Em território de pastores, mas sem deus

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Tempo de leitura: 4 minutos

Responda rápido: você votaria em um candidato a Presidente da República que não acredita em deus? Confiaria os cuidados de seu filho a um médico sem fé? Pediria ao vizinho ateu para vigiar sua casa?

Pois o número de pessoas sem fé está crescendo. A cidade de São Paulo tem 965 mil habitantes sem religião, 70 mil ateus e 20 mil agnósticos, de acordo com o Censo 2010 do IBGE.

Assim como a religião perpassa grupos sociais, etários, étnicos, de gênero, de classes, etc., igualmente os sem religião também estão presentes indistintamente pela sociedade. Ademais, são os da periferia da periferia que estão, cada vez mais, se autodenominando sem religião”, diz o pesquisador Marcos Nicolini, doutorando em Ciências da Religião pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Metodista de São Paulo e colaborador do Grupo de Estudo de Religião e Periferia na América Latina (REPAL). Clique aqui para ler o artigo sobre o assunto.

Boa parte da população sem religião está nas periferias, segundo Nicolini – justamente no território onde aumenta a presença das denominações evangélicas. São pessoas que não têm ligação a uma determinada entidade religiosa, mas que pode ter seu próprio conceito de fé ou circular por diferentes igrejas – ou seja, de certa forma, elas “têm deus no coração”.

Porém, esse dado também pode esconder um número ainda maior de ateus, segundo o presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA), já que o próprio Censo não pergunta claramente se a pessoa é ateia, mas se ela tem alguma religião. O percentual de ateus pode chegar a 3% da população, o que responderia por mais de 300 mil pessoas só em São Paulo.

Mas o preconceito é gigantesco, pois pessoas sem fé são vistas como ímpias e criminosas”, observa Daniel Sottomaior, presidente da ATEA. “A menção “não tem deus no coração” no Google se refere sempre a criminosos. Qual o problema da criminalidade? O sujeito não tem deus no coração. Isso é um dado que tá presente na cultura popular”.

Fundada em 2008 em São Paulo, a ATEA tem mais de 8 mil associados e atua principalmente no combate à discriminação aos não-religiosos e à preservação ao estado laico. A associação realiza debates e protestos como a cerimônia de “desbatismo”, realizada ano passado em várias capitais do País, como na foto em destaque. No Facebook, entretanto, a página da organização publica comentários nem sempre respeitosos para quem é adepto de alguma religião.

Nós entendemos que só tem uma maneira de fazer isso com efetivadade, que é nos tribunais. Se você depender do poder Executivo ou Legislativo, tá frito. Se um político demonstrar ser ateu, é um suicídio eleitoral”, completa Sottomaior.

Apesar de ter cadeira cativa em conselhos de direitos humanos e diversidade religiosa na Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP) e na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a ATEA não tem contato com representantes de religiões.

Politicamente, somos o aliado mais indesejado que existe. Já tem bancada de igualdade racial, bancada LGBT, bancada feminista, mas a bancada de ateus não existe e não está com cara de que vai se eleger tão cedo”, conclui Sottomaior.

 

Clique abaixo para ler todas as reportagens da série À margem da margem:

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