Para cada R$ 10 que chegaram à cidade de São Paulo via Lei Rouanet, R$ 9 ficaram na região central da capital e pouco mais de R$ 0,01 chegou às periferias paulistanas.
Entre 2014 e 2023, foram quase R$ 6 bilhões em recursos captados junto a empresas por projetos aprovados por iniciativas sediadas em São Paulo pela principal política pública do País.
Desse total R$ 5,28 bilhões se concentraram em um raio de até 5 quilômetros da avenida Paulista, em distritos onde vivem apenas 17,21% da população. As regiões periféricas, onde estão 50,67% da população paulistana, ficaram com 1,38% dos recursos, o equivalente a apenas R$ 83 milhões no período de dez anos.
Só Pinheiros abocanhou sozinho R$ 1,2 bilhão, enquanto 21 distritos da capital não receberam nem R$ 1 pela Lei Rouanet. E nenhum projeto foi aprovado em distritos como Marsilac e Parelheiros (Extremo Sul), Iguatemi, Itaim Paulista, Lajeado e São Rafael (Extremo Leste), Jaguará e Perus (Noroeste).
A desigualdade, percebida no dia a dia, é atestada pela pesquisa inédita “Lei Rouanet e a Periferia – Um olhar estratégico para o Orçamento da Cultura e o Investimento Social”. A análise foi divulgada na quarta-feira passada (23/9) pelo Observatório Ibira 30, iniciativa da Associação Bloco do Beco para produzir dados de interesse público a partir do Jardim Ibirapuera, na zona Sul paulistana. A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) é parceira no levantamento.
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Riqueza concentrada
Com objetivo de fomentar a produção e difusão cultural, a Lei Rouanet é uma política federal que permite a empresas e pessoas físicas destinarem parte de seu imposto de renda a projetos aprovados pelo Ministério da Cultura (Minc).
Artistas, agentes e iniciativas culturais podem inscrever projetos no SALIC, sistema do Minc, e caso sejam aprovados podem bater na porta de contribuintes para obter esses recursos.
Apesar de fundamental para movimentar a cultura no País, o acesso a esses recursos ainda é restrito a uma elite do setor.
Entre 2014 e 2023, foram aprovados 8.575 projetos culturais sediados na cidade de São Paulo. Desse total, 6.185 projetos enviados por 1.123 prononentes conseguiram captar recursos para realizar as atividades.
Cerca de 30% dos recursos (R$ 1,8 bihão) ficaram nas mãos de apenas 14 proponentes (1,5% do total).
Para territorializar e descobrir os destinos dos recursos que vêm da Lei Rouanet, a pesquisa usou os parâmetros de outra lei – a de Fomento à Cultura das Periferias, programa municipal que cruza fatores como renda e IDH para destinar verba pública prioritariamente às regiões menos assistidas por políticas culturais.
Com base nessa divisão aplicada à Rouanet, chegou-se ao abismo colossal: proporcionalmente, capta-se R$ 2.660 por pessoa moradora das áreas ricas contra R$ 14 por pessoa moradora das áreas pobres.
O estudo propõe caminhos como: territorialização dos dados da Rouanet, adoção de critérios redistributivos e o reconhecimento da cultura como direito básico. A pesquisa convida a repensar o atual modelo de financiamento cultural, colocando a justiça territorial e o combate às desigualdades no centro da política pública.
Foto em destaque: Arumã, artista de Parelheiros, em mural pintado no Grajaú (crédito: Pedro Salvador/Periferia em Movimento)