A escola, a juventude, o funk e a periferia de São Paulo

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Tempo de leitura: 5 minutos

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*Por Alexandre Barbosa Pereira (foto), professor da Unifesp e pesquisador do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo (NAU/USP)

Gostaria de discutir aqui a realidade da educação dos jovens a partir de pesquisa que fiz em escolas de ensino médio em bairros da periferia de São Paulo para o meu doutorado, que pode ser acessada aqui.

Sempre se aborda os problemas da escola atual a partir da chamada “violência escolar”, entendida principalmente como a violência dos jovens e/ou do entorno da escola, mas pouco se fala sobre as violências exercidas pela instituição escolar, que estigmatiza os alunos e, muitas vezes, os condena ao fracasso escolar. O fato é que para se pensar a escola atualmente é preciso refletir profundamente sobre quem são as crianças e os jovens que a frequentam. Da mesma forma como não se pode também prescindir de abordar a instituição escolar para se discutir as crianças e os jovens na contemporaneidade.

O historiador Philippe Ariès, com o objetivo de demonstrar o novo lugar assumido pela criança e pela família nas sociedades industriais, evidencia como a ideia de criança – e consequentemente a de juventude – é construída historicamente, afirmando a importância da instituição escolar nesse processo. Por outro lado, muitos professores com os quais conversei durante a pesquisa afirmaram que encontravam muitas dificuldades para trabalhar com a juventude contemporânea ou com “Essa geração atual”, como me revelou um professor.

Além disso, muitos educadores que estão nas escolas públicas de ensino médio (mas também em muitas particulares, é bom que se diga), ao lerem esse texto, lembrarão do efeito potente que um telefone celular, tocando o famoso funk carioca ao fundo da sala, pode ter para desestabilizar o que se previu para organizar a aula ou mesmo a escola de uma maneira geral. O que demonstra que além de serem uma invenção histórica propiciada fundamentalmente pela escola, os jovens/estudantes de hoje estão reinventando a escola.

Devemos, portanto, atentar para o quanto a dimensão estudantil entrelaça-se com a juvenil, ambas a atuarem modificando-se reciprocamente. Evidenciando-se, assim, que tanto a condição juvenil como a estudantil são construções sócio-históricas que, portanto, se modificam no tempo e no espaço. Os jovens de hoje não são os mesmos de meio século atrás, o mesmo para o que entendemos por ser aluno. Categorias como infância e juventude não podem ser entendidas a partir de padrões de homogeneidade, pois compreenderiam diferentes vivências, a condição de aluno também não o poderia, pois seria da mesma forma vivenciada de maneiras diversas, conforme outras categorias como gênero, classe social, raça ou território.

Em julho, tivemos a triste notícia da morte do Mc DaLeste, artista do funk paulista, que foi assassinado no palco fazendo seu show em uma quermesse de um bairro pobre na periferia de Campinas. Mc DaLeste trazia em seu nome artístico a marca desse estigma, agora revalorizado. O Da Leste, não se refere a qualquer região leste, mas indica que ele era um morador da periferia de São Paulo, em seu extremo leste.

Trago aqui esse fato ocorrido com o Mc DaLeste para reforçar a necessidade das escolas, principalmente aquelas nos bairros da periferia de São Paulo, atentarem mais para as práticas juvenis, se não as aceitando plenamente de modo a colocar em risco certa ordem educacional, pelo menos não as condenando de antemão. O ideal seria estabelecer um diálogo profícuo do qual as escolas e as práticas juvenis poderiam sair, positivamente, transformadas, desestabilizadas e enriquecidas.

No documentário especial feito pela Funk TV com o Mc DaLeste em seu bairro de moradia, uma das cenas refere-se à escola onde ele estudava. Nela, Mc DaLeste diz que já fez muita bagunça e que já foi quase expulso, tendo recebido ali poucos elogios. Contudo, após se tornar Mc, ele retorna à mesma escola que queria repeli-lo e, dessa vez, é cercado como um ídolo pelos alunos mais novos e é até saudado pelas professoras.

Nota-se, portanto, a dificuldade da escola atual em dialogar com os jovens/estudantes e o modo como essa dificuldade torna-se ainda maior quando do outro lado estão jovens considerados marginais e/ou menos capazes simplesmente pelo fato de serem pobres, morarem em um bairro periférico e estudarem em uma escola pública estigmatizada e que também estigmatiza.


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