Vanessa e Diana acreditam no potencial transformador da escola pública. Evelyn quer quebrar o tabu das normas acadêmicas com a linguagem periférica. Já Gisele quer construir uma visão diferente sobre as periferias na academia, enquanto Helder anseia mudar a estrutura da sociedade com as políticas públicas.
Elas e ele têm origem nas bordas da cidade, estão na universidade pública com objetivo de devolver o conhecimento obtido para as quebradas, mas agora temem pelas medidas tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro na educação.
Nesta quarta-feira (15/05), outros milhares de estudantes, pesquisadores e trabalhadores da educação em todo o Brasil saem às ruas para protestar contra os cortes prometidos pelo governo federal. Em São Paulo, o ato acontece a partir das 14h na avenida Paulista, com concentração em frente ao MASP.
Anunciada no final de abril pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, a tesourada nas universidades e outras instituições de ensino federais não atinge o salário de professores e funcionários concursados, mas congela 30% da grana para despesas não-obrigatórias, como luz, água, internet e serviços terceirizados.
“Com isso, meu campus pode funcionar só até setembro. Então, se eu ia terminar a faculdade em 2021, agora não sei mais e esses anos serão em vão porque pode fechar”, preocupa-se Evelyn Arruda, de 19 anos.
Moradora do Cantinho do Céu, no Extremo Sul de São Paulo, desde 2017 Evelyn estuda Letras no campus de Pirituba do Instituto Federal (IFSP). A instituição inaugurada em 2016 atende turmas do Ensino Médio, Técnico e Superior – a maioria, de periferias, como a própria Evelyn e sua amiga, Diana Cristina.
Com 20 anos, Diana mora no Grajaú e também estuda Letras com um objetivo nítido: “Tive grandes professores que me serviram de inspiração e hoje eu sei que eu quero dar aula e poder ajudar algum aluno”, conta ela. Porém, com a ameaça de paralisação das atividades, esse desejo parece mais distante.
Também do Grajaú, há 4 anos Vanessa Cândida Lourenço cruza a região metropolitana até o bairro de Pimentas, em Guarulhos, para estudar Ciências Sociais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A jovem de 20 anos decidiu pelo curso após participar do grêmio estudantil, onde enfrentava problemas de infraestutura e autoritarismo da gestão da escola. A participação em coletivos da região que militavam em pautas como moradia, meio ambiente, educação e gênero reforçou a escolha.
“Minha expectativa desde que escolhi as Ciências Sociais era dar aula no Ensino Médio, entendendo a educação como uma área chave e de continuidade da nossa atuação, ainda mais em tempos de escola ‘sem’partido e reforma do Ensino Médio”, lembra Vanessa.
O plano era se formar no meio do ano que vem. Com os cortes, a certeza virou dúvida. “A Universidade Federal do Paraná (UFPR), por exemplo, já informou que se o corte seguir só consegue continuar aberta pelos próximos três meses – condição que outras universidades como a Unifesp também compartilham”, lamenta.
Ataque direcionado
Se o poder emana do povo, é sob o controle e usufruto do povo que as universidades devem estar. Assim acredita Helder França, de 27 anos. Morador de Taboão da Serra, o advogado de formação e técnico em medida socioeducativa ingressou no mestrado de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC) porque acredita na mudança desse sistema racista, machista, LGBTfóbico e classista por meio da luta popular.
“Expandir nosso conhecimento e lutar por políticas públicas, mesmo que não sejam radicalmente transformadoras, têm o potencial de fomentar a conscientização coletiva para uma sociedade menos desigual”, aponta. “Pela ciência, a gente consegue trazer resultados que vão ser beneficio pra própria população”, complementa.
Helder nota que as prioridades do governo vão no sentido contrário dos interesses da população. Vanessa aponta que os cortes no Programa Nacional de Assistência Estudantil (que em muitos casos é o que garante a permanência de estudantes de baixa renda na universidade) e nas bolsas de iniciação científica, além do ataque a cursos de humanas, são uma forma de expulsar negros e periféricos do ensino superior. A jornalista Gisele Brito, de 33 anos, tem convicção disso.
“Nunca tantos negros e periféricos entraram na universidade. Isso influencia na própria pesquisa, porque estamos pesquisando o racismo, o machismo e pautando as periferias com um olhar diferente do que tem sido feito na universidade”
Gisele Brito
Criada no Grajaú, Gisele entrou no Mackenzie com bolsa da primeira edição do ProUni (Programa Universidade para todos), em 2005. Agora, ingressa na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) para pautar o projeto de cidade construído pelos movimentos culturais que emergiram nas quebradas nas últimas décadas. “Acho que isso vai contribuir para que se mude a ideia que se tem das periferias hoje, e para que se construam políticas públicas melhores”, diz ela.
Pela primeira vez, a FAU-USP adotou a condição socioeconômica dos candidatos para conceder bolsas de R$ 1.500 que é paga para mestrandos para desenvolverem suas pesquisas. Gisele ficou em terceiro lugar após responder uma série de perguntas, inclusive sobre a renda mensal de seus pais.
“O que acontece quando você tem em um cenário de perseguição e corte de bolsas? Isso faz com que o pesquisador fique mais vulnerável e precarizado”, diz ela.
Gisele nota que a tesoura nas verbas de custeio também tem um público-alvo: do bandejão à cota para impressão, os cortes atingem principalmente as pessoas de baixa renda, negras e periféricas, que dependem desses subsídios para continuar estudando.
“Quando você corta isso quando os pretos chegam à universidade, você tá cortando a transgressão nas linhas de pesquisa, de repensar conceitos a partir de outros lugar”, observa. “Não é à toa. Eles falam em ‘balbúrdia’, mas o que tá acontecendo é uma mudança de pensar o mundo, que é o jeito de pensar da população preta e periférica”, conclui.
Thiago Borges
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