Quando o centro é a periferia da periferia

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Fugir” para o centro da cidade é uma forma encontrada por dependentes químicos para se livrar do carimbo de “nóia” que muitas vezes recebem em seus bairros de origem.

Aos poucos, as pessoas que têm uso abusivo acabam se exilando no centro porque praticam alguns furtos e são estigmatizadas na sua quebrada”, explica Bruno Ramos Gomes, educador do centro de convivência É De Lei.

Com atuação focada na redução de danos, o centro de convivência É De Lei é um espaço de encontro entre usuários e dependentes de drogas que frequentam a região conhecida como Cracolândia.

A periferia da periferia, neste caso, é o centro”, explica Bruno.

Destino de muitos desses “refugiados”, a chamada cracolândia – na região da estação da Luz – sofreu em janeiro de 2012 uma operação policial coordenada pela Prefeitura de São Paulo e o governo estadual, com o objetivo de estimular a procura médica pelos usuários.

Mas os cerca de 2 mil usuários e dependentes que circulavam pelo local diariamente migraram para bairros vizinhos, o que gerou o surgimento de minicracolândias, enquanto outros já voltaram ao antigo ponto de consumo.

Na Cracolândia, tem gente de São Paulo, do interior e até de outros estados”, explica Odimar Reis, assessor técnico da coordenação de saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da Prefeitura de São Paulo.

Pessoas da periferia que perderam vínculos sociais e afetivos também vêm para cá por conta do anonimato e pelo ambiente de congregação”, diz ele.

Facilidades como o acesso a serviços públicos e possibilidades de renda também motivam essa migração.

Na região, a Prefeitura dispõe de 16 consultórios de rua, três profissionais (enferemeiro, psicólogo e assistente social) em cada um deles, com uma atenção maior na região central da cidade.

Nesses consultórios, os usuários passam por uma avaliação clínica e, quando necessário, são encaminhados ao pronto socorro. Além disso, recebem acompanhamento de profissionais da unidade básica de saúde (UBS) de sua região.

A proposta em discussão pela Prefeitura e em comitês nas subprefeituras é articular as áreas de cultura, esportes e educação para lidar com a questão e que as UBS sirvam de porta de entrada para essas pessoas no sistema de saúde.

Para isso, os 11 mil profissionais da rede devem passar por uma quailificação dos 11 mil funcionários para identificar e acolher esse público, além da contração de novos funcionários serão contratados, segundo a SMS.

Em toda a cidade, a prefeitura mantém 440 UBS e 118 Assistências Médicas Ambulatoriais (AMAs), que atendem aos usuários, além de 1.193 leitos voltados à saúde mental – tanto da rede municipal quanto estadual. Além disso, há pelo menos um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em cada subprefeitura da cidade.

A psiquiatria define dependência química quando o indivíduo sente fissura para usar a droga, diminui ou deixa de realizar outras atividades do dia a dia e percebe que tem sérios problemas mas não consegue largar a substância.

Porém, Odimar reconhece que não há como evitar a quebra de vínculos de uma pessoa, o que pode ocasionar sua migração para o centro.

O dependente está à margem por conta do processo que ele viveu, com a perda de vínculos como trabalho, afeto, e que a droga passou a ocupar”, explica ele. “Mas, na maioria das vezes, quando as pessoas procuram ajuda é porque elas já perderam todos os vínculos”.

Foto: Cracolândia no centro de São Paulo (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

PRÓXIMA REPORTAGEM: Para membro do Coletivo DAR (Desentorpecendo a Razão), criminalização das drogas “justifica” o controle policial sobre as periferias. Militantes defendem também política de redução de danos para lidar com dependentes químicos.

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