Educação de Jovens e Adultos (EJA)  vira ferramenta de fortalecimento para mulheres do Extremo Sul de SP

Educação de Jovens e Adultos (EJA)  vira ferramenta de fortalecimento para mulheres do Extremo Sul de SP

Modalidade de ensino capacita para o trabalho, abre portas para o conhecimento e transforma realidades

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Reportagem de Micoli Cerqueira e Francisco Carvalho

“Você conhece outras coisas. Não é só aquele mundinho que a gente acha que tem cá atrás. A gente vai conhecendo um monte de coisa pela frente.”

Assim, Maria Aparecida Rodrigues, de 61 anos, resume sua experiência na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

A moradora do Jardim Santa Fé (Extremo Sul de São Paulo) parou de estudar no 5º ano do Ensino Fundamental. Em 2018, se matriculou no CIEJA Lélia Gonzalez, na região, finalizando os anos primários. E concluiu o Ensino Médio  em 2023, na EE Jorge Saraiva.

Ela afirma que seu plano era mudar de profissão, o que pode não ter dado certo. Mesmo assim, a experiência de voltar a estudar foi muito boa e que recomenda para qualquer pessoa. Durante a EJA, Maria teve contato com o teatro e com a dança, fazendo parte de apresentações, coisas que nunca imaginou que pudesse fazer.

Maria Aparecida Rodrigues, moradora do Jardim Santa Fé e ex-aluna da EJA (foto arquivo pessoal)

Maria Aparecida Rodrigues, moradora do Jardim Santa Fé e ex-aluna da EJA (foto arquivo pessoal)

“No CIEJA, eu perdi a vergonha de falar em público. Lá você entra como se fosse sua casa”, compartilha Maria.

A EJA possibilita, para além da retomada da formação em educação básica, que as mulheres levem para a sala de aula suas histórias, suas memórias e suas experiências de vida, tornando o ambiente um espaço de escuta e de fortalecimento de suas vozes.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1.565.732 mulheres estavam matriculadas nessa modalidade de ensino em 2019.

A EJA vai na contramão de uma realidade em que as desigualdades de gênero privam mulheres do acesso a direitos básicos e evidenciam desafios para a paridade de oportunidades entre homens e mulheres.

Com o trabalho de cuidado não remunerado, exercido majoritariamente por mulheres, essa disparidade de gênero é perpetuada em diversos âmbitos, entre eles o educacional.

Segundo dados da Oxfam, meninas e mulheres ao redor do mundo desempenham 12,5 bilhões de horas todos os dias ao trabalho de cuidado não remunerado, sendo que, no Brasil, 85% do trabalho de cuidado não remunerado é exercido por mulheres.

Essa necessidade de se manter responsável pelos trabalhos domésticos e de cuidado afasta uma grande parcela das mulheres de oportunidades de estudo, de trabalho remunerado e de inserções em espaços de socialização.

Voltar a estudar: um caminho para reconquistar voz, espaço e autonomia

Dentre os principais motivos para retornar aos estudos, o desejo de conseguir uma profissão melhor remunerada, e que não exija tanto esforço físico, se sobressai.

Porém, mesmo quando esse objetivo não é alcançado, a volta aos estudos possibilita que mulheres tenham contato com produções culturais – conhecimento científico e a arte, por exemplo.

No Extremo Sul de São Paulo, em bairros como Parelheiros, Grajaú e Varginha, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem se mostrado uma ferramenta poderosa no empoderamento de mulheres periféricas.

Por meio de dinâmicas grupais reflexivas e acesso a informações sobre políticas públicas, essas mulheres estão ressignificando suas trajetórias e conquistando autonomia.

Letícia Farnetani, professora do CIEJA Lélia Gonzalez (foto arquivo pessoal)

Letícia Farnetani, professora do CIEJA Lélia Gonzalez (foto arquivo pessoal)

“Para muitas mulheres, estar na escola é o momento de se sentirem vistas e acolhidas. É um processo de retomada de vozes que foram silenciadas”, aponta Letícia Farnetani, 32, professora do CIEJA Lélia Gonzalez.

Ela relata casos de alunas que, após voltarem a estudar, conseguiram questionar patrões sobre direitos trabalhistas ou reconhecer relacionamentos abusivos.

A transformação digital e o acesso a tecnologias é outra questão que impacta o acesso dessas mulheres a diversos serviços. No CIEJA Lélia Gonzalez, elas conseguem desenvolver habilidades digitais através de programas de incentivo e ensino de educação digital junto às salas de informática presente.

Aos 51 anos, Maria Otacília Ferreira Tavares de Almeida comemora a mudança de realidade. Moradora do Jardim Novo Parelheiros, ela voltou a estudar em 2004 e concluiu o Ensino Médio em 2006. Depois, fez curso de técnica de enfermagem e hoje trabalha na área da saúde.

Otacília comemora: “Estudar abriu possibilidades. Hoje posso dizer que terminei meus estudos e fiz curso técnico”.

Maria Otacília Ferreira Tavares de Almeida, moradora do Jardim Novo Parelheiros, concluiu o Ensino Médio e hoje trabalha na área da saúde (foto arquivo pessoal)

Maria Otacília Ferreira Tavares de Almeida, moradora do Jardim Novo Parelheiros, concluiu o Ensino Médio e hoje trabalha na área da saúde (foto arquivo pessoal)

Saberes que se cruzam

Uma das peculiaridades da EJA é a diversidade do público ao qual ela atende e, consequentemente, das turmas que são formadas.

Sendo 15 anos a idade mínima, as turmas são compostas por adolescentes, pessoas jovens, adultas e idosas. O convívio com pessoas de diferentes faixas etárias pode acarretar em uma maior complexidade na condução das atividades, mas também é frutífera a troca entre quem está em diferentes momentos da vida.

Mulheres de diversas idades se encontram nas salas de aulas da EJA e, ao compartilharem suas histórias, encontram semelhanças e apoio para construir caminhos possíveis.

*Esta reportagem foi produzida por participantes do projeto “Repórter da Quebrada – Gerações Periféricas Conectadas”, realizado pela Periferia em Movimento com apoio da 8ª edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo

Edição de texto: Thiago Borges. Arte de capa: Rafael Cristiano. Equipe Educação Midiática: Aline Rodrigues, Ana Rodrigues e Pedro Salvador

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