04 horas no mercado: sensação “contagiante”

04 horas no mercado: sensação “contagiante”

Por Thiago Borges

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“É o fim do mundo”, me disse um senhor na fila do Assaí de Parelheiros, no Extremo Sul de São Paulo. Eu não manjo de apocalipse pra opinar. Imaginava que teria um quebra-quebra, mas pelo jeito nosso fim será melancólico como esse episódio cotidiano.

Foi assim: na quinta-feira (19/03), saí cedo de minha casa no Grajaú para ir ao Atacadão do Jardim Varginha. “Vou chegar lá antes da loja abrir”, pensei, me achando “o” esperto. Mal sabia eu que a abertura aconteceu uma hora mais cedo e que muita gente teve a mesma ideia. O estacionamento tava lotado. Desisti. Fui ao Assaí, ali próximo. Fila pra entrar. Carros parados onde nem era vaga.

As cenas:

– Álcool gel só na entrada: na loja, já não tinha à venda e os clientes disputavam até aquele pra acender churrasqueira. Se soubesse, tinha trazido uma garrafinha pra encher.

– Muitas pessoas de máscara no rosto: estariam todas elas com sintomas?

– Direção ofensiva: congestionamento e colisão de carrinhos nos corredores.

Eu peguei o essencial: cerveja (porque ninguém é obrigado a cumprir quarentena sóbrio), frango pra mistura, frutas pra manter a imunidade boa e produtos de limpeza pesada. Em 40 minutos, finalizei a compra. “Ufa, vou embora logo”, imaginei. Ledo engano. A fila pra pagar estava quilométrica (quando vão começar os saques?). Foram 03 horas de paciência, gastas em conversas com os “colegas” de espera e mensagens no ZAP.

Apesar da apreensão visível, no geral eu não enxerguei pânico nem exageros. Tirando uma ou outra pessoa, ninguém tava com 06 pacotes de arroz, quilômetros de papel higiênico ou enlatados para estocar até 2022.

Será que isso tava geral? Chamei no grupo da família pra entender.

“O que me chamou atenção foi a quantidade de papel higiênico e água sanitária nos carrinhos”, me conta Valéria Souza, minha prima, que passou 1h30 nas compras na última segunda-feira (16/03), em Interlagos. “Fui porque tava faltando coisas tipo café, leite, arroz, feijão. Não fui pensando em estocar, fui como de costume, mas me deparando com o cenário acabei pegando mais”.

“Era inacreditável de tão cheio. Quase desisti de entrar no mercado. Mas em casa tava faltando coisa e, se deixasse acumular, mais pra frente seria mais difícil de comprar”, me conta Patrícia Souza, outra prima, que também foi às compras segunda-feira (16/03) numa loja de Interlagos. Ela ficou só 1h20 no mercado.

A Marcia Lacerda foi na terça (17/03) e presenciou uma disputa por álcool gel. “Todos foram atrás, correndo e pegando vários”, diz. Minha irmã Marina Borges foi no mesmo dia. “Estava cheio, mas tinha bastante coisa nas prateleiras”, explica ela. Eu também notei isso.

A Lilian Raquel fez como eu e deixou pra ir quando os casos confirmados começaram a aumentar. Ficou 2h30 no mercado. “Em casa, estamos protegidos. No mercado, a coisa tá feia. O povo de máscara… e você vê no carrinho dos outros que só tem o básico”.

A vontade de cair fora era grande, mas convenci a mim mesmo de que teria que voltar ali mais cedo ou mais tarde. “Melhor agora, em que a restrição para sair na rua não tá tão grande”, ponderei, cruzando com outros pensamentos sobre o quanto a gente que é pobre tá lascado com todas as urgências que nos atravessam: precisamos trabalhar, fazer compras, cuidar das pessoas idosas e torcer pro SUS que a gente tanto defende dar conta do recado.

Ao meio-dia, depois de 04 horas preso no mercado, finalmente fui atendido. A operadora de caixa disse que nunca trabalhou tanto na vida. O Natal, principal data do comércio, “é fichinha perto disso aqui”. Eu percebi: a sensação de estar ali em meio a uma pandemia foi “contagiante”. Sobreviveremos a nós mesmos?

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