Saúde mental da mulher periférica: quais são as alternativas para preservar ou resgatar?

Saúde mental da mulher periférica: quais são as alternativas para preservar ou resgatar?

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Consultoria de Pauta – Elânia Francisca

Como anda a saúde psíquica das mulheres do Extremo Sul? Quais delas têm reservado um tempo para cuidar disso e quantas outras julgam que dar atenção para isso é um raro privilégio, já que a rotina de jornadas duplas ou triplas com trabalho, estudo, casa, militância não deixa espaço para cuidar de si?
A falta de tempo abre espaço para adotar soluções imediatas. Uma dor de cabeça é resolvida rapidamente por uma medicação e muitas pessoas se habituam a, mesmo tendo esse incômodo constante, não investigar as causas dessa dor, que pode ser de alguma carga do dia a dia ou algum outro motivo que precisa de mais cuidado do que um comprimido ou algumas gotinhas.
E é fato que negligenciar a saúde mental não é um bom negócio a curto e principalmente a longo prazo, porque não criar espaço para esse cuidado pode acarretar em ser obrigada lá na frente a criar outros espaços para tratamentos mais emergenciais, longos e profundos.  
“Saúde é para além do que se propõe a constituição, sobretudo a mental, que ainda hoje é elitizada e branca. A cura vem pela fala, mas também com uma escuta especializada no setor terapêutico, com estudo específico que compreende essa demanda, é importante no vínculo entre profissional da psicologia e paciente”, alerta Milena Cristina de Abreu, psicóloga da Roda Terapêutica das Pretas, iniciativa de 11 psicólogas que se propõe a atender mulheres pretas periféricas que não têm acesso à saúde mental.
“O machismo e o patriarcado são muito prejudiciais à saúde”, diz a psicóloga Gabriela Galvão. Quando ela ainda trabalhava no Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF) que atendia seis UBSs na região de Parelheiros,  havia uma demanda grande de mulheres que diziam estar muito entristecidas ou muito ansiosas, e no processo de cuidado e escuta muitas delas revelavam situações de violência doméstica. Hoje, atuando no CAPS Infanto-Juvenil da Capela do Socorro, que inclusive é mais acessado pelo público masculino, as meninas que buscam o serviço em geral fazem referências ao machismo como causa de seus sofrimentos psíquicos e comumente relatam violências sexuais vividas.
Como consequência “muitas das meninas que vão, apresentam auto-mutilação e tentativas de suicídio. E elas falam muito da auto-estima também, resposta a um modelo estético não alcançado e que por isso causa muito sofrimento”, lamenta Gabriela.   
Se na busca por cuidados as meninas e também mulheres não encontram acolhimento, elas não retornam facilmente para esse serviço ou se quer se encaminham para outro, adiando a busca por ajuda e, em alguns casos, agravando o seu quadro de fragilidade.
Durante a apuração desta reportagem, chegaram a nós casos na saúde de tentativas de suicídio que foram mal encaminhados por julgamentos pessoais dos profissionais de saúde. Essa é a forma como muitos tratam quem está sofrendo e faz uma tentativa de suicídio. Preferimos não identificar as fontes para preservar justamente sua saúde mental,, mas recebemos relatos como os seguintes:
 
“Ouvi de um neurologista em hospital particular que eu era muito nova para ter depressão e que eu tinha que parar de tomar remédio, porque era frescura e minha psiquiatra estava me enganando”
“Tentei suicídio e fui parar no hospital. Estava sofrendo depressão, tomando medicação infelizmente sem nenhum efeito de melhora. Quando cheguei na recepção e minha mãe disse que eu tinha tentado me matar a recepcionista já ficou me questionando e lançando olhares julgadores. Depois enquanto me atendiam, os comentários que rolavam eram o porquê eu tinha tentado me matar justo na virada do ano, que esperavam que não demorasse, porque tinham uma festa para ir. Isso me agoniou demais por ver profissionais da saúde não terem nenhuma compaixão com alguém no estado que eu estava”.
 
E quando o motivo da ida ao equipamento de saúde é decorrente de um caso de violência doméstica, da mesma forma a distorção da demanda apresentada é recorrente. Mulheres que chegam a uma UBS com queixas de violência psicológica, que de acordo com a Lei Maria da Penha significa “ qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento”, perdem a chance de serem encaminhadas para o Centro de Cidadania da Mulher da Capela do Socorro para receberem o devido acolhimento em um estágio inicial de violência. O Centro que funciona de portas abertas, acaba comumente recebendo casos já agravados, quando o registro já é de uma violência física grave e recorrente.
A casos de acolhimentos psicológicos também de natureza de dificuldades para lidar com a orientação sexual ou identidade de gênero. Nessas situações, existe o Centro de Cidadania LGBT, que apesar de estar no distrito de Santo Amaro atende todo o Extremo Sul da cidade também de portas abertas.
A teoria do SUS é boa
A política do SUS foi criada em 1990 e prevê princípios básicos como a universalidade de direitos, ou seja, qualquer pessoa pode acessar os serviços, independente de sua origem. Outro ponto importante é a integralidade, que prevê olhar para o sujeito de uma forma integral e não só em uma conduta a partir da doença imediata apresentada. Além disso, se prevê uma política de atendimentos humanizados.
No Extremo Sul, tem diferentes equipamentos que chegam à população como os hospitais gerais, pronto-socorros, AMAs e UBS. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos territórios do Extremo Sul têm em sua maioria, cerca de 80%, estratégia de saúde da família, que prevê um olhar para a atenção básica com a presença de agentes de saúde que visitam as casas periodicamente.
Por todos esses caminhos, chegam casos que pedem um olhar especializado em saúde mental  e que devem ser encaminhados para um melhor acompanhamento pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que atende pessoas que estão em sofrimento psiquico grave. “O que significa isso? São pessoas que estão perdendo as funcionalidades na relação com a vida. Não quer sair de casa, percebe uma desorganização mental, machuca o outro e quer se machucar”, explica Gabriela. São três tipos de CAPS: CAPS-Álcool e Drogas (AD) para adultos, mas que também atende adolescentes a partir de 13 anos que estão em situação de uso abusivo de alguma substância; CAPS adulto, para pessoas que têm um sofrimento psíquico importante; e o CAPS – Infanto-juvenil, que acolhe o mesmo cenário, mas de crianças e adolescentes. Ainda existe o Núcleo de Apoio à Saúde da Família, que é uma equipe multidisciplinar que apoia os profissionais que atuam com a população para que ofereçam um atendimento com melhor capacidade de análise e ideal encaminhamento dos casos.  
“Mas a gente trabalha com poucos profissionais e uma estrutura que não é suficiente para dar conta da demanda do sofrimento psíquico das pessoas. No CAPS-Infanto Juvenil a gente recebe três vezes mais pessoas que a gente tem capacidade de acolher, não conseguindo, por exemplo, ter um atendimento de psicoterapia individual”, lamenta a psicóloga que, mesmo sabendo do suporte precário na prática, reforça que é preciso divulgar mais o serviço, pois muita gente não conhece esses espaços de acolhida.


 
Mas no Extremo Sul não são só os equipamentos públicos que estão disponíveis para atender as necessidades que surgem no dia a dia de um apoio para manter ou resgatar a saúde de origem psicológica e emocional. Iniciativas independentes surgem para dar alternativas a quem resolve se cuidar e inclusive, prevenir para não chegar a casos graves. O Coletivo MT, por exemplo, tem atuado com a musicoterapia no Centro de Cidadania da Mulher da Capela do Socorro, oferecendo oficinas semanais para qualquer mulher, vítima de violência ou não, que queira trabalhar suas questões psicológicas por meio da musicoterapia. Os encontros são toda segunda-feira, das 10h às 11h, e a turma ainda tem vagas.
Além desses encontros, o Coletivo mantêm a Biblioteca Itinerante Feminista que estará instalada até dia 11 de agosto na Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura, no Colônia, em Parelheiros.
Conheça mais a proposta do Coletivo MT e qual é a opinião do grupo sobre a importância de cuidar da saúde mental:

Outra proposta de cuidados que tem atraído em sua maioria mulheres do Grajaú são as atividades e atendimentos da naturóloga Ingryd Oliveira, mais conhecida na região como Guid. “ Foi marcante uma paciente que por depressão já passava com um psicoterapeuta e eu trabalhei com ela a acupuntura, a aromaterapia e os chakras básicos e estímulo dos hormônios, e desde a primeira sessão comigo eu já vi a evolução dela. Ela chegava com o cabelo solto, um corte novo, maquiada. Eu percebia ela se levantando e no final ela agradeceu dizendo que foi como eu tivesse tirado ela de um casulo, que eu auxiliei ela a se transformar nela mesma”, conta Guid, que faz atendimentos individuais de acupuntura, massoterapia, aromaterapia, promove aulas de ioga, às sextas-feiras, no Espaço Cultural Cazuá , no Jardim Eliana, no Grajaú. Além disso, tem uma marca de cosméticos artesanais.
Está aberta a inscrição também do Mini-Curso “Tecendo caminhos: Olhares periféricos para a Saúde Mental” que se propõe aprofundar a conversa sobre Saúde Mental com convidadas que já estão promovendo a temática no território. Os encontros são voltados para educadoras (es), mas também para interessadas em geral. Quer saber mais e participar, acesse o formulário de inscrição disponível aqui.
Solução caseira
E quando não se tem o precioso tempo para acessar esses lugares públicos, privados ou alternativos, soluções caseiras no dia a dia são possíveis de se criar. Em 2016, o coletivo Mulheres na Luta publicou um formulário pela internet e recebeu a resposta de 29 mulheres sobre a percepção delas sobre a própria saúde. “Nosso objetivo era de compreender o olhar que as mulheres periféricas têm sobre saúde e como elas sentem que a saúde é promovida na quebrada”, conta Érika Santana, integrante do coletivo. Veja o perfil dessas mulheres e como fazem para preservar sua saúde. A maioria disse colocar na rotina uma atividade física e tentar manter uma alimentação saudável, apenas 4 citou fazer consultas médicas e exames regulares, 2 faziam uso de remédios como principal alternativa e 3 reconheceram não cuidar disso:

São diferentes caminhos possíveis para se preservar ou resgatar a saúde mental das mulheres periféricas, mas o desafio é conseguir entender que esse é um direito e precisa ser cobrado e priorizado, porque sem a saúde mental em ordem outros campos da vida são afetados.  
Assista conversa com as repórteres Aline Rodrigues e Evelyn Arruda sobre como foi o processo de produção dessa reportagem. 
https://www.facebook.com/PeriferiaemMovimento/videos/1882589465134928/
 
 

Este conteúdo faz parte do projeto #NoCentroDaPauta, uma realização dos coletivos Alma Preta, Casa no Meio do Mundo, Desenrola E Não Me Enrola, Imargem, Historiorama, Periferia em Movimento e TV Grajaú – SP, com patrocínio da Fundação Tide Setubal. Cerca de 30 reportagens serão publicadas até o final de outubro com assuntos de interesses da população das periferias de São Paulo em ano eleitoral. Acompanhe os sites e as redes sociais dos coletivos e não perca nada!

4 Comentários

  1. […] LEIA MAIS: Saiba como mulheres periféricas têm cuidado da saúde mental […]

  2. […] da quebrada e profissionais que trabalham com elas. Ela já trocou ideia com a gente sobre saúde mental de mulheres periféricas e também como identificar e lidar com casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, […]

  3. […] acesso a saúde pública aqui no Brasil é diferente que nos Estados Unidos, onde não há um Sistema Único de Saúde (SUS). […]

  4. […] se torna urgente. Além dos cuidados para evitar o contágio, é preciso dar atenção especial à saúde mental. E isso afeta de formas diferentes cada parcela da […]

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