No Brasil, o acesso à arte e cultura são direitos garantidos pela Constituição Federal, sendo um dever do Estado promovê-los e incentivá-los de forma eficiente para toda a população. Mas a falta de investimento em equipamentos públicos e na proposição de atividades torna o que deveria ser um direito em um privilégio.
Por isso, a exposição “Periferia é o Centro”, realizada por Fernanda Souza (Correrua) e Hebert Amorim (Artedeft), é uma demonstração de como promover esses acessos e valorizar as quebradas como pólos de produção artística e cultural.
“A minha ideia é fazer com que a arte seja muito mais comum pra gente, que se descentralize. As minhas obras foram feitas para estar aqui”, conta Fernanda Souza, multiartista de 30 anos.
Correrua, como é conhecida, diz que é importante realizar movimentos de ruptura com o circuito artístico tradicional, que é elitista e excludente com pessoas e artistas da periferia.
Moradora do Grajaú, no Extremo Sul de São Paulo, a artista já expôs trabalhos em seu bairro, na Cidade Tiradentes e agora em Paraisópolis.
“Com todo o respeito, para mim tem muito mais valor estar aqui do que em qualquer outro lugar. É onde eu me sinto mais à vontade (…) porque ninguém me quer suavizada, sabe? Todo mundo aqui sabe os problemas e as coisas boas (do território), e aqui estamos em casa”, aponta.
Hebert Amorim, de 31 anos, é artista visual e um dos propositores da exposição. Com importantes marcos na carreira, como colaborações com Marcelo D2 e a participação na exposição “FUNK: Um grito de ousadia e liberdade”, que esteve aberta à visitações por 18 meses no Museu de Arte do Rio.
“Você engole muito sapo pra estar nesses ambientes porque você enfrenta uma realidade de muitas pessoas que nem imaginam que você existe, da onde você vem, o que você passa só para acessar a arte”, conta Hebert.
Natural de Senador Camará, na zona Oeste do Rio de Janeiro, ele vive há quatro anos na Vila Califórnia, na zona Leste de São Paulo.
A exposição foi apresentada pela primeira vez no evento da Nike que celebrou o Air Max Day 2025, e se deu a partir de uma forte conexão entre as produções de Herbert e Fernanda.
A dupla faz registros de exaltação à identidade e pluralidade periférica, sintonia preponderante para potencializar seus trabalhos. A partir desse encontro, surgiu a ideia de levar a exposição para a União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis.
“O ator principal da exposição é o território, são as pessoas daqui, eu sou só um operário. O artista de verdade são vocês, vocês têm que se unir nas obras”, diz Hebert.
Para Fernanda, o exercício da sensibilidade ao olhar para o cotidiano é essencial para suas produções, assim como olhar para a comunidade para que o projeto prospere.
“Do mesmo jeito que eu tô atenta a violência policial, também estou quando eu vejo uma mãe gritando pela janela pro filho que está na rua empinando pipa voltar para casa logo e sair do sol porque sua cara vai queimar. Para mim, ali tem um afeto. A sensibilidade está para além dos códigos”, diz ela.
Relato pessoal
As obras de Fernanda e de Hebert conseguem se conectar profundamente com diversas vivências e memórias construídas ao longo de nossa vida. A exaltação ao estilo de vida, bem como o protagonismo dado a corpos que em outros ambientes seriam vistos como marginais, são bastante potentes e emocionantes.
Acessar diferentes performances e interpretações acerca das diversas identidades periféricas de forma tão potente é algo que nos elucida e dá esperança, uma vez que conseguimos nos enxergar nas produções.
A pluralidade de formas de existir e resistir são múltiplas, e valorizar nossos territórios, bem como todas as tecnologias produzidas nesses espaços é algo muito bonito e valioso.
Saí de lá energizado, com a certeza que a arte salva e dá sentido a muitas coisas que, sem esses acessos, eu talvez jamais conseguisse nomear. Poucas coisas nessa vida são tão potentes quanto esse processo de maturação da própria identidade.
No entanto, enquanto artistas independentes promovem arte e cultura utilizando recursos próprios, o braço armado do Estado continua estigmatizando territórios que não são necessariamente violentos, mas profundamente violentados.
No sábado, dia 10 de maio, data de abertura da exposição, uma operação policial realizada em Paraisópolis vitimou Nicolas Alexandre, de 19 anos. A execução ocorreu na rua Ernest Renan, a mesma em que a exposição acontece.
A ação policial demonstra exatamente o que o poder público leva para dentro das periferias: a violência e o medo.
Por isso, a exposição “Periferia é o Centro” ganha ainda mais relevância.
Anotaí!
A exposição tem entrada gratuita, das 10h às 22h, na União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis – rua Ernest Renan, 1366 – zona Sul de São Paulo
Sábado (17/5)
16h | Bate-papo: Periferia e seus caminhos com Artedeft, Cecilia Galício, Stella Yeshua – Mediação: Rodrigo Azevedo
17h | Bate-papo: A moda no Funk e Hip Hop com Fernanda Correrua e Nerie Bento – Medição: Ingrid Mabelle
Domingo (18/5)
16h | Bate-papo: Juventude e periferia com Danilo Oliveira “Biu”, Cris Guterres – Mediação: Renata Alves.
17h | Bate-papo: Audiovisual na Quebrada muda vidas: Nem só futebol e nem só MC com Daniel Eduardo, Paulo Nascimento, Buscapé – Mediação: Glória Maria
18h às 20h – DJ Nogueira
20h às 22h – DJ Cretino
Edição de texto: Thiago Borges