anos de luta, a violência continua ceifando vidas. Um levantamento do G1 mostra que aconteceram 27,5 mil homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte no Brasil entre janeiro e agosto de 2019; no mesmo período de 2018, foram 35,4 mil. Segundo a reportagem, no Estado de São Paulo também registrou queda no total de homicídios (482 contra 499 em 2018) e latrocínios (29 contra 45 no ano passado).
Por outro lado, o impacto maior recai sobre a juventude negra, segundo o Atlas da Violência publicado este ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Instituto de Pesquisas e Estatística Aplicada. Enquanto. Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídio no Brasil eram negras. De 2007 a 2017, a taxa de homicídios subiu 33,1% entre negros e 3,3% entre não negros. Entre as vítimas, mais de 53% tinham até 29 anos de idade. Desde 2007, o índice subiu 37,5%.
Além disso, o encarceramento no país apontam que a população carcerária passou 232 mil em 2000 para 744 mil no ano passado – o que coloca o Brasil como o 3º país que mais prende no mundo, atrás apenas de China e Estados Unidos. Dois terços dos presos são negros. A cidade de São Paulo prende 52% a mais do que a média nacional.
Preso pela ditadura militar em 1964 e entre os anos de 1969 e 1973, Frei Betto viu facadas e mortes, torturas e mortes violentas dentro do cárcere. E, para ele, que é envolvido em movimentos pastorais e sociais, pouca coisa mudou com a redemocratização do País. “Vivemos uma época de encarceramento massivo da população pobre, negra e da periferia. Vencemos a época da ditadura, mas sabemos que hoje vivemos um período muito difícil.”
Redação PEM