Marcos Lopes se envolveu com o crime cedo.
Aos 14 anos, foi expulso da escola por assaltar a cantina. Na mesma época, começou a agir com um estelionatário e se mudou com ele para o Rio de Janeiro.
Aos 15, roubava carros. Aos 17, virou gerente de biqueira.
“Foi a parte mais cruel da minha vida porque vi meus amigos morrendo, levando tiro, policial entrando na minha casa e pisando na cara da minha mãe”, relembra.
Aos 19 anos, Marcos perdeu sua melhor amiga. Ela voltava de um velório quando seu carro foi cercado e todos os passageiros foram mortos.
Para cumprir a promessa de que não deixaria que ela fosse enterrada no Cemitério São Luiz, na zona Sul de São Paulo, Marcos pediu ajuda à Tia Dag, fundadora da Casa do Zezinho, uma ONG que atua com crianças e adolescentes no Parque Santo Antonio.
“Fui pedir dinheiro para o enterro e a Tia Dag me perguntou quem faria o mesmo por mim no meu velório. A partir daí que eu comecei a ver o mundo com outros olhos”, conta Marcos, que comunicou aos líderes do tráfico sua “aposentadoria”.
Marcos voltou a estudar, terminou o ensino médio, escreveu um livro e deu aula na escola da qual foi expulso. Em 2008, trabalhou como educador social no Instituto Rukha e teve contato com outros jovens que queriam deixar o tráfico.
“Quando esse projeto acabou, eu já tinha mais de 20 meninos diretamente tirados do tráfico de drogas”, lembra.
No dia 12 outubro de 2012, com o fim do Instituto Ruckha, ele e o amigo Alexsandro fundaram o Projeto Sonhar para manter os laços afetivos criados com mais de 20 jovens.
“Ninguém quer ser traficante. A gente acredita nisso. Se você perguntar para o cara que tá no tráfico se ele quer ser traficante, ele vai dizer que sim. Mas se perguntar depois que ele sair, ele vai dizer que não queria”, diz Marcos.
Ele conta que um jovem que quer comprar um tênis de R$ 900 e ganha um salário mínimo precisa trabalhar cinco meses para economizar o dinheiro necessário. No tráfico, ele consegue o dinheiro em duas semanas.
“Quem tá no extremo não tem opção, tem condição. Porque aqui ninguém vai te oferecer nada. É o imediatismo que faz o cara ir para o tráfico”, aponta Marcos.
Mas o sonho de consumo em si não é o único motivador para aderir à criminalidade.
O vício em alguma droga acaba levando esses adolescentes a entrarem no tráfico para manter a dependência, segundo Marcos. Alguns dos jovens que passaram pelo Sonhar vão para clínicas de reabilitação. Ao todo, seis estão internados. Outros foram encaminhados ao mercado de trabalho.
“A gente não encontra alternativas. A gente mostra alternativas, dá opção, apresenta caminhos que eles podem percorrer”, diz Marcos.
Sem apoio governamental, o Sonhar é um meio encontrado por muitas famílias sem dinheiro para recorrer ao setor privado nem condições de aguardar a burocracia do serviço público.
“Nosso maior sonho, hoje, é que esses meninos que saiam do tráfico virem educadores, dentro do Sonhar ou não”, conclui.
Foto: Marcos Lopes, criador do Projeto Sonhar (Foto Divulgação)
PRÓXIMA REPORTAGEM: Existe vida nas cracolândias. Ainda que chamados de “zumbis”, dependentes químicos mantêm vínculos afetivos mínimos para continuar vivendo
Thiago Borges