Por Thiago Borges. Foto em destaque: Ação na Ocupação Esperanca (Luta Popular)
Na semana retrasada, morreu uma das moradoras mais antigas do Jardim da União, ocupação com mais de 600 famílias no Grajaú, Extremo Sul de São Paulo. Ela foi diagnosticada com covid-19. Na mesma região, uma das referências da ocupação do Jardim Gaivotas está internada com suspeita de infecção pelo vírus. Enquanto isso, na ocupação Esperança (no município de Osasco), Marineide Constantino Lopes comemora a cura.
Mais conhecida como Maura, no final de março ela começou a sentir falta de ar, febre, dores constantes e perda do olfato e do paladar. Passou na unidade de pronto atendimento da Vila Menck, onde não tinha teste disponível, e voltou para casa. Após uma semana isolada e sem melhoras, foi com o marido ao Hospital Regional de Cajamar, aonde fez o teste rápido que comprovou: ela estava com covid-19.
De volta ao isolamento doméstico, em uma semana os sintomas começaram a melhorar. Recentemente, Maura fez um novo exame que apontou a recuperação. “É uma doença muito séria, só quem já passou sabe. A gente tem fé que logo tudo isso acabe”, diz ela.
Com uma família de 05 pessoas, tanto Maura quanto o marido faziam bico em uma empresa de confecção e perderam a renda com a quarentena. Apenas o filho mais velho de 21 anos continua trabalhando e pagando as contas, enquanto o casal aguarda o auxílio emergencial prometido pelo governo.
“Não adianta fazer testes sem dar medicamento ou negar assistência. Eu consegui comprar medicamentos com ajuda do movimento [Luta Popular, presente na ocupação] e de algumas pessoas (…) A gente teve uma ajuda muito grande com a doação de cestas, e é assim que a gente tá vivendo agora”
Marineide Constantino Lopes, moradora da ocupação Esperança
Alarme
Em meio ao avanço do coronavírus para as áreas mais empobrecidas da cidade, quem vive nas ocupações por moradia corre contra o tempo. Ainda que muitos já morem em casas de alvenaria, há muitos barracos de madeirite e com maior exposição ao tempo e à poeira.
“Um momento desses mostra que a falta de moradia digna torna a epidemia muito mais violenta, grave, de maior risco pra população sem teto ou com condições precárias de moradia”, aponta Irene, integrante do movimento Luta Popular, que atua na mobilização por moradia em diferentes regiões do País, inclusive na ocupação Jardim da União e na Esperança, onde a Polícia Militar assassinou 02 jovens na última semana. “O genocídio não para na pandemia”, completa Irene.
Raquel Rolnik, urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), questiona as condições materiais de cumprir o isolamento e se manter nesse período, uma vez que muitos trabalhadores informais dependem da presença física para gerar renda. Ela aponta ainda que 25% das famílias pagam aluguel, o que implica em mais custos para manter a moradia.
Uma das coordenadoras responsáveis pelo Jardim da União, Sandra de Moura já percebe uma procura de pessoas que, por conta da crise, não conseguem mais pagar o aluguel e estão ameaçadas de despejo. “Quando acabar essa pandemia, vai estar uma coisa pior em relação à moradia”, observa.
Desde março o Observatório de Remoções não registrava despejos ou processos do tipo na Região Metropolitana de São Paulo – resultado de articulações e recomendações de entidades como Ministério Público e Defensoria Pública. Porém, na última quinta-feira (07/05), ao menos 50 famílias foram retiradas da ocupação do Taquaral (periferia de Piracicaba, no interior paulista), contrariando a suspensão temporária determinada pela Justiça.
Na sexta (08/05), a Procuradoria-Geral de Justiça publicou no diário oficial um aviso a todos os promotores de justiça orientando o requerimento para suspensão das remoções enquanto perdurarem as medidas de isolamento social e de enfrentamento à pandemia.
Solidariedade pra viver
Moradora há 02 anos da ocupação do Jardim Gaivotas, Cilene é uma das voluntárias que ajudam a distribuir cestas básicas doadas por igrejas e coletivos como o Navegando nas Artes. Ela não percebe a atuação do poder público na comunidade.
As ações de solidariedade se repetem em outras ocupações. No Jardim da União, logo quando se começou a falar da pandemia, Sandra e outras lideranças locais enviaram um formulário via whatsapp para as famílias para identificar o número de idosos, desempregados, trabalhadores autônomos e informais, e quem estava com algum sintoma de gripe.
A partir disso, a comunidade teve uma real dimensão da necessidade local e passou a articular a doação de cestas básicas de alimentos, kits de higiene e limpeza e máscaras, além de ações de conscientização.
O movimento Luta Popular também produziu cartilhas sobre cuidados contra o contágio e como agir diante de ameaças de cortes de luz, água ou despejo, além de como prestar socorro a moradores em situação grave e identificar veículos que poderiam ser usados para remoções. “A gente só tá conseguindo comer por conta da solidariedade entre trabalhadores”, conclui Irene.
Para Raquel Rolnik, o caminho está na territorialização do problema. “É preciso identificar as questões locais para se ter uma estratégia pensada casa a casa, bairro a bairro, de como viabilizar isolamento, mobilizando estruturas comunitárias”, observa. “E, no pós-pandemia, é preciso pensar uma política habitacional que garanta moradia a todos e todas”.
Esse conteúdo faz parte da #SalveCriadores, uma iniciativa que a partir do apoio a coletivos e criadores de conteúdo das periferias de São Paulo vai trazer reflexões e dados sobre a crise da COVID-19 e seus reflexos nas populações negras e periféricas. O projeto, desenvolvido pela Purpose, busca reforçar o importante trabalho que vem sendo feito por criadores de conteúdo e trazer pontos de vista e perspectivas que ainda não foram levantados. Os coletivos que fazem parte dessa iniciativa são o Alma Preta, o Nós, Mulheres da Periferia, a Periferia em Movimento e a Rádio Cantareira. Os conteúdos serão publicados nos canais de cada coletivo e divulgados nas redes sociais do Cidade dos Sonhos
Redação PEM
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